sábado, 9 de maio de 2020

Alvaro Costa e Silva Cinco letras que odeiam, FSP


Nas redes sociais, bolsonaristas conseguem se expressar com desprezo ainda maior do que o E daí? presidencial



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O escritor português Mário de Carvalho anotou no Facebook: "Deve ser da palavra escrita. Pouco acostumadas a escrever, as pessoas deixam-se levar pelo embalo. Tenho verificado que criaturas, na vida real (notem: vida real!) razoavelmente delicadas e cordatas, perdem as estribeiras aqui no FB. E é vê-las, para meu espanto, a irritar-se, a cotovelar e, pior, a chamar nomes às outras. E às vezes basta uma trivial e natural diferença de opinião ou de perspectiva".
Autor de mais de 30 livros, alguns publicados no Brasil, como o romance "Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde", Carvalho conclui: "Os profissionais da escrita, 'et pour cause', são mais comedidos e controlados. O que me parece justo sugerir é que pensem duas (ou três) vezes antes de se saírem com uma formulação mais grosseira, ou com um insulto".
Nem sempre os profissionais são mais ajuizados ou corretos. Ficou famoso, na memória do jornalismo, um artigo de Paulo Francis: "Tônia sem peruca". Atuando como feroz crítico de teatro no fim dos anos 50, ele desancou Tônia Carrero, sugerindo que a atriz ascendera ao estrelado usando o sexo.
A reação não foi menos feroz: o diretor Adolfo Celi, então marido de Tônia, e o ator Paulo Autran trocaram sopapos e engalfinharam-se com Francis. Este, mais tarde, se arrependeu do que havia escrito ("o artigo é sórdido", "me portei como um idiota") e de não ter ouvido no calor da hora o conselho de Rubem Braga: "Deixa o texto dormir um dia na gaveta. Se amanhã você quiser publicá-lo, publica".
Hoje as pessoas não pensam um segundo (três vezes, como sugere Mário de Carvalho, seria uma eternidade) antes de responder nas redes sociais a qualquer comentário. Entre os bolsonaristas, o comum é o uso de apenas duas palavras como resposta-padrão: "Teu c...". Frase que consegue a façanha de ter uma letra a mais do que o "E daí?" presidencial.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Hélio Schwartsman Nova Zelândia x Suécia, FSP

Se a vacina chegar rapidamente, estratégia da neo-zelandese terá sido a melhor

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São dois países avançados, com governos funcionais e éticos, mas as estratégias adotadas por cada um deles para enfrentar a Covid-19 não poderiam ser mais diferentes.
Nova Zelândia foi agressiva. Não tergiversou em impor lockdowns em todo o país. No início de maio já praticamente eliminara o vírus de seu território, com apenas 21 mortes (0,43 óbito por 100 mil habitantes).
Já a Suécia escolheu um caminho mais liberal. Não determinou nenhum tipo de isolamento obrigatório, e quase todas as atividades foram mantidas. Apenas recomendou que a população agisse com responsabilidade. Foi capaz de evitar que os hospitais superlotassem, mas apresenta muito mais óbitos que seus vizinhos nórdicos. Foram até aqui 3.040 mortes (29,85 por 100 mil, contra 4,08 na Noruega e 4,62 na Finlândia).
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, fala sobre coronavírus em abril - Mark Mitchell/NZME/Xinhua
À primeira vista, a Nova Zelândia se saiu melhor do que a Suécia, mas é sempre arriscado cantar vitória antes do fim da partida. E a crise está longe de ter acabado. A Nova Zelândia está livre do vírus, mas, para permanecer assim, precisa fechar-se para o mundo. Os suecos pouco mudaram seu estilo de vida. Juízos mais definitivos dependem do que acontecerá a seguir.
Se uma vacina chegar rapidamente, a estratégia da Nova Zelândia terá sido de longe a melhor, e o governo sueco precisará lidar com o fato de ter deixado muitos morrerem talvez desnecessariamente. Mas, se a vacina não vier tão cedo, e a epidemia acabar sendo controlada do jeito antigo, isto é, através da exposição da população ao vírus e da criação da imunidade de rebanho, aí é a Suécia quem está na frente. Estima-se que 25% da população de Estocolmo já tenham anticorpos contra o Sars-CoV-2, contra quase nada na Nova Zelândia.
Não acho que buscar a imunidade de rebanho seja uma boa estratégia de enfrentamento da Covid-19, especialmente para populações não suecas, mas isso não significa que a natureza não vá impô-la a nós.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".