quinta-feira, 9 de julho de 2020

Dividido entre cidades, bairro é autorizado a reabrir pela metade em São Paulo, FSP

Situação inusitada na quarentena deixa região em duas fases do Plano SP, com risco de se dividir em três

Lucas Landin
AGÊNCIA MURAL

Cidade Kemel vive uma situação inusitada. Dividido entre as cidades de Itaquaquecetuba, Poá e Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, e o distrito do Itaim Paulista, em São Paulo, o bairro está cortado ao meio por duas fases da quarentena decretada pelo governo do estado por conta da Covid-19.

A avenida Kemel Addas, uma das principais do bairro, tem sido o símbolo dessa divisão. De um lado da via, comércios como bares, restaurantes e salões de beleza estão autorizados a reabrir, mas, do outro, devem permanecer fechados.

A avenida Kemel Addas no exato ponto de divisa entre São Paulo, Itaquaquecetuba e Poá
A avenida Kemel Addas no exato ponto de divisa entre São Paulo, Itaquaquecetuba e Poá - Lucas Landin/Agência Mural

Na parte que pertence à capital, o Plano São Paulo prevê a fase amarela, que permite uma reabertura mais flexível do comércio e dos serviços desde segunda-feira (6).

No caso da área que pertence aos municípios do Alto Tietê, a fase é a laranja, mais restritiva, e que permite que apenas grandes estabelecimentos, como shoppings, voltem a funcionar. Na prática, porém, moradores têm questionado como essas medidas são aplicadas.

"Isso aí é tiração, né? Quer dizer que o coronavírus não atravessa a rua?", questiona o instalador de gesso Gustavo Correia, 25, na parte do bairro pertencente a Poá. "Enquanto lá for proibido, eu atravesso a rua e venho cortar o cabelo aqui", brinca.

PUBLICIDADE

Para completar, o governo do estado sugeriu que uma das cidades, Itaquaquecetuba, volte a ter uma quarentena mais rigorosa, na fase vermelha. Se a situação for adotada, o Kemel terá de viver três tipos de quarentena oficialmente.

O motivo é que Itaquaquecetuba teve taxa de ocupação de UTIs de 95% até o começo desta semana. A situação das vagas nos serviços de saúde, segundo o governo do estado, é um dos principais critérios para entender se haverá reabertura.

ORIGENS

A divisão em quatro cidades começou nas origens do bairro. O Cidade Kemel surgiu no início dos anos 1950, quando o imigrante Massud Addas, e seu filho, Kemel Addas, transformaram uma antiga fazenda de uva itália num extenso loteamento urbano, tão extenso que recebeu o nome de "Cidade".

A cidade dos Addas nasceu dividida entre outros dois municípios reais: São Paulo e Poá.

Em 1953, com a emancipação de Itaquaquecetuba e Ferraz de Vasconcelos, e com a perda de terrenos de Poá para essas duas cidades, o bairro passou a pertencer a quatro municípios, o que até hoje causa confusões e conflitos, como se observa agora com a quarentena.

Na região, é comum a circulação entre os limites municipais. O centro comercial do Kemel fica na capital, e muitos moradores vão até lá para utilizar serviços, fazer compras, e principalmente, para acessar os ônibus da SPTrans que seguem rumo às estações Jardim Romano e Itaim Paulista da CPTM.

Como todo esse centro comercial fica dentro do município de São Paulo, e cerca de 500 metros da divisa com as cidades vizinhas, ele pode ser facilmente acessado por pessoas que, em tese, deveriam estar em uma quarentena mais restrita.

Apesar da proibição, também é comum ver salões de beleza e bares funcionando nas partes de Itaquaquecetuba e Poá do bairro, sobretudo fora das principais avenidas.

"Ninguém quer perder dinheiro, e eu preciso trabalhar também", desabafa o dono de um bar nas proximidades do terminal Cidade Kemel da EMTU (Empresa Metropolitana de Transporte Urbano), já em Poá. O dono do estabelecimento, que preferiu não ser identificado, deixa o local funcionando com a porta entreaberta para evitar multas.

Terminal da EMTU do bairro fica na cidade de Poá
Terminal da EMTU do bairro fica na cidade de Poá - Lucas Landin/Agência Mural

O Condemat (Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê), órgão que reúne os prefeitos da região do Alto Tietê, que inclui Itaquaquecetuba, Poá e Ferraz de Vasconcelos, afirmou que irá questionar o governo do estado sobre a permanência dessa região na fase laranja do Plano São Paulo.

