quinta-feira, 7 de maio de 2020

Mariliz Pereira Jorge Bolsovírus, FSP

Estamos todos doentes. Não bastasse o drama que vivemos com a crise da Covid-19, temos que lidar com o rastro de destruição deixado por um germe patogênico incapacitante: o bolsovírus, como foi apelidado.
Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de contaminar a população com seu discurso inescrupuloso, seu apreço pela ignorância e seu desprezo pela humanidade. Deixou um país inteiro infectado pela raiva e pela desesperança.
Estamos todos mentalmente desequilibrados. Quem não está cego e não perdeu toda a capacidade de discernimento e a decência sente os efeitos dessa infecção devastadora provocada pelo bolsovírus de uma forma também bastante severa: as pessoas estão tristes, abatidas, exaustas com o festival diário de asneiras, de grosserias e de ataques à democracia.
Assistindo ao noticiário, que dedica boa parte do seu tempo a descrever a crise institucional que não abandona o país, tenho a falsa e perigosa sensação de que não temos outro problema ainda maior, o coronavírus. A gravidade da pandemia acaba diluída diante dos mandos e desmandos desse brutamontes que enlameia a cadeira da Presidência.
Somos atropelados pelo tiroteio entre o presidente e o ex-ministro da Justiça, as brigas com os governadores, os lampejos golpistas, que se tornaram corriqueiros. E, no final do dia, trombamos com o número de mortes pela Covid-19, a baixa adesão ao isolamento, o recorde de perdas entre os profissionais da saúde, os hospitais em colapso.
Todas as nossas atenções deveriam estar focadas em salvar vidas, mas passamos boa parte do tempo tentando nos livrar da insanidade a que Bolsonaro submete o país.
Quem ainda não está louco, condição "sine qua non" para não apoiar este governo tresloucado e incompetente, está sendo enlouquecido à medida que faz oposição a ele. Ou acabamos com o bolsovírus ou não sei o que será de nós.
Mariliz Pereira Jorge
Jornalista e roteirista de TV.

Os Faria Limers e o coronavírus, FSP

Os muitos que aterrissam no mercado financeiro encontram uma fauna problemática

  • 21
É ótimo que a cultura de investimento no mercado financeiro venha se popularizando por aqui. Dez anos atrás havia mais brasileiros na prisão do que na Bolsa.
A tendência não arrefeceu com a crise. No meio da pandemia e do declínio dos juros, pessoas físicas continuam acreditando em ações. Já os estrangeiros fogem do Brasil, a despeito de o país estar uma pechincha.
A fauna à espera de quem aterrissa na Bolsa vai sendo recomposta após o meteoro das fintechs. Os grandes bancos sangram clientes para instituições que oferecem retornos maiores e burocracias menores. Quem vai investir tem alternativas.
Os que navegam entre essas opções são disputados por pessoas que distribuem recomendações. Gente por vezes autointeressadíssima, que tortura números e usa comparações sem sentido para propagar as teses mais convenientes. São torcedores não amadores. Quem os vê opinar sobre um ativo não sabe se estão comprados ou vendidos nele.
Quarentena afeta escritórios no eixo expandido da Faria Lima - Eduardo Knapp/Folhapress
O chamado Fintwit, o quintal do mercado financeiro no Twitter, guarda vários desses perfis. Demonstram pouca afeição à crítica, abusam da linguagem agressiva e mantêm baixa consistência no discurso.
Quem acredita neles pode pensar que a recuperação virá num V de ângulo interno mínimo. O coronavírus expõe o discurso classista, que aparece até nas bocas mais razoáveis do mercado, fora do Fintwit. Parece normal, por essa ótica, fatiar o problema em dois: de um lado a curva de contaminação dos pobres e de outro a de infecção dos demais.
Não apenas os números estão entre as vítimas dessas pessoas. Torturam notícia também. O pedido súbito de demissão de Sergio Moro pegou algumas delas no contrapé, e o passo seguinte foi dizer que se tratava de fake news. Uma thread da Folha no Twitter expôs os envolvidos.
Desde a campanha de 2018, parte da Faria Lima é criticada pelo coração democrático atrofiado. O coronavírus mostra que há mais problemas espalhados pelo corpo.
Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.