domingo, 22 de dezembro de 2019

Na era da economia de baixo carbono, Brasil já tem 552 startups ambientais, OESP

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo
22 de dezembro de 2019 | 05h00


Nos corredores da Feria de Madrid, onde foi realizada a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) nas duas primeiras semanas do mês, enquanto diplomatas discutiam, sem muito sucesso, como avançar no combate ao aquecimento global, um grupo brasileiro mostrava que negócios inovadores estão avançando rapidamente. São as chamadas clean techs – startups que fazem negócios bons para o clima e trazem soluções com o objetivo nada modesto de tentar salvar o planeta. 
Esse movimento vem crescendo no País e no mundo. Entre 2018 e 2019, somente o Instituto Climate Ventures, que ajuda a estruturar startups com esse propósito, mapeou 552 negócios no Brasil que rendem impacto positivo no clima, promovendo o que eles chamam de economia regenerativa e de baixo carbono. Espalhados por todas as regiões do País, atuam nos setores de gestão da água e de resíduos, agropecuária, energia, logística e mobilidade, e uso do solo e florestas. 
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Diogo Tolezano, fundador da Pluvi.on Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADAO
Em novembro, na Climate LaunchPad, competição internacional de clean techs que ocorreu em Amsterdã, o Brasil foi o país com o segundo maior número de negócios inscritos – 155 –, perdendo só para a Índia, com quase 500. No total, participaram do evento 2.601 empreendedores de 53 países. 
E em junho, a feira Conexão Carbono Zero, voltada para soluções que visem transformar os modelos de negócios e políticos para reverter a mudança climática, concluiu que trabalhar a favor do clima traz oportunidades que somam US$ 42 bilhões. As empresas participantes do evento revelaram que já investiram US$ 5 bilhões em soluções desse tipo e evitaram a emissão de 921 milhões de toneladas de carbono.

Alerta de inundação.

Nesse cenário, estão iniciativas que podem ocorrer tanto na pequena escala quanto trazendo soluções para setores inteiros. Uma delas, de São Paulo, é a Pluvi.on, que surgiu com o objetivo de tentar salvar as pessoas de áreas de risco de eventuais enchentes. Em um mundo cada vez mais aquecido, a ocorrência de eventos extremos, como chuvas rápidas e intensas, com potencial de inundação, será cada vez mais frequente.
Para ajudar em projetos de adaptação para esse problema, a ideia dos fundadores da Pluvi.on foi desenvolver um sistema mais localizado e aperfeiçoado de previsão do tempo. Hoje, eles já conseguem dizer com uma precisão de mais de 80% (contra os cerca de 70% dos sistemas convencionais) se vai chover ou não. E o plano é em alguns anos não só elevar essa precisão para mais de 90% como conseguir alertar bairros e comunidades que podem sofrer com inundações. 
“Em eventos extremos, às vezes uma tempestade intensa de poucos minutos é suficiente para causar enchentes. Uma chuva de 20 milímetros ao longo do dia não é um problema, mas em dez minutos causa um caos. E a previsão do tempo tradicional não traz essa precisão”, afirma Diogo Tolezano Pires, fundador da Pluvi.on.
A empresa começa um projeto-piloto neste verão em cinco comunidades da zona leste da capital, na várzea do Tietê, que têm alta vulnerabilidade a enchentes. Miniestações meteorológicas foram instaladas nos bairros e, por meio de uma ferramenta de conversa, apelidada de São Pedro, as pessoas poderão consultar a previsão do tempo para suas regiões. 
Em um primeiro momento, elas saberão, por exemplo, se vai chover, mas a intenção é que, com o aprendizado da tecnologia e a coleta de mais dados, em alguns anos seja possível dizer, por bairro, de um modo mais micro, onde há risco de inundação.
Outro projeto vencedor da chamada deste ano de Bons Negócios pelo Clima da Climate Ventures foi o Macaúba, da startup Inocas, de Minas Gerais, que tem como objetivo gerar uma alternativa ao óleo de palma a partir da palmeira típica do Cerrado brasileiro.
“Hoje, 60% de tudo o que existe em um supermercado têm óleo de palma – do chocolate ao hidratante de corpo. Mas o plantio da palma levou ao desmatamento de grandes áreas de floresta tropical no mundo, em especial na Indonésia. Defendemos a macaúba como uma alternativa sustentável à palma”, explica Johannes Zimpel, diretor executivo da Inocas. 
A ideia surgiu de uma provocação feita pela companhia aérea Lufthansa, que queria uma alternativa aos combustíveis fósseis para abastecer seus aviões. A macaúba surgiu como uma opção para isso. Hoje ela ainda não chegou ao estágio de substituir o diesel, mas a Inocas desenvolveu uma metodologia de extração otimizada do óleo, que mostrou ter as mesmas qualidades da palma. 
O plantio vem sendo feito em áreas de pastagem degradada, aumentando a produtividade do gado e criando renda extra do óleo. “O Cerrado tem 50 milhões hectares de pastagens. Se o conceito fosse replicado em todas, seria possível não só melhorar a renda no pasto como ter uma produção de macaúba que atingiria o dobro da produção mundial de palma”, diz Zimpel.
Outro exemplo de destaque é a Stattus4, de Sorocaba, que desenvolveu, com inteligência artificial e internet das coisas, uma forma de "escutar" os encanamentos das cidades a fim de conter perdas de água no sistema.
"Hoje o Brasil perde cerca de 38% da água coletada nos mananciais durante a distribuição. Se reduzíssemos 20% disso, já seria possível abastecer os 35 milhões de brasileiros que não têm acesso à água potável", calcula Marília Lara, sócia da empresa.
O sistema de sensores desenvolvido por sua equipe melhora um trabalho que hoje depende de profissionais, os geofonistas, que vasculham a cidade escutando ruídos em hidrômetros. Com esses equipamentos outras pessoas, que não são especialistas, podem fazer uma primeira varredura, bem mais rápida, nos hidrômetros e depois, somente nos casos suspeitos, vai o especialista. "Em vez de ter de passar em todos os locais, ele vai a 2% só, melhorando o sistema", explica.
A Stattus4 já atua em 32 cidades, onde vivem mais de 8 milhões de habitantes. 