Em nota, o Consórcio afirma que a região está pronta para avançar à fase amarela do plano, e que teme que a economia regional seja prejudicada com a flexibilização na capital.

Já o governo do estado afirma que “segue regras pré-estabelecidas pelo Centro de Contingência do Coronavírus, que são pautadas na ciência e na saúde”, e que os municípios precisam observar as regras de abertura estabelecidas pelo Plano São Paulo.

REABERTURA POLÊMICA

reabertura dos comércios tem causado polêmica desde o início na região metropolitana, em parte pelo questionamento da proximidade entre os municípios e a circulação de moradores entre eles.

Iniciado em 1º de junho, o Plano São Paulo inicialmente deixou apenas a capital numa fase menos restrita, excluindo os demais 38 municípios.

Após pressão dos prefeitos, o governador João Doria (PSDB) anunciou que passaria a adotar a divisão das cinco regiões da Grande São Paulo para avaliar o avanço da Covid-19 e as medidas de retomada.

Nas últimas semanas, a capital passou para a fase amarela junto com as sete cidades do Grande ABC e as sete da região Sudoeste (onde fica Taboão da Serra, Cotia e Embu das Artes).

Além do Alto Tietê, as regiões Oeste (Osasco e Barueri) e a Norte (Mairiporã e Franco da Rocha), seguem na fase laranja por conta do número de casos e da ocupação dos leitos. Na próxima sexta-feira (10), a gestão deve reavaliar a situação dos municípios.

CASOS DE COVID-19 NAS CIDADES

  • Ferraz de Vasconcelos: 837 casos, 85 mortes
  • Poá: 702 casos, 61 mortes
  • Itaquaquecetuba: 1.374 casos, 145 mortes
  • Itaim Paulista: 187 mortes e mortes suspeitas por Covid-19

REGIÃO DO ALTO TIETÊ

A região leste da Grande São Paulo, o Alto Tietê, é composta por dez municípios: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guarulhos, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Santa Isabel, Salesópolis e Suzano.

  • População total 3.031.955
  • Casos confirmados: 19.338
  • Mortes: 1.491

Fonte: Prefeituras da região

A vida, o vírus e a política, OESP

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

09 de julho de 2020 | 03h00

Não se comemora doença de ninguém, por pior que possa ser seu desempenho público. Não se torce pelo falecimento de ninguém, por mais deletéria que seja sua conduta. São princípios básicos de civilidade e de respeito à dignidade humana, que não precisariam ser lembrados. São pressupostos mínimos da vida em sociedade, sobre os quais não deve haver nenhuma dúvida. No entanto, nos tempos atuais, assustadoramente esquisitos, é preciso relembrar: não se deseja a doença, e muito menos a morte, de quem quer que seja. A política é – e deve ser – arena de vida, e não de morte.

Num Estado Democrático de Direito, a oposição política, por mais ferrenha que possa ser, nunca almeja ou propõe a aniquilação do adversário. Assim, diante da notícia de que o presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19, não há opção civilizada a não ser desejar o seu pronto restabelecimento, com votos de que tenha os menores e mais leves sintomas possíveis. Tal atitude não é um favor ou privilégio que se concede ao presidente da República, mas a única reação minimamente humana diante da doença de outro ser humano.

A luta política não entra nos domínios da morte, mesmo que o adversário político não tenha escrúpulos de se valer dessa seara. Por exemplo, quando era deputado federal, Jair Bolsonaro transformou o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso em verdadeira obsessão. Algumas das frases de Jair Bolsonaro: “O governo militar deveria matar pelo menos 30 mil, a começar por Fernando Henrique”, “o erro do governo militar foi não fuzilar o Fernando Henrique”, “defendo o fuzilamento do presidente”. Depois, Jair Bolsonaro alegou que “fuzilamento” era força de expressão, o que, longe de servir de desculpa, ratifica uma mentalidade de barbárie e violência.

A mesma atitude pôde ser observada em entrevista de setembro de 2015. Questionado se a então presidente Dilma Rousseff concluiria o segundo mandato, até o final de 2018, Jair Bolsonaro respondeu: “Espero que o mandato dela acabe hoje, infartada ou com câncer, ou de qualquer maneira”. De enorme brutalidade, a declaração é absolutamente despropositada, a revelar profunda incompreensão não apenas do exercício da política, mas de cidadania e humanidade.

