Recostado na poltrona do avião, um homem dorme tranquilamente. O boné com o slogan da campanha de Donald Trump pede uma América grande de novo. Fones de ouvido ajudam a abafar o som ao redor, enquanto a máscara que deveria cobrir o nariz e a boca está posicionada sobre os olhos do passageiro.
A imagem foi postada nas redes sociais e viralizou no último fim de semana como o mais novo reflexo da disputa política que se tornou o uso das máscaras nos EUA.
Enquanto a maior parte dos americanos segue a recomendação médica de utilizar o item no combate à propagação do coronavírus, um pequeno grupo —estimulado pela retórica negacionista do presidente— se lançou em uma cruzada anti-máscaras.
Seus adeptos argumentam que cada indivíduo tem liberdade para escolher os hábitos e comportamentos que vão adotar em público, mesmo em meio à pandemia que já matou mais de 126 mil pessoas no país.
Trump é um dos baluartes dessa minoria. Nunca é visto de máscara e não concorda com sua obrigatoriedade. Prefere o discurso de que seu uso é uma "escolha pessoal" ao mesmo tempo em que diz que a população deve seguir as recomendações dos estados durante a fase de reabertura econômica.
Ao menos 19 dos 50 estados americanos, incluindo Califórnia, Nova York e a capital, Washington, exigem distanciamento social e o uso de máscaras em lugares públicos, mas cenas de pessoas que se recusam a fazê-lo têm se multiplicado desde maio, muitas vezes de forma violenta.
Naquele mês, ainda no início da reabertura dos EUA, o segurança de um supermercado na cidade de Flint, em Michigan, foi morto a tiros por um cliente que não concordava com a ordem de colocar a máscara enquanto estivesse dentro do estabelecimento.
Neste sábado (27), em outro supermercado, dessa vez na Califórnia, uma mulher respondeu com berros de "democratas porcos" funcionários e clientes que pediam a ela que cobrisse o rosto durante as compras.
Nesses estados, trabalhadores de mercados, mercearias, bares e restaurantes podem se recusar a atender quem não quiser cumprir a ordem local.
Por causa da reabertura precoce, 32 estados já registraram novos picos de coronavírus nas últimas duas semanas nos EUA e levaram ao menos 14 governadores a rever planos de retomada —alguns deles declarando a máscara como obrigatória em lugares públicos.
Apesar de violentos e preocupantes, os atos contrários à recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA não são majoritários no país.
Pesquisa divulgada pelo Pew Research Center no início de junho mostrou que 65% dos americanos dizem usar máscara na maior parte do tempo ao saírem de casa. Somente 7% afirmam que nunca colocam o item em público, enquanto 15% se encaixam no "às vezes" e 9%, no "quase nunca."
O levantamento também escancara a batalha política que tem cercado o tema, com democratas mais propensos que republicanos a dizer que usam máscaras quase o tempo todo: 76% a 53%.
Quanto mais conservador o americano, menor o apreço para cumprir a recomendação de saúde.
Entre os republicanos que se dizem mais conservadores, por exemplo, 49% relatam usar máscaras quando saem de casa, enquanto 60% dos republicanos moderados seguem a prática frequentemente.
Já entre os democratas mais liberais, 83% cobrem o nariz e a boca sempre que estão na rua, ante 71% dos democratas considerados mais moderados.
As estatísticas estão alinhadas às mensagens dos líderes dos dois partidos: Trump tem feito campanha em lugares fechados, sem exigir máscara para seus apoiadores, enquanto Joe Biden, seu adversário democrata na corrida à Presidência, não tem feito comícios e diz que, caso estivesse na Casa Branca, faria o possível para fazer da máscara uma medida obrigatória em todo o país.
"Não é sobre você, é sobre sua família, seus vizinhos, sua nação [...] Isso se chama patriotismo e responsabilidade", afirmou Biden durante entrevista coletiva nesta terça-feira (30).
As primeiras manifestações contrárias ao uso das máscaras aconteceram ainda em maio, misturadas aos protestos que pediam o fim do "lockdown" principalmente em estados governados por democratas, que optaram por uma reabertura mais lenta que os liderados por republicanos.
Em seguida, todo o país entrou em marcha de retomada, e representantes desses grupos minoritários tentaram dar um caráter mais duradouro ao movimento, apelando à ideia de que a obrigatoriedade fere a liberdade individual tão cara ao povo americano.
Especialistas afirmam que parte dessa resistência às máscaras pode ser resultado de mensagens públicas contraditórias que autoridades de saúde emitiram no início da pandemia.
Há alguns meses ainda não havia consenso de que as máscaras eram necessárias para quem não apresentasse sintomas, por exemplo.
Hoje a maioria dos especialistas concorda que, enquanto não houver vacina ou tratamento, máscaras e distanciamento social são as formas mais eficazes de conter o vírus.
Pesquisa divulgada na semana passada pelo IHME, instituto usado como modelo pela Casa Branca, projetou que 30 mil mortes podem ser evitadas nos EUA até outubro se 95% dos americanos usarem máscara.
Anthony Fauci, principal autoridade de doenças infecciosas do país, faz um apelo ao pragmatismo em meio à guerra político-cultural. Para ele, o uso de máscara não deveria ser politizado.
"É uma questão puramente de saúde pública."
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