Ceagesp recebe 20 mil caminhões por dia às vésperas do Natal, OESP

Marina Pauliquevis, SÃO PAULO
22 de dezembro de 2019 | 16h50

As frutas que estarão nas ceias de Natal e nas festas de ano novo percorrem um longo caminho até chegarem à mesa do brasileiro. E muitas vezes o trajeto inclui uma passagem pela Ceagesp, em São Paulo, não importando se o ponto de partida foi o Vale do São Francisco, o Nordeste, o Chile ou mesmo o Egito.
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Movimento de caminhões na Ceagesp ocorre durante todo o dia Foto: Felipe Rau/Estadão
No mês de dezembro, passam pelo maior entreposto comercial da América Latina cerca de 300 mil toneladas de produtos, principalmente frutas. O movimento de caminhões quase dobra nos dias que antecedem o Natal, chegando a 20 mil por dia. Transitar tranquilamente lá dentro só para os experientes motoristas - normalmente os horários para carregar e descarregar são pré-determinados, mas até a semana que antecede o Ano Novo essa operação vai funcionar 24 horas.
"É uma bagunça organizada", diz o economista Flávio Godas, da Seção de Economia e Desenvolvimento da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Frutas típicas desta época, como ameixa, uvas e pêssego, e também as tropicais, mais baratas, como melancia, têm aumento nas vendas de 30%.
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No período do Natal, Ceagesp recebe 20 mil caminhões ao dia Foto: Felipe Rau/Estadão

Damasco chileno

Parte dos produtos mais procurados é importada, como a cereja, que vem quase toda do Chile, o damasco, importado da Turquia, e as tâmaras, trazidas do Egito. Mas a recente valorização do dólar não chega necessariamente a mexer nos preços, segundo Godas, porque os contratos de compra são feitos com bastante antecedência.
Exemplo disso é que o damasco está cerca de 6% mais barato este ano em relação ao Natal passado. Com essa condição, o volume comercializado da fruta, muito usada em receitas natalinas, pode até ser maior que o dos últimos anos, quando chegou a 35 toneladas.
Parece muito, mas é bem menos do que se vendeu no ano passado apenas da uva Niágara: 3.602 toneladas. Essa variedade é muito cultivada no interior de São Paulo, mas outras, plantadas na região do Rio São Francisco, também fazem sucesso na Ceagesp - só de uvas sem semente do tipo Thompson, por exemplo, foram vendidas 1.300 toneladas em dezembro passado.
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Controle de cargas na Ceagesp é feito manualmente Foto: Felipe Rau/Estadão
Como o controle de boa parte da carga que passa pela Ceagesp é feito manualmente, e não de forma digital, a compilação de todos os dados desta temporada só será concluída depois do Natal. Mas o economista Godas, que trabalha no entreposto há 27 anos, já percebe um aumento no movimento em relação aos últimos dois anos.
Ele também observa a constante melhora na produção nacional de frutas, como o pêssego, plantado no interior de São Paulo e na Região Sul. "A safra deste ano está muito boa, o que encareceu o produto em cerca de 10%".