Quase cinco anos depois dessa declaração sobre Dilma Rousseff, o País tomou conhecimento de que o menosprezo de Jair Bolsonaro em relação à vida não era circunscrito a adversários políticos. A pandemia do novo coronavírus revelou um presidente da República capaz de submeter a saúde da população a interesses e cálculos políticos, fosse qual fosse o número de vidas que a doença poderia ceifar. Entre estupefata e incrédula, a população ouviu o “e, daí?” de Jair Bolsonaro, em relação às dezenas de milhares de óbitos pela covid-19.

A confirmar sua indiferença com a saúde pública, no mesmo dia em que recebeu o diagnóstico positivo para o novo coronavírus, Jair Bolsonaro difundiu desinformação sobre o uso de hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Contrariando as evidências médicas, o presidente Bolsonaro atribuiu a ausência de sintomas mais graves da doença ao uso do medicamento que, além de não ter eficácia comprovada, apresenta efeitos colaterais graves. Como se vê, o inquilino do Palácio do Planalto é contumaz na falta de limites.

No entanto, por mais que causem repugnância, as atitudes de Jair Bolsonaro em relação à vida, ao vírus e à política não autorizam outra expectativa que o imediato restabelecimento da saúde do presidente da República. Fazer oposição política não inclui adotar as atitudes do adversário. Se o bolsonarismo manifesta, com estonteante clareza, seus antivalores, a reação contrária não pode ser mero sinal invertido. Não se combate autoritarismo com desumanidade. Num país civilizado, não se enfrenta barbárie pregando a barbárie.

Mogi Mirim vai restaurar ‘bunker’ paulista da Revolução de 32, OESP

MOGI MIRIM - Há 88 anos, quando os paulistas empunharam armas em defesa da Constituição, no Nove de Julho, as tropas revolucionárias usaram um abrigo subterrâneo, em Mogi Mirim, interior de São Paulo, para proteger explosivos, munições e a própria integridade de seus soldados dos bombardeios da aviação federal. O ‘bunker’ da Revolução de 32, um abrigo subterrâneo de 17 metros por 2,1 de altura, acaba de ganhar um projeto de restauração. O governo estadual liberou R$ 90,8 mil para recuperar a estrutura e executar no entorno um projeto paisagístico e outros R$ 145 mil para a sinalização turística da cidade, incluindo o Roteiro de 32.

Ed Alípio no bunker
Ed Alípio no bunker Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Em fevereiro do ano passado, graças ao seu papel na guerra, Mogi foi considerada município de interesse turístico. O projeto aprovado pela Assembleia Legislativa levou em conta as marcas históricas de 1932, como a estação da Mogiana, usada no embarque das tropas, a Escola Coronel Venâncio, transformada em quartel, o Morro do Gravi, palco de combates sangrentos, e o bunker de 32. “Estamos com o projeto de restauração do bunker aprovado. Dependemos só do fim da pandemia para iniciar as obras”, disse o secretário municipal de Cultura e Turismo, Marquinhos Dias.

O termo “bunker” denomina estrutura fortificada, parcial ou totalmente subterrânea, construída para resistir aos projéteis inimigos. Nas grandes guerras, o bunker servia também como paiol de bombas. Em Mogi Mirim, a origem do abrigo edificado com pedras e tijolos cerâmicos, com a técnica dos arcos romanos, ainda é um mistério.

A construção é dos anos 1920, quando o terreno pertencia ao Instituto Disciplinar de Menores do Estado. O abrigo pode ser sido um depósito de insumos agrícolas - pois os menores infratores plantavam lavouras -, ou teria sido uma local de castigo para os internos rebeldes. “São hipóteses, não há registros formais”, disse Dias.  

O que o pesquisador e turismólogo da prefeitura Ed Alípio tem como certo é que, em 1932, as tropas paulistas ocuparam o local, estrategicamente plantado junto ao Rio Mogi Mirim e à ferrovia Mogiana. “A cidade era um entroncamento ferroviário importante. Ali passavam as tropas vindas de São Paulo e Campinas rumo ao fronte Leste, na divisa com Minas Gerais. Por isso, ela era visada pelos ‘vermelhinhos’, os aviões da esquadrilha federal. O abrigo protegia armas, munições e os combatentes”, explica Alípio.

