quarta-feira, 3 de junho de 2020

Frederico Vasconcelos- O papel das Forças Armadas numa democracia, FSP


O procurador-geral da República, Augusto Aras, defensor da “democracia militar”, procura esclarecer sua afirmação de que a interferência entre Poderes poderia ensejar a atuação das Forças Armadas. Em nota, diz que “a Constituição não admite intervenção militar. Ademais, as instituições funcionam normalmente”.

O subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, mais votado na lista tríplice da qual Aras fugiu, procura desfazer versões inspiradas na polêmica provocada pelo advogado Ives Gandra Martins.

Diz Gandra Martins: “se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador”.

Bonsaglia entende que “pretender dar às Forças Armadas o poder de solucionar conflitos entre os Poderes significaria deixar o Legislativo e o Judiciário à mercê do Executivo”.

Opinião do Blog: no estado democrático de direito as divergências devem ser tratadas no campo das ideias, não em campos de batalha.

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Eis o que pensa Bonsaglia, em comentários que publicou no Twitter:

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Se alguém quiser estabelecer uma ditadura em nosso país, terá de atravessar o Rubicão e agir pela força, porque o Direito (e o art. 142 da Constituição) não lhe dará amparo.

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No sistema constitucional brasileiro, o papel de garante maior da Constituição incumbe ao STF, a quem cabe dar a última palavra na interpretação do texto constitucional e a decidir conflitos entre os entes federativos, assim como entre os próprios Poderes da República.

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A Constituição preconiza a independência e a harmonia entre os Poderes, e, para garantir que assim se dê, estabelece um complexo sistema de freios e contrapesos.

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O Congresso faz as leis, mas o Executivo tem o poder de veto e o Judiciário pode eventualmente declarar sua inconstitucionalidade. O Senado tem o poder para processar e julgar, por crimes de responsabilidade, o chefe do Executivo e os ministros do STF, assim como o PGR.

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O Judiciário é independente, mas a nomeação dos ministros das Cortes superiores depende de indicação presidencial e da chancela do Senado Federal. E por aí vai.

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O Ministério Público também integra o sistema de freios e contrapesos, cabendo-lhe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático (art. 127). Para tanto, é garantida sua autonomia e a independência de seus membros.

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Diante desse sofisticado arcabouço constitucional, que deve ser compreendido em sua inteireza, carece de qualquer sentido falar-se em “intervenção militar constitucional”, com suposto fundamento no art. 142 da Constituição.

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As Forças Armadas não têm nenhum papel a desempenhar no sistema de freios e contrapesos entre os Poderes. Sustentar o contrário seria pretender que a Constituição, cujo artigo 1º estabeleceu ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, contém uma cláusula suicida.

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Com efeito, considerando-se que o Presidente da República é o Comandante-em-chefe das FFAA, pretender dar a estas o poder de solucionar conflitos entre os Poderes significaria deixar o Legislativo e o Judiciário à mercê do Executivo.

Os efeitos não biológicos da covid-19, Silvio Meira, OESP Link

A partir do que já sabemos, quais os impactos e efeitos de médio e longo prazo da pandemia? O que dizem as pesquisas, não sobre o vírus ou seu impacto biológico, mas sobre alguns de seus efeitos colaterais, nas pessoas, na economia?

Um efeito que já está conosco e tende a ser pouco notado é que a covid-19 terá um efeito psicológico imenso e duradouro. Pesquisadores já documentam sentimentos de tristeza e tédio ligados a uma sensação de desaceleração. Para 50% das pessoas, o tempo está passando mais lentamente – e só 24% acham que está mais rápido. Antes da pandemia, entre 5 a 7% da população dos EUA atendia a critérios para ter diagnóstico de depressão. Dependendo da definição, cerca de 50% da população americana se encontrava deprimida – e isso antes dos protestos violentos dos últimos dias. Será que a alta significativa da depressão é um dos ‘novos normais’? 