ESTAMOS EM CRISE CULTURAL?, Leandro Karnal, FSP

Leandro Karnal
22 de dezembro de 2019 | 05h00
Começamos a nos despedir da segunda década do século 21. Historicamente, existe uma tendência antiga de se considerar o momento em que se vive como de crise profunda e de decadência. Com raros momentos de otimismo, o mundo está em declínio desde a inauguração das pirâmides de Gizé. De Boécio no século 6º a Freud no 20, sempre houve quem alertasse seus contemporâneos sobre ruínas, desilusões, fim de utopias ou um mal-estar na civilização. O rastro vai longe. O segundo Templo de Jerusalém, reconstruído após a tragédia da invasão da Babilônia, era pálida sombra do anterior construído por Salomão. O projeto de obras de Herodes, o grande, tinha um sentido de cooptação política, mas sempre seria um Santo dos Santos sem a Arca da Aliança. O passado sempre foi e será visto como mais glorioso, opulento, pacífico e, acima de tudo, mais culto.
Estabelecido o fundo moral da construção de uma ideia de decadência, sejamos objetivos. Estamos diante de um imenso e necessário debate sobre financiamento cultural. Os modelos oficiais com renúncias fiscais, apoios públicos e a participação (outrora dominante) de empresas estatais, como a Petrobrás, estão sob ataque ou com dificuldades para obter recursos. Mesmo os tradicionais centros culturais de bancos públicos sofrem investidas. O episódio da exposição do Santander em Porto Alegre (2017) mostrou que o debate também envolve, além do financiamento, a ideia de decidir que tipo de arte ou expressão cultural pode e deve ser trazida ao público (e para qual público). No fundo, sempre a mesma questão: quem controlaria a orientação cultural? Seria uma crise de política cultural ou um exercício de poder?
Houve algo similar há 30 anos. O presidente Collor extinguiu a Embrafilme e tivemos uma seca violenta na produção cinematográfica. O mercado cinematográfico teve de se reorganizar. Algumas lacunas foram preenchidas pelas já citadas estatais. O grande amparo, desde 1991, tornou-se a Lei Rouanet, hoje igualmente sob invectiva frontal.
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Sala São Paulo, uma ‘vela poderosa’ em meio a trevas assustadoras, aponta KarnalDIVULGAÇÃO
A polarização está no campo cultural também. Temas como o Prêmio Camões atribuído a Chico Buarque, a biografia da atriz Fernanda Montenegro, o filme Bacurau e a cinebiografia de Marighella trouxeram o duplo debate sobre recursos de financiamento e visão política da produção da arte. A participação do poder público atingiu até a mais popular festa do Rio, o carnaval. A Flip de 2019 viveu momentos de polarização política e a escolha do nome da poeta americana Elizabeth Bishop como homenageada de 2020 já incendiou os meios literários e da internet. O debate é sempre bem-vindo. Precisamos reaprender que o contraditório é positivo e parar de conjugar o péssimo verbo “lacrar”.
O ano foi pesado para a música, pois as orquestras foram atingidas em cheio pela falta de financiamento. Iniciativas importantes como o Projeto Guri sofreram abalos e incertezas. A crise é anterior a 2019. A Banda Sinfônica do Estado de São Paulo foi dissolvida em 2017. A brilhante Jazz Sinfônica resiste, aumenta sua popularidade e mostra como alguns abnegados podem manter algo tão belo. A Osesp, melhor sinfônica do Brasil e entre as melhores do mundo, é uma ilha de produtividade em meio ao mundo Mad Max que a cerca, literalmente. No esplendor da Sala São Paulo produzem-se concertos didáticos, milhares de ofertas gratuitas e noites inacreditáveis, como foi no dia 12 de dezembro, com a Nona Sinfonia de Beethoven marcando a abertura do ano jubilar 250 do mestre. Com a tradução em português a cargo de Arthur Nestrovski e inserções de músicas em diálogo com a obra, a plateia foi mesmerizada pela batuta de despedida da regente Marin Alsop. Ali fulgiu uma vela poderosa em meio a trevas assustadoras.
O ano de 2019 levou lendas como Bibi Ferreira e talentos no apogeu da criatividade como Fernanda Young. O diretor Antunes Filho, pilar de uma revolução teatral, também se foi. Em todos os campos desponta uma moçada muito interessante. Precisamos de outro texto para indicar alguns nomes.
A crise das livrarias continua a fazer estragos. Temos autores e leitores, falta dinheiro para livros e faltam lugares para vender os livros. Há reações, com ressurgimento de pequenos espaços. Como em toda época de crise, as editoras apostam em obras com grande apelo e autores já famosos em mídias digitais. Escasseiam os experimentalismos, explodem os títulos com palavrões. O debate é infindável: o nariz torcido de alguns diante do sucesso popular de outros. O preço da sobrevivência será sempre o da vulgarização?
Será o fim da cultura como a conhecemos? Sim, sempre, pois emergem novas formas culturais. O término do meu mundo não é o término do mundo. Mesmo sem ter consciência da crise de financiamento da cultura, o jovem que frequenta um baile funk de São Paulo descobrirá que a visão da cultura atinge a todos, alguns de forma fatal. No fundo, 2019 continua com o dilema, agora chaga aberta: quem tem direito de definir o que é cultura? As exposições sobre “arte degenerada” ainda rondam nossas consciências no campo estético e evocam memórias autoritárias. Eu desejo um 2020 sem donos da cultura, sem vozes únicas, sem comissários do povo ou guardiões da pureza da cultura nacional. Desejo um ano-novo múltiplo, com Beethoven e funk, música lírica e Anitta dançando. Que toda arte transgrida, desinstale, agite e perturbe. Que morra todo Ministério da Verdade.