Com a entrada estreita - pouco mais de um metro quadrado - protegida por um bosque, o bunker ficava praticamente invisível em meio à vegetação. Mesmo quando o Exército federal invadiu a cidade, no início de setembro, o abrigo permaneceu protegido. Os registros da época fazem menção à apreensão, pelos invasores, de diversos caminhões, ambulâncias, fuzis e munições, metralhadoras e víveres, mas não citam o bunker. Segundo o pesquisador, essa poderia ser uma das razões pelas quais o comando do Exército paulista ordenou, logo após a queda de Mogi, uma ofensiva para retomá-la, o que acabou não acontecendo.

RESTAURO

 O projeto prevê uma passarela de acesso ao bunker a partir da rodovia Deputado Nagib Chaib, o fechamento da área com alambrado e a construção de uma barreira de proteção para evitar que o abrigo seja alagado durante as cheias do rio. O piso interno será refeito e o local, iluminado. O plano é tornar o bunker acessível aos turistas, sem comprometer sua estrutura original.

Em uniforme de combatente, Ed Alípio mostra o interior do ‘bunker’ onde se escondiam armas, munições e até mesmo soldados
Em uniforme de combatente, Ed Alípio mostra o interior do ‘bunker’ onde se escondiam armas, munições e até mesmo soldados Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Desde 2013, Alípio promove um passeio turístico para resgatar a memória dos pontos da cidade onde aconteceram fatos marcantes da revolta paulista contra o governo de Getúlio Vargas. Para levar os visitantes ao clima da época, ele se veste como um combatente. “O roteiro é gratuito, passa pelos pontos principais e termina com um almoço. Devido à pandemia, o programa foi suspenso, devendo retornar até o final deste ano”, conta. Além do bunker, ele mostra aos visitantes o mausoléu na Praça 9 de Julho, onde estão os restos mortais de nove mogi-mirianos mortos em combate, sob a estátua de bronze do soldado constitucionalista.

MOGIANA

A estação da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, inaugurada em 1875 por D. Pedro II, teve papel importante nos combates de 32, segundo o pesquisador. “Os batalhões paulistas chegavam de trem a Mogi, descansavam na Escola Coronel Venâncio e daqui partiam para a frente de combate, em Itapira e cidades do sul de Minas, como Pouso Alegre. Muitas vezes retornavam com muitos feridos.”

O secretário Alipio junto à estação da Mogiana
O secretário Alipio junto à estação da Mogiana Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

A estação era ponto de parada dos trens blindados, uma das principais armas de guerra dos paulistas. Ali funcionou também o posto de comando do front Leste da guerra.

O primeiro voluntário de Mogi Mirim, Chiquito Venâncio, de família tradicional, partiu da estação para combater em Pouso Alegre. Morto em combate, seu corpo retornou à cidade e foi sepultado com honras militares. Alípio guarda parte da carcaça de uma bomba que explodiu próximo à estação. No dia 3 de setembro, a cidade sofreu dois pesados bombardeios, mas a estação foi poupada. O pesquisador acredita que era ordem do comando federal, que dava como certa a ocupação e a estação seria útil aos invasores. “Vamos expor ao público objetos, fotos e documentos doados pela população”, disse o presidente do Conselho Municipal de Turismo, Sebastião Zoli Junior. 

Cidade foi palco da ‘grande façanha dos gaviões de penacho’

São Paulo saiu derrotado militarmente do levante armado, mas seus soldados também viveram momentos de heroísmo e glória durante o conflito. Um dos mais marcantes, segundo Alípio, aconteceu no aeroclube de Mogi Mirim. Desde o início, o local foi usado como base para a esquadrilha dos “gaviões de penacho”, como eram conhecidos os aviões paulistas. Com a tomada da cidade, o aeroclube passou a abrigar a esquadrilha inimiga.

Alípio conta que, da base aérea invadida, os aviões partiam rumo às cidades do sul de Minas, ocupadas pelas tropas paulistas, para os bombardeios. Dali saíram também os “vermelhinhos” para os ataques a Campinas, provocando até a morte de civis. “A força aérea paulista era quase insignificante. Mas os paulistas tinham orgulho de seus aviões.” 

