Duas grandes campanhas de vacinação simultâneas podem congestionar o serviço, sobrecarregar salas de atendimento, criar problemas na distribuição e transporte de vacinas e lotar geladeiras. Trata-se das campanhas da Covid-19 e da gripe.
O governo federal imagina que a vacinação contra a Covid-19 possa começar em março. Em 2019, a campanha nacional de vacinação contra a gripe foi de 23 de março a 22 de maio. Mesmo o cronograma paulista prevê vacinar 9 milhões de pessoas até o início de março, mas o estado tem perto de 45 milhões de habitantes. O grosso da campanha, pois, poderia coincidir com a imunização contra a gripe.
É um dos alertas do imunologista Jorge Kalil, professor titular de medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração Incor). Kalil está otimista com os resultados até agora promissores de desenvolvimento de vacinas, mas chama a atenção tanto para problemas de logística como para o desconhecimento do alcance da eficácia das vacinas.
O médico afirma também que os governos, federal ou de São Paulo, devem comprar quaisquer vacinas aprovadas, com bom nível de eficácia, e começar a vacinar o quanto antes.
Mesmo que esse ou aquele produto exija supergeladeiras, como o da Pfizer, é possível utilizá-lo em grandes cidades do país. Importante é conter o quanto possível o número de doentes e mortes com uma combinação de produtos disponíveis –quanto mais e imediatamente, melhor.
O imunologista pede atenção a outros aspectos um tanto desconsiderados da eficácia das vacinas.
Primeiro, as vacinas evitam a doença sintomática ou atenuam casos graves, mas não se sabe ainda se são capazes de impedir que um indivíduo transmita a doença, se por mais não fosse porque não se desconhece o efeito da vacina em assintomáticos. É o que dizem os relatórios até agora conhecidos sobre a fase 3 de testes da Pfizer, da Moderna e da AstraZeneca/Oxford, que ainda não foram publicados em revistas científicas.
De resto, as vacinas dessas empresas recorrem a métodos novos a fim de provocar resposta imunológica (ao contrário da Coronavac comprada pelo governo paulista). Não há experiência prática ampla e longa de como funcionam.
Segundo, os estudos de fase 3 obtiveram um número de casos estatisticamente suficiente apenas para indicar segurança e alguma medida da eficácia da vacina, por ora. Mas a quantidade de casos é pequena ou recente, tanto que não permitem chegar a conclusões mais sólidas sobre outras questões.
Por exemplo, faltam números para medir a eficácia por grupo de idade (como em idosos) ou em “etnias” (quaisquer grupos que possam ter reação diferente devido à genética diversa). As vacinas também não foram testadas em crianças e adolescentes, lembra Kalil. Agora está sendo estudado o grupo de 12 a 17 anos.
Por fim, não se saber a “memória” que a vacina vai deixar no sistema imune (amplitude de reação possível do sistema imunológico e por quanto tempo).
Assim, dados os produtos conhecidos e o que se sabe por ora de seu efeito, pode-se dizer que uma vacinação ampla deve ter efeito positivo e grande no sistema de saúde (evitando mais sobrecarga, doença e morte), mas não sobre os indivíduos, que ainda terão de tomar precauções.
A vacina pode ter eficácia limitada (como proteger da doença em apenas 70% dos casos: 30% das pessoas continuaria desprotegida, sem o saber). A vacina pode não conter a transmissão: o vírus continuaria circulando e o risco de ser infectado continua, embora seja mais reduzida a possibilidade de adoecer.
Kalil trata desses assuntos em seus trabalhos de pesquisa e em comitês de que faz parte, como o Conselho de Monitoramento de Dados e Segurança (DSMB, na sigla em inglês) que analisa as informações sobre as vacinas que o governo americano pretende comprar, assessorando os Institutos Nacionais de Saúde, por exemplo.
O imunologista também integra um dos 11 grupos de pesquisa no Brasil que desenvolvem uma vacina. A dele, um spray nasal, deve fazer teste clínico no ano que vem.
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