terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Na reeleição no Congresso, venceu a Constituição, Hélio Schwartsman, FSP

 Era claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.

É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.

Penso que constituições só perduram no tempo porque são documentos vivos, cujo sentido é atualizado a cada nova geração de intérpretes. E isso, obviamente, exige que o texto tenha maleabilidade. O problema, portanto, não está em o STF ir contra o que está escrito na Carta ou introduzir-lhe ideias que não estão, mas a frequência com que o faz e os motivos que invoca.

Esse tipo de intervenção precisa ser raro. A autocontenção é a maior virtude das cortes constitucionais. Em minha modesta opinião, os ministros deveriam reservar seus superpoderes apenas para situações de ampliação de direitos individuais que o Legislativo não consegue promover.

Se juízes constitucionais se entregam a casuísmos, todas as suas decisões passam a ser percebidas como motivadas por interesses políticos ou pessoais, a credibilidade da corte se esvai e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Constituição. Gostaria de acreditar que foi essa percepção que definiu o resultado da votação sobre a reeleição e não a pressão das redes sociais. Meu otimismo não chega a tanto.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Pazuello diz que cabe ao Ministério da Saúde imunizar a população e ignora a Coronavac, OESP

 Mateus Vargas, Jussara Soares e Emilly Behnke  , O Estado de S.Paulo

08 de dezembro de 2020 | 18h37

BRASÍLIA - Em pronunciamento feito no Palácio do Planalto na tarde desta terça-feira, 8, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que cabe à pasta, e não aos Estados, planejar a vacinação contra a covid-19 no Brasil. A declaração ocorre após o governador de São Paulo, João Doria, se antecipar e anunciar o início da imunização a partir do dia 25 de janeiro, mesmo sem ajuda do governo federal.

Pazuello se negou a responder a perguntas de jornalistas após a sua declaração
Pazuello se negou a responder a perguntas de jornalistas após a sua declaração Foto: Gabriela Biló/Estadão

"Compete ao Ministério da Saúde realizar o planejamento e a vacinação em todo o Brasil. Por isso o PNI (Programa Nacional de Imunizações) é um programa do ministério. Não podemos dividir o Brasil num momento difícil", disse Pazuello.

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Apesar de ter cobrado união, Pazuello não citou no pronunciamento os acordos do governo paulista para entrega da Coronavac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã. 

Pazuello voltou a afirmar, porém, que o governo federal deve comprar qualquer vacina que receber registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Qualquer vacina que tenhamos acesso, fabricadas no Brasil ou importadas, que sejam disponibilizadas para nós e tenha registro da Anvisa será alvo de contratação do governo federal", afirmou o general.

A declaração de Pazuello foi feita no momento em que o governo é pressionado para acelerar a imunização contra a covid-19 no Brasil. Mais cedo, em reunião com governadores, o ministro disse que a vacina da AstraZeneca/Oxfod, aposta do governo federal, deve ser registrada até o fim de fevereiro. A previsão foi dada no mesmo dia em que o Reino Unido começou a vacinar sua população.

Pazuello se negou a responder a perguntas de jornalistas após a sua declaração. Na fala, ele elogiou o "empenho" do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. "Quero destacar o empenho de Bolsonaro na pandemia. Ele não mediu e não mede esforços para que alcancemos a vacina."

Em outubro, por briga política contra Doria, o presidente desautorizou Pazuello e fez a Saúde recuar de proposta de compra da Coronavac. Bolsonaro chegou a declarar que a vacina não seria mais comprada. 

Em mensagem pelas redes sociais logo após o fim do pronunciamento do ministro, Bolsonaro também reafirmou nas redes sociais que o governo vai oferecer "de forma gratuita" vacinas que tiverem sua eficácia comprovada pela Anvisa. 

"O Brasil disponibilizará vacinas de forma gratuita e voluntária após COMPROVADA EFICÁCIA E REGISTRO NA ANVISA. Vamos proteger a população respeitando sua liberdade, e não usá-la para fins políticos, colocando sua saúde em risco por conta de projetos pessoais de poder", escreveu Bolsonaro.

Brasil tem acordo para 300 milhões de doses

Em seu pronunciamento, Pazuello repetiu que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem acordos para receber 300 milhões de doses em 2021, sendo 260 milhões de Oxford/AstraZeneca e mais cerca de 40 milhões por meio do consórcio Covax Facility. A conta ignora possíveis compras da vacina da Pfizer ou da Coronavac.

Pazuello citou que o governo federal está fechando um "memorando de entendimento" para a compra de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer em 2021. Mais cedo, ele disse a governadores que cerca de 8,5 milhões de unidades devem chegar ao Brasil no primeiro semestre. 

