quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Antonio Delfim Netto Volcker e Simonsen, FSP

A nomeação de Volcker para o Fed levou à demissão do ministro Simonsen

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Faleceu, em 8/12 último, Paul Volcker, que serviu ao seu país, os EUA, por mais de 30 anos (a governos democratas e republicanos) na dura tarefa de manter íntegro e funcional o seu sistema financeiro.
Quando a inflação americana atingiu 12% ao ano em agosto de 1979, o então presidente Jimmy Carter (1977-81), democrata, convocou-o para domá-la. Nomeou-o chairman do Federal Reserve. Em julho de 1981, usou toda a potência da política monetária. Elevou a taxa básica do FED para 19%, o que produziu um choque recessivo dramático que atingiu o mundo.
Ele elevou a taxa de desemprego e custou a reeleição de Carter. Foi eleito Reagan, que manteve Volcker. Em 1983, a taxa de inflação tinha retornado a 3% ao ano, e o mundo tinha quebrado! Quando confrontado com a incômoda afirmação "o senhor quebrou o Terceiro Mundo para salvar os bancos americanos", respondeu com um lacônico: "Essa era a minha tarefa".
Paul Volcker, em foto de 2010 - AFP
O leitor deve estar curioso. Por que essa louvação a Volcker? Porque acredito que sua nomeação para o Fed em 6/8/1979 foi a "causa causata" da demissão do grande ministro Simonsen, que já confidenciara a um amigo "ter decidido ir embora para não ter que dizer ao presidente Figueiredo que a taxa de inflação chegará a 50%". A demissão foi formalizada em 10/8.
Mario Henrique Simonsen foi a mais brilhante inteligência capturada, no Brasil, pela teoria econômica. Beirava a genialidade. Creio que sua decisão foi antecipada, porque ele previu as consequências da política de Volcker: o efeito devastador da elevação da taxa de juros sobre a enorme dívida acumulada no governo Geisel (do qual foi ministro da Fazenda) tornaria o Brasil insolvável e inadministrável. Demitiu-se e foi embora às pressas, sem fechar o Orçamento para 1980.
Na carta de demissão, disse: "Temi que a presença à frente da Seplan de um ex-ministro da Fazenda confundisse (...) o próprio Governo quanto ao papel da Secretaria de Planejamento da Presidência. Como Secretaria, trata-se de um simples órgão de assessoramento do presidente em assuntos econômicos e, ao contrário do que muitos presumem, falta-lhe estrutura e poderes para atuar como Ministério da Coordenação Econômica".
A verdade é que o governo já não controlava o seu partido, exatamente por ter nomeado Simonsen, a quem o partido criticou ferozmente no governo Geisel. Quem tiver dúvida, consulte a ata da reunião da Arena de 8/9/1979, na qual se culpou Geisel pela tragédia do petróleo e se propôs o fim do até então sagrado monopólio da Petrobras. Ou então, melhor, leia a "Ditadura Acabada", um clássico de Elio Gaspari.
O resto é apenas lenda urbana.
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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