quarta-feira, 1 de julho de 2020

Máscaras viram batalha política nos EUA entre senso coletivo e liberdade individual, FSP

WASHINGTON

Recostado na poltrona do avião, um homem dorme tranquilamente. O boné com o slogan da campanha de Donald Trump pede uma América grande de novo. Fones de ouvido ajudam a abafar o som ao redor, enquanto a máscara que deveria cobrir o nariz e a boca está posicionada sobre os olhos do passageiro.

A imagem foi postada nas redes sociais e viralizou no último fim de semana como o mais novo reflexo da disputa política que se tornou o uso das máscaras nos EUA.

Enquanto a maior parte dos americanos segue a recomendação médica de utilizar o item no combate à propagação do coronavírus, um pequeno grupo —estimulado pela retórica negacionista do presidente— se lançou em uma cruzada anti-máscaras.

Seus adeptos argumentam que cada indivíduo tem liberdade para escolher os hábitos e comportamentos que vão adotar em público, mesmo em meio à pandemia que já matou mais de 126 mil pessoas no país.

Trump é um dos baluartes dessa minoria. Nunca é visto de máscara e não concorda com sua obrigatoriedade. Prefere o discurso de que seu uso é uma "escolha pessoal" ao mesmo tempo em que diz que a população deve seguir as recomendações dos estados durante a fase de reabertura econômica.

Ao menos 19 dos 50 estados americanos, incluindo Califórnia, Nova York e a capital, Washington, exigem distanciamento social e o uso de máscaras em lugares públicos, mas cenas de pessoas que se recusam a fazê-lo têm se multiplicado desde maio, muitas vezes de forma violenta.

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Naquele mês, ainda no início da reabertura dos EUA, o segurança de um supermercado na cidade de Flint, em Michigan, foi morto a tiros por um cliente que não concordava com a ordem de colocar a máscara enquanto estivesse dentro do estabelecimento.

Neste sábado (27), em outro supermercado, dessa vez na Califórnia, uma mulher respondeu com berros de "democratas porcos" funcionários e clientes que pediam a ela que cobrisse o rosto durante as compras.

Nesses estados, trabalhadores de mercados, mercearias, bares e restaurantes podem se recusar a atender quem não quiser cumprir a ordem local.

Por causa da reabertura precoce, 32 estados já registraram novos picos de coronavírus nas últimas duas semanas nos EUA e levaram ao menos 14 governadores a rever planos de retomada —alguns deles declarando a máscara como obrigatória em lugares públicos.

Apesar de violentos e preocupantes, os atos contrários à recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA não são majoritários no país.

Em imagem captura de vídeo, ativista diz que 'não usa máscara pela mesma razão que não utiliza roupas íntimas' em audiência pública em Palm Beach, na Flórida
Em imagem captura de vídeo, ativista diz que 'não usa máscara pela mesma razão que não utiliza roupas íntimas' em audiência pública em Palm Beach, na Flórida - 23.jun.20/Reuters

Pesquisa divulgada pelo Pew Research Center no início de junho mostrou que 65% dos americanos dizem usar máscara na maior parte do tempo ao saírem de casa. Somente 7% afirmam que nunca colocam o item em público, enquanto 15% se encaixam no "às vezes" e 9%, no "quase nunca."

O levantamento também escancara a batalha política que tem cercado o tema, com democratas mais propensos que republicanos a dizer que usam máscaras quase o tempo todo: 76% a 53%.

Quanto mais conservador o americano, menor o apreço para cumprir a recomendação de saúde.

Entre os republicanos que se dizem mais conservadores, por exemplo, 49% relatam usar máscaras quando saem de casa, enquanto 60% dos republicanos moderados seguem a prática frequentemente.

Já entre os democratas mais liberais, 83% cobrem o nariz e a boca sempre que estão na rua, ante 71% dos democratas considerados mais moderados.

As estatísticas estão alinhadas às mensagens dos líderes dos dois partidos: Trump tem feito campanha em lugares fechados, sem exigir máscara para seus apoiadores, enquanto Joe Biden, seu adversário democrata na corrida à Presidência, não tem feito comícios e diz que, caso estivesse na Casa Branca, faria o possível para fazer da máscara uma medida obrigatória em todo o país.

"Não é sobre você, é sobre sua família, seus vizinhos, sua nação [...] Isso se chama patriotismo e responsabilidade", afirmou Biden durante entrevista coletiva nesta terça-feira (30).

As primeiras manifestações contrárias ao uso das máscaras aconteceram ainda em maio, misturadas aos protestos que pediam o fim do "lockdown" principalmente em estados governados por democratas, que optaram por uma reabertura mais lenta que os liderados por republicanos.

