quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Governo dos EUA é protecionista com Brasil desde 1970, dizem pesquisadores, FSP

 3.nov.2020 às 23h15

SÃO PAULO

O Brasil perdeu importância estratégica para os Estados Unidos desde os anos 1970, quando os americanos passaram a adotar uma política mais protecionista em relação a produtos agrícolas e manufaturados exportados pelos brasileiros.

A postura não mudou muito ao longo dessas cinco décadas, fosse republicano ou democrata o ocupante da Casa Branca. Eventuais avanços em favor do Brasil vieram da habilidade para negociar do Itamaraty e do Palácio do Planalto. A eleição atual pode ser histórica em muitos aspectos, mas dificilmente vai mexer nessa balança.

A análise é de quem acompanha as relações comerciais entre os dois países. Olhando para frente, cresce o papel do Brasil.

A permanência de Donald Trump seria um pouco da repetição do que se viu nos últimos anos. Uma vitória de Joe Biden, por sua vez, até tem potencial para mudar o cenário para melhor, ampliando as relações comerciais entre Brasil e EUA –mas apenas se governo brasileiro adotar uma política externa mais pragmática e alinhada em questões como meio ambiente e comércio exterior.

O professor Felipe Pereira Loureiro, do Núcleo de Estudos em Política e Economia Internacional da USP, afirma que, em um possível governo Biden, duas questões que podem afetar as relações comerciais entre os dois países são a ambiental e a guerra comercial com a China.

"Eu não vejo um governo Biden levando a questão climática ao extremo, com sanções a produtos brasileiros e investimentos no Brasil, porque a questão da crescente penetração econômica, financeira e tecnológica chinesa na América Latina também vai ter papel crucial. Deve haver equilíbrio entre os dois temas e, se o Brasil aproveitar bem, teria oportunidades interessantes."

Para ele, isso dependeria de o governo Bolsonaro ser mais pragmático na política externa.

"O afastamento entre os dois países tem início nos governos Costa e Silva e Médici e ganha contornos maiores no governo Geisel. Na questão comercial, o Brasil começa a ter dificuldade para venda de certos produtos no mercado norte-americano, principalmente manufaturados leves, café solúvel, têxtil, sapatos, e os EUA criando limitações de quantidade e aplicando tarifas de maneira discriminatória, gerando problemas que não existiam no governo Castelo Branco", afirma.

Para ele, as relações comerciais com o Brasil deixaram de ser prioridade para o alto escalão norte-americano e foram dominadas pela burocracia e por grupos de pressão junto ao Congresso dos EUA.

Segundo ele, o saldo nestes dois anos de governo Bolsonaro não foi positivo.

Na avaliação do professor de economia da FEA-USP Fernando Botelho, um governo com previsibilidade será sempre melhor para as empresas. "Empresário odeia incerteza. E o problema de Trump é essa imprevisibilidade extrema. Ele não tem o menor problema em jogar aliados debaixo do ônibus", diz.

"As vantagens da parceria do Brasil com os EUA nesse governo foram pífias, chegamos até a tomar sobretaxa em produto no último mês", afirma.

Os produtores de alumínio brasileiros foram surpreendidos no início de outubro com a imposição de sobretaxa para as importações pelos Estados Unidos.

Esse tipo de ação não deve ser esperado de Biden, diz Botelho. Em sua visão, o empresário brasileiro não deve se preocupar com um governo democrata, mesmo que haja desalinhamento político entre os países.

"Não acredito que Biden venha a ser muito mais protecionista que Trump. O que pode impactar nossa economia é a questão do meio ambiente, com restrições de produtos brasileiros, por exemplo. Mas já temos uma previsão de como será a postura dele em relação a esse tema."

Botelho afirma ainda que, além de os países concorrerem em alguns segmentos, o Brasil perdeu relevância na última década. "Não estamos falando de economias que se complementam, como Brasil e China hoje. O mercado [consumidor] até que é grande, mas vive em instabilidade."

Renê Medrado, diretor do Ibrac (Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional) e sócio do Pinheiro Neto Advogados, diz que, historicamente, os republicanos são mais pró-comércio, e os democratas, mais protecionistas. Já há algum tempo, porém, isso vem mudando.

"Os democratas, desde Clinton, têm mostrado mais propensão ao comércio. Por outro lado, o Trump fez muito mais uma política unilateralista, aplicando sanções econômicas contra os países que entendia não serem parceiros fiéis. Isso já ocorreu com os republicanos também nos anos de 1980 [sob Ronald Reagan]."

Medrado diz que, no aspecto comercial, a vitória de Biden seria mais vantajosa ao Brasil. "Nenhuma das campanhas deu sinal de como irá seguir em relação à parceria conosco. O que sabemos é que, historicamente, para nós é sempre melhor que o governo dos Estados Unidos seja favorável ao multilateralismo. E o governo atual abandonou a cooperação internacional."

Medrado também vê o tema ambiental tendo mais atenção sob Biden. Mesmo assim, sua avaliação é que os governos de ambos países se ajustem.

