Joia da coroa para a ditadura, projeto na Amazônia foi mau negócio que uniu governo, empresários e banqueiros amigos
A repórter Stella Fontes informa: “Endividada, a Jari agoniza”. Deve R$ 1,75 bilhão. Sua recuperação judicial foi suspensa e não tem como pagar aos 750 empregados de sua fábrica de celulose, encravada na floresta amazônica.
Pode parecer mais uma história de fracasso numa época de crise. É muito mais, verdadeira aula sobre algo que poderia ter dado certo, deu errado e, ao longo de 30 anos, foi dando mais errado.
O Projeto Jari foi a primeira joia da coroa da ditadura. Coisa de sonho: nos anos 1960, Daniel Ludwig, um dos homens mais ricos do mundo, comprou 160 mil km² (um Líbano e meio) na divisa do Pará com o Amapá. Trouxe do Japão, por mar, uma fábrica de celulose e uma termelétrica.
Construiu uma cidade, plantou gamelinas, arroz e queria explorar bauxita. Septuagenário sem herdeiros, avarento e misantropo, tomava leite com vodca. Deu tudo errado. Crucificado no lenho do nacionalismo xenófobo que envolve a Amazônia, Ludwig fez as malas e foi embora.
Quem ouve falar da Jari tende a compará-la à Fordlândia, sonho de outro magnata misantropo. Em 1928 Henry Ford comprou 10 mil km² (um Líbano), onde pretendia plantar 2 milhões de seringueiras e também planejou uma cidade.
Deu tudo errado e em 1945 a propriedade foi vendida por 1% do seu valor. Nenhum negócio de Henry Ford ou de Daniel Ludwig deu tão errado.
As semelhanças terminam aí. Ludwig não saiu como Ford. Em 1982 ele perdeu algo como US$ 1 bilhão, mas deixou o projeto no colo da Viúva e o governo organizou um consórcio de empresários para ficar com a Jari. À frente, entrou o magnata Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores empreendedores do seu tempo. Numa carta de 20 de janeiro de 1982 ao presidente João Figueiredo, ele foi claro:
“Entendo que recebi uma missão do governo. (...) Ao se incumbir alguém de uma missão, cumpre propiciar-lhe também os meios indispensáveis para bem executá-la”.
Queria investimentos públicos, uma hidrelétrica e, sobretudo, simpatia para o “cumprimento de missão de alta relevância nacional”.
Um mês depois o Banco do Brasil entrou no projeto e ficou com 12% das ações da holding.
Coisa da ditadura? Nem tanto. Em 1994, depois de visitar o projeto, o candidato Lula informava: “O Ludwig foi um sonhador. Passei 20 anos da minha vida esculhambando a Jari, mas hoje o Brasil tem novos empresários”.
Referia-se aos netos de Antunes que tocavam o projeto. Lula perdeu a eleição para Fernando Henrique Cardoso. Em 1996 FHC sabia que o BNDES estava metido com 20% de participação na Jari e que era “grave a situação”.
Meses depois a empresa entrou em concordata branca e metade da dívida estava com a Viúva. Em 2000 a Jari foi vendida ao grupo Orsa, sob aplauso dos credores (a Viúva tinha um terço desse espeto). Por algum tempo conseguiu respirar, até que afogou-se e hoje o BNDES está com um mico de R$ 790 milhões.
Em 2010 o professor americano Greg Grandin publicou no Brasil seu livro “Fordlândia - Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva”. Contou a história de um empresário que fez um mau negócio e foi em frente.
Algum dia alguém contará a história da Jari, um mau negócio no qual o governo entrou, juntando-se a empresários e banqueiros amigos, sempre dispostos a cumprir uma “missão de alta relevância nacional”.