Em seguida, todo o país entrou em marcha de retomada, e representantes desses grupos minoritários tentaram dar um caráter mais duradouro ao movimento, apelando à ideia de que a obrigatoriedade fere a liberdade individual tão cara ao povo americano.

Especialistas afirmam que parte dessa resistência às máscaras pode ser resultado de mensagens públicas contraditórias que autoridades de saúde emitiram no início da pandemia.

Há alguns meses ainda não havia consenso de que as máscaras eram necessárias para quem não apresentasse sintomas, por exemplo.

Hoje a maioria dos especialistas concorda que, enquanto não houver vacina ou tratamento, máscaras e distanciamento social são as formas mais eficazes de conter o vírus.

Pesquisa divulgada na semana passada pelo IHME, instituto usado como modelo pela Casa Branca, projetou que 30 mil mortes podem ser evitadas nos EUA até outubro se 95% dos americanos usarem máscara.​

Anthony Fauci, principal autoridade de doenças infecciosas do país, faz um apelo ao pragmatismo em meio à guerra político-cultural. Para ele, o uso de máscara não deveria ser politizado.

"É uma questão puramente de saúde pública."

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01/07/2020 | 13h58

 Por Agências - Reuters

Cercado, Japão se afasta do pacifismo e acelera uso de armas ofensivas, FSP

SÃO PAULO

Alarmado com a ascensão da China, uma Coreia do Norte imprevisível e a pouca confiança que Donald Trump inspira, o Japão deu mais um passo para retomar sua capacidade militar ofensiva.

Na sexta (26), o Conselho Nacional de Segurança do país enterrou os planos para instalar em dois pontos de sua maior ilha, Honshu, o sistema antimísseis americano Aegis Ashore.

A decisão decorre de revisão de custos e das queixas de moradores de cidades próximas, tornadas alvos óbvios, mas tem uma implicação estratégica maior.

Carro de combate Tipo 16 atira durante exercício das Forças de Autodefesa do Japão em Gotemba, em maio
Carro de combate Tipo 16 atira em exercício das Forças de Autodefesa em Gotemba, em maio - Charly Triballeau - 23.mai.2020/Pool via Reuters

O primeiro-ministro Shinzo Abe afirmou que, como opção, o Japão estuda se armar com mísseis capazes de atacar bases de países inimigos antes que elas lancem seus foguetes.

Assim, na prática Abe está dando uma interpretação criativa sobre o artigo 9 da Constituição japonesa, que proíbe o país de possuir armas ofensivas.

A Carta é um legado da derrota do império na Segunda Guerra Mundial em 1945, tendo sido imposta pelos vencedores, os Estados Unidos.

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Ao longo da Guerra Fria, com a necessidade de conter a União Soviética no Pacífico, os japoneses foram se rearmando com apoio americano, apesar das limitações.

“Desde então, a estratégia dos EUA é a de evitar a ascensão de poderes regionais. Um Japão capaz poderia minar a estrutura de alianças americana”, diz Phillip Orchard.

Só que a última década, afirma esse analista da consultoria americana Geopolitical Futures, viu a discussão ser retomada com a ascensão da China e sua maior assertividade.

Pequim tem investido em força naval e militarizou o mar do Sul da China, rota marítima vital e que os EUA querem livre, com bases.

Já a ditadura de Kim Jong-un testa, periodicamente, mísseis com alcance de sobra para levar uma bomba nuclear ao Japão.

Por fim, há rivalidades históricas diversas na região. Tóquio ainda não resolveu o status das ilhas Kurilas, disputadas com Moscou, e a relação com a Coreia do Sul é sempre tensa, por evocar a brutal ocupação japonesa de 1910 a 1945.

O veto a possuir bombardeiros estratégicos, mísseis de longo alcance ou porta-aviões de ataque também marcou a psique nacional do pós-guerra.

De um lado, o pacifismo floresceu fortemente na política, decorrente do trauma do conflito que viu as duas únicas bombas atômicas usadas em guerra explodirem no Japão.

Por outro, organizações nacionalistas, a maioria de extrema direita, ganharam força.

Abe é membro da maior delas, a Nippon Kaigi (conferência do Japão), e visitou várias vezes o polêmico santuário Yasukuni.