Segundo ele, o Brasil deu um passo deixado de lado pelos governos petistas, que não viam essa aproximação como prioridade.

"Agora temos três pactos firmados com os EUA, mas isso é o início de uma relação bilateral. Mesmo que exija uma reorganização do acordo, para um melhor alinhamento entre os governos, não acredito que isso possa impedir bons resultados para as empresas exportadoras."

Quem dá mais, leva, por Bruno Carazza, Nexo Jornal

 Em 2018, Thais Ferreira concorreu pela primeira vez numa eleição. Mulher, jovem, preta, moradora de uma comunidade do Rio de Janeiro, ela tentou uma vaga na Assembleia Legislativa fluminense. Naquela ocasião, a campanha de Ferreira arrecadou R$ 73.661,75. Desse total, apenas R$ 2.154 (menos de 3%) vieram do seu partido, o PSOL. O restante foi obtido junto a pessoas físicas, inclusive recorrendo a “vaquinhas virtuais”. Mesmo realizando uma campanha relativamente barata, Ferreira obteve 24.759 votos e quase foi eleita, tendo ficado como primeira suplente de sua coligação. Animada com o resultado das eleições anteriores, Ferreira se lançou candidata novamente em 2020, desta vez para o cargo de vereadora na capital fluminense. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, a 12 dias das eleições, a candidata do PSOL não recebeu nenhum centavo de seu partido (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/60011/190000684962) , mesmo sendo mulher e negra — os dois grupos sociais que, por determinação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), deveriam ser especialmente contemplados com recursos públicos distribuídos a cada legenda. Thais Ferreira é só mais um exemplo, entre milhares, das distorções do sistema de financiamento eleitoral no Brasil — um sistema que reproduz desigualdades e erige barreiras à renovação da política desde a redemocratização, a despeito das bem intencionadas tentativas recentes de mudança. Eleições custam caro — especialmente no Brasil. Temos dezenas de partidos e cada um deles lança dezenas ou centenas de candidatos a vereador, a depender do tamanho do município. Nas eleições para deputados estaduais e federais, as dificuldades são ainda maiores, pois a disputa ocorre em todo o estado, ampliando o tamanho do território (e da população) onde é necessário fazer chegar suas propostas. Destacar-se no meio da multidão tem um preço, e ele é bastante alto para quem não é uma celebridade ou não conta com um eleitorado cativo, como líderes religiosos, sindicais ou militares. Para fazer frente aos elevados gastos de campanha, o Brasil adota um modelo misto de financiamento eleitoral. Partidos e candidatos podem angariar recursos junto ao setor privado e também dispõem de um certo volume de dinheiro público. A história do financiamento eleitoral desde a redemocratização pode ser dividida em três fases distintas. Até 1994, valiam as regras herdadas do tempo da ditadura: as legendas tinham direito a um fundo partidário e seus membros podiam coletar doações apenas de pessoas físicas. Durante os escândalos de PC Farias (1992) e dos Anões do Orçamento (1993), surgiram fortes evidências de que  grandes empresas alimentavam as campanhas de seus candidatos preferidos por meio do caixa dois, e então o Congresso Nacional resolveu autorizar as contribuições feitas por pessoas jurídicas para deixar que esse processo pelo menos se desse de forma transparente e passível de fiscalização pelos órgãos de controle: a imprensa e a sociedade em geral. NESTA SÉRIE Assim, entre 1994 e 2014, verificou-se um crescimento exponencial de dinheiro vindo principalmente das maiores empresas brasileiras. Nessa dinâmica, grandes empreiteiras, instituições financeiras, siderúrgicas, mineradoras e empresas de alimentos e bebidas foram responsáveis pela eleição de verdadeiras bancadas empresariais de parlamentares e chefes do Poder Executivo. A atração de grandes corporações pela política cresceu a tal ponto que o financiamento empresarial passou a ultrapassar os limites legais, e parte substancial dos recursos passou a ser transferido de modo ilícito. DESTACAR-SE NO MEIO DA MULTIDÃO TEM UM PREÇO, E ELE É BASTANTE ALTO PARA QUEM NÃO É UMA CELEBRIDADE OU NÃO CONTA COM UM ELEITORADO CATIVO, COMO LÍDERES RELIGIOSOS, SINDICAIS OU MILITARES  Com as entranhas do sistema político brasileiro sendo expostas pela operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal resolveu intervir no processo e, em 2015, declarou inconstitucionais as doações feitas por empresas. O Brasil então entrou na sua fase atual, em que regredimos aos primeiros anos da nova República, quando as campanhas só poderiam ser bancadas por dinheiro de pessoas físicas e recursos públicos. Mas há uma diferença substancial entre o cenário atual e os tempos pré-PC Farias: o volume de recursos públicos colocados à disposição dos partidos. Em 2018, as campanhas eleitorais para todos os cargos em disputa custaram pouco mais de R$ 3 bilhões, dos quais em torno de 70% vieram dos fundos partidário e eleitoral. Dos 30% restantes, praticamente a metade veio de pessoas físicas e a parcela restante partiu do bolso dos próprios candidatos. E o que esses números revelam é que, mesmo com a proibição de doações de empresas, os poderes político e econômico ainda são determinantes para decidir quem tem mais chances de ser eleito no Brasil. Tome-se o caso das doações de pessoas físicas. As regras atuais de financiamento ainda atrelam o limite do valor da contribuição à renda do doador. Assim, a legislação permite que grandes empresários e executivos continuem aportando valores milionários em alguns poucos candidatos, desequilibrando o jogo em favor daqueles que não têm boas conexões com o mundo corporativo. Já no lado dos fundos eleitoral e partidário, que vão movimentar em torno de R$ 3 bilhões nas eleições municipais de 2020, a chave do cofre fica nas mãos dos dirigentes dos partidos. Mesmo com o TSE determinando que esse dinheiro seja distribuído levando em consideração um mínimo de 30% para mulheres e a proporção racial, cabe aos caciques partidários decidir quem será contemplado. Nas eleições de 2018, por exemplo, observou-se que boa parte da parcela destinada às candidaturas femininas foi aplicada em esposas, filhas e netas de políticos tradicionais, tornando pouco efetiva a tentativa do TSE de nivelar as condições de disputa para as mulheres. Diante das atuais regras de financiamento de campanhas no Brasil, quatro grupos de candidatos levam imensa vantagem sobre os demais: 1) celebridades e donos de eleitorados cativos, pois podem fazer campanha com pouco dinheiro; 2) os muito ricos, que custeiam do próprio bolso a maior parte dos seus gastos; 3) os bem conectados com a elite empresarial, que captam doações volumosas de grandes empresários e 4) aqueles com fortes vínculos de parentesco ou amizade com os líderes dos partidos, que são privilegiados na repartição dos fundos eleitoral e partidário. Ora, se quem não é famoso, rico ou tem laços fortes com nossas elites econômica e partidária não tem as mesmas condições de disputa, que renovação podemos esperar em nossa política?