A expectativa do governo é que a imunização seja feita em duas doses.  "Estamos atentos a tudo que acontece no mundo", disse Pazuello.

No fim da declaração, Pazuello disse que os "desafios são grandes", mas a população não pode "desanimar". "Erguer a cabeça, dar a volta por cima é um padrão brasileiro. É diante de uma crise que criamos soluções para avançar e temos que acreditar que podemos vencer. Vamos ter fé. Tudo isso vai passar."

Vacina contra Covid pode evitar doença, mas não o contágio; efeito em idosos é pouco conhecido, FSP

SÃO PAULO

Duas grandes campanhas de vacinação simultâneas podem congestionar o serviço, sobrecarregar salas de atendimento, criar problemas na distribuição e transporte de vacinas e lotar geladeiras. Trata-se das campanhas da Covid-19 e da gripe.

O governo federal imagina que a vacinação contra a Covid-19 possa começar em março. Em 2019, a campanha nacional de vacinação contra a gripe foi de 23 de março a 22 de maio. Mesmo o cronograma paulista prevê vacinar 9 milhões de pessoas até o início de março, mas o estado tem perto de 45 milhões de habitantes. O grosso da campanha, pois, poderia coincidir com a imunização contra a gripe.

É um dos alertas do imunologista Jorge Kalil, professor titular de medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração Incor). Kalil está otimista com os resultados até agora promissores de desenvolvimento de vacinas, mas chama a atenção tanto para problemas de logística como para o desconhecimento do alcance da eficácia das vacinas.

O médico afirma também que os governos, federal ou de São Paulo, devem comprar quaisquer vacinas aprovadas, com bom nível de eficácia, e começar a vacinar o quanto antes.

Mesmo que esse ou aquele produto exija supergeladeiras, como o da Pfizer, é possível utilizá-lo em grandes cidades do país. Importante é conter o quanto possível o número de doentes e mortes com uma combinação de produtos disponíveis –quanto mais e imediatamente, melhor.

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O imunologista pede atenção a outros aspectos um tanto desconsiderados da eficácia das vacinas.

Primeiro, as vacinas evitam a doença sintomática ou atenuam casos graves, mas não se sabe ainda se são capazes de impedir que um indivíduo transmita a doença, se por mais não fosse porque não se desconhece o efeito da vacina em assintomáticos. É o que dizem os relatórios até agora conhecidos sobre a fase 3 de testes da Pfizer, da Moderna e da AstraZeneca/Oxford, que ainda não foram publicados em revistas científicas.

De resto, as vacinas dessas empresas recorrem a métodos novos a fim de provocar resposta imunológica (ao contrário da Coronavac comprada pelo governo paulista). Não há experiência prática ampla e longa de como funcionam.

Segundo, os estudos de fase 3 obtiveram um número de casos estatisticamente suficiente apenas para indicar segurança e alguma medida da eficácia da vacina, por ora. Mas a quantidade de casos é pequena ou recente, tanto que não permitem chegar a conclusões mais sólidas sobre outras questões.

Por exemplo, faltam números para medir a eficácia por grupo de idade (como em idosos) ou em “etnias” (quaisquer grupos que possam ter reação diferente devido à genética diversa). As vacinas também não foram testadas em crianças e adolescentes, lembra Kalil. Agora está sendo estudado o grupo de 12 a 17 anos.

Por fim, não se saber a “memória” que a vacina vai deixar no sistema imune (amplitude de reação possível do sistema imunológico e por quanto tempo).

Assim, dados os produtos conhecidos e o que se sabe por ora de seu efeito, pode-se dizer que uma vacinação ampla deve ter efeito positivo e grande no sistema de saúde (evitando mais sobrecarga, doença e morte), mas não sobre os indivíduos, que ainda terão de tomar precauções.

A vacina pode ter eficácia limitada (como proteger da doença em apenas 70% dos casos: 30% das pessoas continuaria desprotegida, sem o saber). A vacina pode não conter a transmissão: o vírus continuaria circulando e o risco de ser infectado continua, embora seja mais reduzida a possibilidade de adoecer.

Kalil trata desses assuntos em seus trabalhos de pesquisa e em comitês de que faz parte, como o Conselho de Monitoramento de Dados e Segurança (DSMB, na sigla em inglês) que analisa as informações sobre as vacinas que o governo americano pretende comprar, assessorando os Institutos Nacionais de Saúde, por exemplo.

O imunologista também integra um dos 11 grupos de pesquisa no Brasil que desenvolvem uma vacina. A dele, um spray nasal, deve fazer teste clínico no ano que vem.