terça-feira, 24 de novembro de 2020

Na disputa França x Brasil sobre Amazônia, Bolsonaro faz gol contra, FSP

 

Para o governo Bolsonaro, o problema ambiental é um problema de comunicação: como emplacar uma narrativa favorável ao Brasil em meio a narrativas negativas que circulam pelo resto do mundo.

É como se não existisse a realidade objetiva, o problema concreto do desmatamento e das queimadas. Na falta de qualquer interesse de resolvê-lo, o desafio é como fazê-lo desaparecer pelo uso do discurso.

Na semana passada, em mais uma rodada dessa estratégia de marketing, Bolsonaro disse que iria anunciar publicamente os maiores importadores de madeira ilegal brasileira. França e Alemanha estavam na mira.

O contexto é a relutância europeia em ratificar o acordo comercial UE-Mercosul. Bem sabemos que a França procurará pretextos para afundar o acordo e proteger seus agricultores. Bolsonaro entrega esses pretextos de bandeja. Voltou atrás na ameaça, mas o mal-estar ficou.

França, Alemanha e outras potências podem e devem ajudar o Brasil a combater o tráfico de madeira ilegal e o desmatamento em geral.

Aliás, o Fundo Amazônia —financiado em parte pela Alemanha— fazia exatamente isso, mas infelizmente abrimos mão dele. Mas é claro que Bolsonaro não deseja esse tipo de ajuda. Se ele denuncia a compra de madeira ilegal por outros países, não é para combatê-la lá fora, mas para seguir sem reprimi-la aqui. Afinal, seu governo é o maior incentivador da prática: graças a mudanças regulatórias de seu governo, as regras para a certificação da madeira se tornaram mais frouxas —90% do consumo de madeira ilegal brasileira se dá justamente no Brasil.

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Qual o resultado da pirraça bolsonariana? Alguma grande vitória contra a França? Pelo contrário. A cada nova interação, o acordo UE-Mercosul parece ficar mais distante, justamente o que os produtores rurais franceses querem. A Alemanha também reagiu à fala de Bolsonaro, fazendo o que ele talvez menos quisesse: levou-as a sério. O Ministério da Agricultura alemão já anunciou que quer leis mais duras para fiscalizar produtos tropicais.

Bolsonaro não está nem aí. O único objetivo é agradar sua base de apoiadores aqui dentro do Brasil, que inclui interesses econômicos predatórios da grilagem e do garimpo ilegal: se para isso virarmos um pária internacional, com dificuldades de fechar novos acordos, sem direito a voto na ONU (por não pagar as contas) e, quiçá, no futuro, alvo de boicotes econômicos, tudo bem. O importante é o teatrinho nas redes.

A Amazônia interessa ao resto do mundo, mas deveria interessar ainda mais ao Brasil. Somos nós que podemos auferir as riquezas de sua biodiversidade; é o nosso agro que mais se beneficia dos serviços ambientais que ela proporciona, por exemplo, ao garantir o regime de chuvas no Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Interesse interno e internacional estão perfeita e claramente alinhados.

presidente eleito Joe Biden (sim, ele tomará posse em 20 de janeiro, por mais que Bolsonaro também se recuse a aceitar) já anunciou John Kerry como enviado especial do clima. A pauta climática e ambiental em geral —que se estende por outros temas, como desmatamento, plásticos, água— só ganhará mais centralidade com essa adesão de peso dos EUA. Por qualquer critério, o Brasil deveria ser um dos grandes protagonistas da discussão ambiental no mundo. Somos, neste momento, por pura mesquinhez do governo, o bandido da história.

Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Justiça manda Serasa parar de vender dados pessoais de brasileiros, FSP

 Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

O desembargador César Loyola, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou na sexta-feira (20) a suspensão da venda de informações pessoais de clientes pela Serasa Experian.

O Ministério Público do Distrito Federal havia entrado com uma ação pedindo a suspensão da “comercialização maciça de dados pessoais de brasileiros por meio dos serviços 'Lista Online' e 'Prospecção de Clientes'”, que vendem dados como nome, CPF, endereço, idade, gênero, poder aquisitivo e classe social de pessoas que estão no banco de dados da Serasa Experian, sem consentimento específico delas.

A empresa diz atuar conforme a legislação em vigor.

Em sua ação, à qual a Folha teve acesso, o MP aponta para o esforço do Tribunal Superior Eleitoral para coibir os disparos em massa de WhatsApp nas eleições, que são facilitados por esse tipo de venda de cadastro.

Na imagem aparece o logo da Serasa em tela de celular e notebook.
Na imagem aparece o logo da Serasa em tela de celular e notebook. - Adriana Toffetti/A7Press/Folhapress

Segundo o autor da ação, o promotor Frederico Meinberg, da Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial, “na prática, a Serasa está vendendo os dados pessoais de mais de 150 milhões de brasileiros para empresas interessadas em prospectar novos clientes, sem que exista qualquer tipo de conhecimento por parte dos titulares das informações".

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Os contratantes pagam R$ 0,98 por contato.

“Ou seja, por R$ 0,98, a Serasa vende o núcleo da privacidade do cidadão brasileiro, consistente em nome, endereço, CPF, 3 números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social, para qualquer empresa interessada", afirma o promotor. Ele frisa que os produtos em questão não têm qualquer vinculação com a proteção do crédito e sim com publicidade e captação de novos clientes.

LISTAS

A Serasa também oferece aos compradores das informações listas com nomes e CPFs segmentados pelo sistema Mosaic, que classifica consumidores em 11 grupos e 40 segmentos a partir de características de comportamento e consumo.