A retomada das atividades nas empresas e os riscos de imputação criminal aos seus gestores, OESP

Em tempos de tanta incerteza, uma coisa é certa, uma série de cuidados adicionais devem ser adotados pelas empresas que se preparam para a futura retomada de atividades pós-distanciamento social. Os seus representantes legais, executivos e os responsáveis pela condução e gerenciamento das áreas de compliance e, principalmente, de Recursos Humanos, precisam ter claro que o retorno deve ocorrer com a observância de novas regras sanitárias e em um ambiente que mitigue os riscos de contaminação dos funcionários. Para tanto, além da reorganização física do espaço de trabalho, da garantia de medidas sanitárias básicas (fornecimento e utilização de máscaras e disponibilização de álcool em gel), boa gestão do fluxo dos funcionários (para desta forma também reduzir a concentração de pessoas), sobreleva destacar a relevância do quesito comunicação quanto aos protocolos instituídos, tornando-se fundamental bem documentar todo esse complexo cenário, sob uma perspectiva de materialização de uma eventual futura (e possivelmente necessária) prova processual. Isso, pois, a inobservância das medidas preventivas e dos regramentos sanitários determinados pelo poder público podem fazer com que o empregador não só se veja diante de uma confrontação sob a perspectiva humanitária, como também trabalhista, e, não menos raro, diante de figuras criminais.

Ocorre que ao não adotar medidas mitigadoras de riscos de contaminação, pode sim, a depender da situação concreta, frise-se, repercutir em imputação criminal à luz de pelo menos dois artigos previstos no Código Penal, a saber, o artigo 132, que trata da exposição da vida ou da saúde de pessoas a perigo direto ou iminente, bem como o artigo 268, que pune quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, merecendo, portanto, especial atenção as leis federais, estaduais e municipais que regulam medidas de contenção à propagação da covid-19. Fica claro, considerando essas duas figuras criminais, que a omissão do empregador pode acabar por adquirir contornos penalmente relevantes.

Portanto, a criação de protocolos e a efetiva implementação e supervisão pelos empregadores e sua observância por parte dos empregados, -com mútua ética e responsabilidade-, deve receber atenção especial.

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Não obstante as boas intenções que permeiem essas inciativas, o ponto que exsurge deveras relevante e desde logo deve merecer a devida atenção, será como compatibilizar o direito à privacidade, com interesse e bem comum, onde estarão inseridos o direito à saúde e à própria vida em última análise, sem, contudo, deixar de observar as pontuais diretrizes do Poder Público, que muitas vezes acaba por transferir seus deveres e obrigações para os particulares.

Desta forma, todo cuidado é pouco nesse momento inicial, pois monitorar a saúde de funcionários por meio de checklists antes de se deslocarem ao trabalho, medir a temperatura dos funcionários na entrada da empresa, afastar funcionários assintomáticos, ou no extremo exigir a realização de testes para detecção do vírus e permissão de reingresso, por exemplo, podem eventualmente até suscitar alguns questionamentos na esfera trabalhista, mas por outro lado podem mitigar riscos criminais, criando um curioso dilema, capaz de aumentar a insegurança jurídica que já reina soberana no país!

É fato inequívoco e de todos conhecido que a Constituição Federal garante a privacidade de todos nós, como também garante o direito à saúde e a vida, com o que direitos individualmente considerados não podem se sobrepor, de forma absoluta e sem limite, ao bem coletivo. Portanto, terá que haver naturalmente um processo de aprendizado e aprimoramento nas políticas de responsabilidade social por parte dos empregadores, como também empatia e senso de coletividade por parte dos empregados, somando-se a tudo uma interpretação e aplicação especialmente coerente da lei, quer pelos representantes do Ministério Público na seara penal, quer pela Justiça do Trabalho, em especial para relativizar premissas de hipossuficiência nesse particular aspecto.

Nesse novo mundo que está nascendo, haverá que se fazer malabarismos sob a perspectiva de conjugar soluções compatíveis e dissipar seus respectivos riscos, tanto humanos, como jurídicos, o que só será possível com mais solidariedade, ética bilateral, e menos politização e judicialização.

*David Rechulski, advogado criminalista, especialista em Criminal Compliance, fundador do David Rechulski Advogados