sábado, 12 de setembro de 2020

Fernando Haddad Soberania e integração, FSP

 Segundo Angela Alonso, Bolsonaro e Lula recorrem ao tema da soberania nacional, mas o bolsonarismo carrega bandeiras norte-americanas

Angela Alonso poupou-me o trabalho tão necessário de comparar os discursos de Bolsonaro e Lula no Dia da Independência. De uma lado, a pátria neoliberal, hierárquica, religiosa e armada; de outro, o Estado-nacional social-democrata, igualitário, laico e tolerante. Em 2018, diante da "difícil" escolha, a elite econômica optou por Bolsonaro.

A sua eleição exigiu a instrumentalização de praticamente todas as instituições. Uma operação coordenada como poucas vezes se viu ao longo da nossa história.

A julgar pelo noticiário da semana sobre nossos vizinhos, a prática vem sendo utilizada com ainda mais desenvoltura, sem que a comunidade internacional, a classe política e a imprensa se manifestem frente aos escombros da democracia latino-americana.

O Brasil, em situação de normalidade, seria, pela sua importância, parte da solução dos problemas regionais. As reservas cambiais, o SUS e a tecnologia do Bolsa Família deram ao país condições únicas de enfrentamento da pandemia, infelizmente mal aproveitadas pelo atual governo, exemplo mundial de má gestão e conduta.

Enquanto isso, Equador e Bolívia vivem momentos de forte instabilidade democrática, não apenas pela perseguição política de ex-presidentes altamente populares (Rafael Correa e Evo Morales) como pela ousada tentativa de impedir que seus respectivos partidos lancem candidatos.

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Se no contexto da Guerra Fria entre EUA e URSS várias democracias latino-americanas foram golpeadas por ditaduras militares, a presente guerra comercial entre EUA e China provoca desdobramentos geopolíticos e econômicos que abalam as estruturas da região e afetam países mais bem organizados, como Argentina e Chile.

Angela Alonso notou que os discursos de Bolsonaro e Lula recorrem ao tema da soberania nacional, "mas o bolsonarismo carrega bandeiras norte-americanas, enquanto o outro lado prefere a companhia de África e América Latina". A subserviência do primeiro é flagrante. A exportação do aço brasileiro, por exemplo, foi dificultada, enquanto a importação do etanol americano foi facilitada.

Essa relação vassálica, sem dúvida, compromete a soberania nacional, mas o que tem passado despercebido é a perda de protagonismo político e diplomático regional do Brasil.

Nem falo de África, continente com o qual temos uma dívida histórica. Falo da América Latina, que, diante da crise do neoliberalismo global e dos desacertos do sistema-mundo, deveria se nos apresentar como "comunidade imaginada" supranacional em um projeto de integração radical.

Mas, para isso, precisaríamos ter escolhido um estadista.

Fernando Haddad

Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.

Hélio Schwartsman Voto febril, FSP

 

O próprio TSE já deu a senha. Está no Plano de Segurança Sanitária para as eleições municipais. Quem não quiser votar neste ano nem morrer com os poucos reais da multa por ausência só precisa dizer que teve febre no dia do pleito. Os juizados eleitorais aceitarão a declaração como justificativa.

Urnas eletrônicas no galpão do TRE-DF, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Eu já me acostumei com quase todas as disfuncionalidades do sistema político brasileiro, que não são poucas, mas confesso que violações à lógica inscritas na legislação ainda me incomodam. E uma das que mais me causa revolta é o voto obrigatório.

Não ignoro os argumentos sociológicos em favor do instituto. Os números mostram que, quando o sufrágio é facultativo, são os mais pobres os que mais deixam de votar, adicionando mais uma camadinha de plutocracia a um processo que já é essencialmente favorável ao "statu quo".

Esse tipo de raciocínio, porém, não me convence. Nem sei se é bom para os pobres haver mais pobres votando. O papel dos grotões em eleições têm sido o de uma força conservadora, servindo de último bastião para todos os governos, desde a Arena até o PT. E agora já se voltam para Bolsonaro.

Por gosto, tendo a dar mais peso a questões filosóficas e lógicas, e, sob esses critérios, a obrigatoriedade do voto é uma excrescência. É absurda a ideia de que o eleitor esteja apto a escolher o dirigente máximo da nação e a selecionar as pessoas que escreverão as leis do país, mas seja considerado incapaz de tomar por conta própria a decisão sobre comparecer ou não à seção eleitoral. A liberdade de decidir em quem votar tem como pré-requisito a liberdade para decidir se vai votar, como, aliás, é a regra na esmagadora maioria das democracias do planeta.

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É difícil explicar por que esse fóssil autoritário segue intacto entre as instituições do país. Minha aposta é uma combinação de paternalismo difuso com o oportunismo dos políticos que se saem bem no sistema.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".