quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Ruy Castro Procura-se Pazuello, o zero bala, FSP

 Devo estar mal informado, mas, então, o Google também estará. Ao ver ontem o general Eduardo Pazuello sendo chamado a se explicar sobre os 6,8 milhões de testes de Covid mofando num galpão federal em Guarulhos (SP), ocorreu-me que ele é o ministro de Saúde. Ocorreu-me também que, desde que contraiu o vírus —sim, Pazuello pegou a doença, lembra-se?—, mal ouvimos falar dele. E que, sendo o responsável pela saúde de 212 milhões de brasileiros, sua própria saúde é ou deveria ser do interesse nacional.

Pazuello foi diagnosticado com Covid no dia 21 de outubro. Internou-se num hospital de Brasília, onde seu chefe Jair Bolsonaro o visitou expressamente para desmoralizá-lo, desautorizando a sua compra da vacina Coronovac. Pazuello engoliu a ofensa, disse-se "zero bala" e se mudou para um hospital militar. Teve alta no dia 3 seguinte e foi para casa, mas só retomou as "atividades presenciais" no dia 11. Em entrevista, admitiu "ainda não estar completamente recuperado" e atreveu-se a chamar a Covid de "doença complicada". E, a partir dali, sumiu do noticiário —até ontem. Digitei "Pazuello e Covid" no Google para saber se ele estava mesmo "zero bala". Nada sobre esse assunto.

Gostaria de saber de Pazuello como foram seus sintomas, doença, tratamento, recuperação e sequelas. Terá sido entubado? É tudo mesmo um horror? Teve medo de morrer? Foi salvo pela cloroquina ou, como diz a ciência, tomá-la ou passá-la nas costas dá na mesma? Como foi, afinal, que pegou o vírus? Era sempre testado? Não acredita em testes?

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Claro que, não sendo médico, Pazuello não tem ideia do que lhe aconteceu. E muito menos do que a Covid já fez, faz e ainda fará com o Brasil.

Pazuello nos deve um minucioso relatório pessoal. Afinal, somos nós que pagamos —em solidão, desemprego, falência e vidas humanas— a conta que ele e Bolsonaro estão apresentando ao país.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello - Pedro Ladeira/Folhapress
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Hélio Schwartsman - Resquício do Império, FSP

O Brasil é um país engraçado. Em nome de um elusivo equilíbrio na disputa eleitoral, regulamos até o tamanho do cartaz que o cidadão pode afixar em sua janela (0,5 m2 no máximo), mas permitimos que milionários façam doações polpudas, com muito maior poder de “influenciar” o voto.

Cartaz de candidata à vereadora em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Não tenho nada contra doações de pessoas físicas, muito pelo contrário. Não vejo grande diferença entre fazer um discurso apaixonado em defesa de um candidato, algo que a maioria das pessoas toma como sinal de vigor da democracia, e abrir a carteira para ele. Acho até que a competência para arrecadar fundos é um bom “proxy” da capacidade gerencial que desejamos nos administradores.

Não vejo, porém, como justificar a norma aqui adotada que fixa o limite da doação em 10% da renda bruta auferida pelo eleitor no ano anterior ao do pleito. Como mostrou reportagem da Folha, esse mecanismo permite que empresários bem-sucedidos irriguem as campanhas de seus políticos favoritos com valores significativos, que podem exceder R$ 1 milhão.

Há aí um erro conceitual. Assim como uma conta bancária mais gorda não dá direito a depositar mais votos na urna, a renda do eleitor não poderia jamais ser critério para definir quanto dinheiro ele pode despejar numa eleição.

O limite da doação deveria ser, no melhor espírito democrático, um valor nominal igual para todos. E não muito elevado, para evitar que o eleito se torne grande devedor de seus patrocinadores. Penso em algo como R$ 3.000, R$ 5.000 no máximo —números já bem superiores ao rendimento domiciliar mensal médio do brasileiro, que foi de R$ 1.406 em 2019.

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Vejo nessa regra dos 10% um resquício do voto censitário que já vigorou entre nós (Constituição de 1824) e que estabelecia que apenas homens livres, maiores de 25 anos e com renda anual de mais de 100 mil réis podiam votar nas eleições primárias. É algo que já deveríamos ter superado.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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A farsa se esvai, Editorial FSP

 A aventura antidemocrática de Donald Trump vai chegando ao fim nos EUA. Decorridas mais de duas semanas da eleição presidencial, vencida de maneira indiscutível por Joe Biden, finalmente teve início formal a transição de governo.

Na segunda-feira (23), a Administração de Serviços Gerais, órgão responsável pelo processo, autorizou a execução dos primeiros protocolos de transferência de poder —movimento que, ao fim e ao cabo, constitui um reconhecimento institucional do triunfo democrata.

Com a decisão, a equipe de Biden ganha o poder de dialogar com as agências federais para coletar informações sobre o governo americano, bem como passa a dispor de um fundo de cerca de US$ 10 milhões destinado ao pagamento de salários e ao apoio administrativo dos novos funcionários.

A demora no início da transição vinha gerando críticas nos EUA, dado o momento delicado vivido pelo país —acossado pelo recrudescimento da Covid-19 e pela crise econômica dela decorrente.

Vozes republicanas e democratas apontavam ainda potenciais prejuízos à segurança nacional, já que o eleito não vinha tendo acesso aos relatórios de inteligência.

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Já Trump segue agindo com espírito incendiário. Ainda sem aceitar a derrota, o mandatário persiste numa inglória batalha judicial contra os resultados das urnas. Alega, sem nenhum fiapo de evidência, que o pleito foi fraudado.

A realidade, contudo, vai prevalecendo. Nos últimos dias, uma cascata de eventos tornou ainda mais insustentável sua farsa.

Estados onde os advogados de Trump ainda lutavam por um desfecho favorável confirmaram a vitória de Biden, casos de Michigan e Pensilvânia. Ademais, figuras proeminentes do Partido Republicano têm dado declarações na qual se distanciam da narrativa presidencial e pedem uma transição rápida.

A pressão sobre Trump vai além da esfera política. Mais de cem empresários americanos enviaram uma carta à administração federal exortando-a a facilitar o processo de transferência de poder.

Enquanto isso, a recusa de Jair Bolsonaro em reconhecer a vitória de Biden há muito transcende as habituais estultices presidenciais. Tamanha sabujice só apequena o governo brasileiro e cria desnecessárias tensões diplomáticas com quem Brasília deveria buscar estabelecer pontes de diálogo.

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