 Bruno Carazza é professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral e autor do livro “Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”. Pesquisador, é doutor em direito econômico pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), mestre em teoria econômica pela UnB (Universidade de Brasília) e bacharel em ciências econômicas e em direito pela UFMG

Em Rio Preto, cai em 70% o número de adolescentes que tiraram título de eleitor, OESP

 SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – Estudante do ensino médio, Liam Martingo Rodrigues, de 17 anos, é um dos jovens na faixa etária de 16 anos a 18 anos que tiraram o título de eleitor e vão votar nesta eleição. “Todo voto é importante. Na minha casa, política é um assunto bastante discutido e decidi votar para ajudar a melhorar a sociedade”, afirma. No entanto, neste ano, o número de adolescentes como ele que tiraram título de eleitor para participar do pleito é cerca de 70% menor do que na eleição passada, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Voto
Liam Martinago Rodrigues tem 17 anos diz que decidiu votar para ajudar a melhorar a sociedade. Foto: Arquivo Pessoal

Em 2020, 547 rio-pretenses nessa faixa etária tiraram título para votar, sendo 59 (0,02% do total do eleitorado) com 16 anos e 488 (0,15%) com 17 anos, contra 1.754 em 2016. Eram 477 com 16 anos e 1.277, com 17, o que correspondia a 0,15% e 0,44%, respectivamente, do total do eleitorado. De acordo com informações da prefeitura, há na cidade 27,2 mil pessoas na faixa etária dos 15 aos 19 anos, dos quais estima-se que em torno de 25 mil tenham 16 e 17 anos. Ao todo, estão aptos a votar 332.540 eleitores em todo o município. Em 2016, Rio Preto tinha 318.478 eleitores  e 28.462 habitantes com idades entre 15 e 19 anos, com estimativa de 26 mil pessoas com 16 e 17 anos.

O cientista político Araré Carvalho aponta fatores que explicariam o distanciamento dos jovens. “Em primeiro lugar, a percepção de que a política não é um espaço importante (para eles). Há certa desilusão com os meios democráticos e faltam lideranças que falem a linguagem dos mais novos”, diz Carvalho. Ele defende, ainda, que a diferença geracional entre políticos e eleitores acaba afetando a comunicação e o interesse. “Por último, a política ainda vive um processo de demonização, como algo sujo e que não leva a lugar algum”, afirma.

Participação
Mariana de Lima Marques, de 17 anos, alega que não se sentiu preparada para votar pela primeira vez neste ano. Foto: Foto: Arquivo Pessoal

Professora e pós-graduada em psicopedagogia, Rita Amália da Silva acredita que, não apenas o descrédito, mas principalmente a pandemia do coronavírus irá afastar os alunos das urnas. “Muitos alunos meus deram essa justificativa para não tirar o título”, conta. No entanto, não foi a covid-19 nem o descrédito na política que levou a estudante Mariana de Lima Marques, de 17 anos, a decidir não votar neste ano. “Não me senti preparada para tomar essa decisão, que considero importante”, afirma.