Caças F-15 japoneses (centro) voam com dois bombardeiros B-1B (acima) e dois caças F-35 americanos sobre a região de Kyushu, Japão
Caças F-15 japoneses (centro) voam com dois bombardeiros B-1B (acima) e dois caças F-35 americanos sobre a região de Kyushu, no Japão - Ministério da Defesa do Japão - 31.ago.2017/Reuters

O templo xintoísta em Tóquio homenageia 2,5 milhões de japoneses mortos em combate, inclusive mais de mil criminosos de guerra condenados.

O premiê, que passou pelo cargo de 2006 a 2007 e voltou ao poder em 2012, é a figura dominante da política japonesa.

Ainda assim, sua defesa do rearmamento ofensivo do país é duramente combatida na Dieta (o Parlamento local), e não deverá ser diferente agora.

O governo tenta se equilibrar entre as demandas. Apesar do militarismo de Abe e da necessidade de manter o arquipélago com acesso a rotas marítimas de suprimentos, no ano passado o Japão se recusou a participar de patrulhas com os americanos no estreito de Hormuz.

Os EUA queriam ajuda do aliado para pressionar o Irã, com quem quase foram à guerra no começo deste ano, e garantir o fluxo de petroleiros pela região.

O motivo: o artigo 9 veta qualquer projeção de poder fora de águas territoriais.

Shinzo Abe e Donald Trump durante encontro bilateral na reunião do G7 em Biarritz (França), em 2019
Shinzo Abe e Donald Trump durante encontro bilateral na reunião do G7 em Biarritz (França), em 2019 - Carlos Barria - 25.ago.2019/Reuters

Ainda assim, a Marinha japonesa participa de exercícios com americanos e australianos com frequência, e sua Guarda Costeira tem operado no mar do Sul da China.

Os três países e a Índia formam uma aliança informal chamada Quad, que envolve estrategicamente as saídas chinesas para o mar —e o comércio mundial é 90% marítimo.

No fim de semana, japoneses fizeram manobras com os indianos no Oceano Índico, outra sinalização aos chineses: Pequim e Nova Déli se envolveram em uma escaramuça fronteiriça com mortos há duas semanas.

A questão econômica pesou no caso do sistema antimísseis. O Aegis Ashore custaria US$ 4,1 bilhões (R$ 22 bilhões no câmbio desta segunda, 29) ao Japão, dos quais US$ 1,6 bilhão (R$ 8,6 bilhões) já foram pagos, e o país está em recessão devido à pandemia do novo coronavírus.

Isso não obrigou, contudo, a revisão de outros projetos do plano quinquenal de defesa do Japão, lançado em 2019.

Nele, o país pretende gastar US$ 244 bilhões (R$ 1,3 trilhão). Em 2019, o Japão teve o oitavo maior orçamento militar do mundo, US$ 48,6 bilhões (R$ 262 bilhões).

EUA lideram com US$ 684,6 bilhões (R$ 3,7 trilhões), deixando a China em segundo com US$ 181,1 bilhões (R$ 978 bilhões), segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

Um dos itens mais vistosos do pacote é a dupla de navios da classe Izumo, que estão sendo adaptados para receber a versão de decolagem vertical dos avançados caças americanos F-35. O Japão encomendou 45 desses aviões, capazes de lançar mísseis de longa distância.

O programa, claro, é alvo de críticas da oposição, mas aos poucos vai tomando forma. Na semana passada foram iniciados os testes do oitavo destróier equipado com a versão naval do sistema antimíssil Aegis.

Ele só não é visto como uma opção viável para o modelo terrestre porque seriam necessários ao menos três navios em ação 24 horas por dia.

Fica bem mais barato comprar mísseis de cruzeiro de longo alcance, algo que começou a ser discretamente feito em 2017. Ou investir em mísseis balísticos, como Abe sugere.

Central para o movimento japonês é a pressão americana. Desde que Trump assumiu, em 2017, os EUA cobram maior participação de seus aliados mundo afora, para reduzir gastos militares.

A negociação do americano com Kim, ora congelada, gerou sinais de alerta tanto em Tóquio quanto em Seul —que temem um desengajamento das obrigações americanas de defender os colegas.

Até a eventual aquisição de armas nuclearesum tabu natural no Japão, foi discutida como meio de reforço de defesas.

O país concentra o maior contingente americano no exterior, 55,6 mil soldados em 23 de bases.

Trump já retirou forças da África, do Oriente Médio e, agora, da Europa.

Se parece improvável que os EUA deixem os japoneses à mercê do colosso chinês, até pela Guerra Fria 2.0 entre Washington e Pequim, Tóquio não deve pagar para ver.

“O país tem pouca alternativa senão assumir maior responsabilidade por seus interesses de longo prazo”, diz Orchard.