Pode-se comprar listas com grupos de CPFs e dados de “Ricos e influentes” , “Elite urbana qualificada”, “idosos tradicionais de alto padrão”, “assalariados de meia idade nas grandes cidades”, “jovens protagonistas da classe média”, “no coração da periferia”, “pequenos negociantes do interior”, “jovens da informalidade”, jovens desprovidos”, “sertão profundo”, entre outros.

A empresa também oferece listas segmentadas por afinidades das pessoas —tendências de compra e interesses.

Na decisão, o desembargador Loyola decidiu a favor de um agravo de instrumento, com pedido de liminar, feito pelo Ministério Público em resposta a uma decisão do juiz Wagner Pessoa Vieira, da 5ª Vara Cível de Brasília, que havia indeferido a tutela de urgência em ação pública que pedia a suspensão da comercialização de dados pessoais.

O juiz Vieira havia indeferido o pedido de tutela de urgência por entender que os dados, embora sejam informações pertinentes à privacidade e intimidade de pessoa física ou jurídica, são comumente fornecidas em relações negociais e empresariais. Por isso, afirmou, não caracterizam "elementos sigilosos ou confidenciais que somente poderiam ingressar na esfera de conhecimento de terceiros mediante expresso consentimento do seu titular”.

Além disso, na decisão, o juiz disse que as informações “interessam ao desenvolvimento econômico, à livre iniciativa, à livre concorrência e, portanto, à própria defesa do consumidor”.

Segundo a ação do MP, os dados estão sendo vendidos para fins que não têm nada a ver com proteção ao crédito e para os quais não houve consentimento dos usuários.

Em seu site, a empresa afirma que é a maior referência em análises e informações para decisões de crédito. "Ou seja, é um birô de crédito que reúne dados enviados por lojas, bancos e financeiras para dar apoio aos negócios”, afirma.

A empresa explica que criou um banco de dados com apontamentos sobre dívidas vencidas e não pagas, cheques sem fundos, protestos de títulos e outros registros públicos e oficiais.

ELEIÇÕES

O promotor Meinberg também aponta para o aspecto eleitoral da venda de dados para pedir urgência.

“É sabido que números de telefones celulares podem ser usados para disparos em massa durante a Eleição de 2020, algo que vem sendo coibido pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, inclusive com a criação de um canal de denúncias.”

Como revelou a Folha em uma série de reportagens, agências de marketing compram e revendem cadastros com informações pessoais de eleitores para envios de disparos de WhatsApp e outros tipos de propaganda eleitoral.

Na ação, Meinberg argumenta que essa venda de informações fere a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados, ao violar a privacidade e honra das pessoas cujos dados são vendidos.

LGPD exige que haja consentimento do usuário para que seus dados sejam comercializados. Segundo a legislação, é necessária “uma manifestação específica para cada uma das finalidades para as quais o dado está sendo tratado”, e por isso, segundo o MP, a comercialização feita pela Serasa Experian seria “ilegal/irregular”.

“Ainda segundo a LGPD, autorizações genéricas relacionadas ao consentimento do titular de dados para tratamento de seus dados serão consideradas nulas, devendo haver uma manifestação específica para cada uma das finalidades para as quais o dado está sendo tratado”, diz a ação.

Se a Serasa não cumprir a decisão judicial, fica obrigada a pagar multa de R$ 5 mil por venda.

OUTRO LADO

Procurada, a Serasa afirmou, em nota, que atua conforme a lei.

“A Serasa Experian atua em estrita conformidade com a legislação vigente e se manifestará oportunamente nos autos do processo”, afirmou.

Alvaro Costa e Silva Pinto no lixo, FSP

 23.nov.2020 às 23h15

Eduardo Paes já age como prefeito eleito. A cinco dias do segundo turno, confiante no resultado das pesquisas que lhe dão ampla vantagem, ele ligou o modo ziriguidum, telecoteco, balacobaco.

Paes se deu ao luxo de faltar a um debate na CNN para ir ao aniversário da pastora Surica, no palco do Portelão, em Madureira. Estava em seu ambiente —ou o ambiente com o qual gosta de ser identificado, não necessariamente pertencendo a ele. Um “pinto no lixo”, para usar a expressão com que o filósofo Jamelão definiu a alegria de Bill Clinton em sua visita à favela de Mangueira.

Eduardo Paes em campanha na Rocinha - André Coelho/AFP

No debate a que resolveu comparecer, o da Band, chegou com a estratégia e a tirada pronta. Na primeira oportunidade, chamou Marcelo Crivella de “pai da mentira” —o que é verdade. O oponente sentiu o golpe e apelou, tratando Paes como “mãe da mentira”. No fim do espetáculo, o eleitor continuou sem conhecer o programa das candidaturas. De propostas para o Rio, bulhufas. Só ataques pessoais.

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Ardiloso e debochado, mas com disposição para o trabalho, o ex encarna o que o carioca tem de melhor e de pior. Mas parece não entender que o tempo das gordas vacas olímpicas passou. O triunfo implicará em ter de volta nas mãos uma cidade bem diferente daquela que administrou durante oito anos: convalescente no pós-pandemia e, com o tombo nas receitas e a fuga de investimentos, sem dinheiro para torrar como antes. Chegou a hora de Paes inventar um novo personagem. O Nervosinho não cola mais.

Com o atual, não há jeito. É-lhe impossível encarnar outra figura que não a dele mesmo: um boneco entrevado. Como sinônimo de rejeição, os dicionários registram repulsão, antipatia, aversão, asco, fastio, desamor, enjoo, ojeriza e, a partir destas eleições, Crivella. A humilhante derrota será um duro golpe no projeto de poder do bispo Edir Macedo. E um alívio para os cariocas.

Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".