A maior façanha dessa esquadrilha ocorreu em 21 de setembro, quando destruiu cinco “vermelhinhos” pousados no aeroclube de Mogi. Detalhes do ataque são relatados nos livros Inverno Escarlate, de Eric Lucian Apolinário, e Gaviões de Penacho, do major aviador Augusto Lysias Rodrigues. O campo foi destruído pelas bombas, mas ostentou por muito tempo os destroços dos aviões federais. O hangar principal ainda existe e é hoje sede da Guarda Civil Municipal.


MOGI MIRIM - “Corre, Joaquim, corre pra casa”, gritou o pai, enquanto o menino de quase cinco anos via a esquadrilha mergulhando do céu em um rasante assustador. “Antes de ouvir o ronco, pensei que eram urubus. Os aviões eram tantos que chegavam a cobrir o sol”, recorda-se Joaquim Vintino Alves, hoje com 92 anos, puxando pela memória aquele longínquo inverno de 1932. Ele estava com o pai e os irmãos José, João e Pedro na lavoura de café quando as “máquinas voadoras” surgiram.

Joaquim nem sabia se eram inimigos: ‘Só vi o vulto’
Joaquim nem sabia se eram inimigos: ‘Só vi o vulto’ Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

“Eram 10 ou 10 e meia da manhã e, apesar do sol, fazia frio. Meu pai e meus irmãos capinavam o café. Quando viu aquele colosso de aviões, meu pai mandou que eles jogassem as enxadas embaixo do cafezal e corressem para casa. Eu também corri, mas era criança e não tinha medo. Eles entraram em casa e eu fiquei ali fora, olhando aquele monte de avião. Eram dez ou quinze, quase batiam um no outro.” A esquadrilha desapareceu no horizonte.

Só muito depois Joaquim entendeu por que o pai mandou os filhos jogarem as ferramentas. “Os pilotos conseguiam ver a gente e poderiam confundir as enxadas com fuzil e atirar em nós”, explicou. O sítio da família ficava na Vila Albertina, no lado mineiro da divisa com São Paulo. Joaquim soube depois que um dos aviões soltou uma bomba em uma área de mata onde haveria uma trincheira. “Onde caiu, abriu um limpo de 10 metros de largura. Roçou tudo.” O aposentado nunca soube se os aviões eram federais ou paulistas. “Por causa do sol, não dava para enxergar a cor deles, só o vulto.”

Em fuga. Alguns dias depois, dois soldados chegaram ao sítio dos Alves pedindo comida. “Eles estavam à paisana, com a mala e o fuzil nas costas. Não tinha comida pronta e meu pai deu mantimentos para eles. Pediram arroz, feijão, carne de porco, o que tivesse, e meu pai deu. Minha mãe ficou assustada, pediu que eu não abrisse a boca. Eles ficaram um pouco por ali e depois foram embora. Não sei se estavam indo para a guerra ou estavam fugindo dela.”

Aos 18 anos, Joaquim se mudou para Mogi Mirim, mas nunca se esqueceu daqueles episódios. “Lembro de tudo muito bem, até que, no dia em que vimos os aviões, era a segunda roçada do cafezal.” Sua família, porém, não se envolveu na guerra. “Não tinha por quê. Aquele tempo era bom, não tinha ladrão como hoje. Paulista e mineiro era tudo gente boa, não dá para entender porque eles brigaram.”

De tanto ouvir as histórias do avô, o neto Ed Alípio se interessou pela revolução e passou a pesquisar o papel de Mogi Mirim durante o conflito. Há sete anos ele vai às escolas e conta aos alunos as histórias da guerra paulista, mostrando artefatos e documentos. Na segunda-feira (6), quando acompanhava a reportagem na antiga estação da Mogiana, mesmo de máscara, Alípio foi reconhecido pelos estudantes Samuel Souza Tobias, de 18 anos, e Gustavo Carvalho dos Santos, de 19.

Os dois contaram que, depois da aula dada pelo pesquisador, passaram a se interessar pela história de 1932. Ambos se lembraram de uma passagem em que um grande grupo de voluntários foi convidado e embarcar em um trem de onde iriam para um treinamento. “Quando se deram conta, estavam na frente de batalha, debaixo de fogo de verdade”, lembrou Samuel, que pretende seguir carreira militar. Gustavo, que estuda para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), disse que a revolução foi importante para “São Paulo ser o que é hoje”.