Conjuntura pede vigilância no arranjo institucional
O arcabouço legal que o país construiu ao longo de anos para viabilizar o enfrentamento aos fenômenos das organizações criminosas e da corrupção representa patrimônio inestimável para o país. Eventuais retrocessos nesta frente implicariam enormes prejuízos para quem mais ganhou com a modernização da legislação: a sociedade. Portanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) acertou no julgamento encerrado no último dia 4, dispensando de prévia autorização judicial a comunicação entre Receita Federal, Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e autoridades responsáveis pela persecução penal.
Além de ações de inteligência financeira, três outros institutos se destacam nesse cenário, sendo sua manutenção condição “sine qua non” para que o sistema de Justiça dê respostas àqueles que insistem em viver à margem da lei. Refiro-me à colaboração premiada, aos acordos de leniência e à competência do Ministério Público para promover a investigação criminal, ferramentas indispensáveis para detectar, denunciar e condenar autores de delitos que prejudicam milhões de brasileiros.
E aqui cabe ressaltar que a expressão "milhões de brasileiros" não é mera retórica. O dinheiro drenado dos cofres públicos pela corrupção explica em grande parte a falta de leitos nos hospitais e o déficit de moradias —para ficar só em dois dos direitos sociais elencados pela Constituição no artigo 6º.
Somente com o advento da lei 9.613/1998, a assim denominada lei da lavagem, o Brasil passou a contar no tocante à detecção de atividades criminosas com um instrumento básico, qual seja a movimentação financeira atípica. Com o surgimento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), agora UIF, o Ministério Público ganhou agilidade. A partir de indícios trazidos pelos RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), os promotores podem dar início às apurações a fim de sustentar eventual oferecimento de denúncia à Justiça.
Com a lei 12.850/2013, a lei do crime organizado, registrou-se novo robustecimento da instituição que tem a prerrogativa de ajuizar ações criminais. Trata-se da colaboração premiada, que consiste na cooperação, validada pela Justiça, de um integrante da organização criminosa que, em troca de um benefício penal, admite o cometimento de delitos e traz informações para a implicação de outros infratores e para a recuperação do produto da conduta ilegal. Por sua vez, a lei 12.846/2013, a chamada lei da corrupção, trouxe ao aparato legislativo a figura dos acordos de leniência, proporcionando a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
Em 2015, uma decisão importantíssima do STF ratificou a legitimidade do Ministério Público para investigar, desde que os procedimentos sejam autorizados por um juiz. Isso dois anos após a mobilização popular ter barrado a tramitação da PEC 37, cujo objetivo era exatamente o de retirar essa competência da instituição.
Sem esses avanços, o Estado estaria em condição muito mais desvantajosa para reprimir a corrupção. Como reprimiu na Operação Sevandija, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em 2016. Houve um total de R$ 192 milhões em bens bloqueados dos acusados de participação nas diferentes frentes de corrupção atribuídas a agentes públicos na gestão da ex-prefeita de Ribeirão Preto Dárcy Vera, que acabou presa.
Afastar um administrador escolhido pelo voto não indica hipertrofia do sistema de Justiça. Indica, sim, a vitalidade do regime democrático.
Montesquieu já apontava o mecanismo de freios e contrapesos como essencial para a democracia. Trata-se da influência recíproca das funções Executiva, Legislativa e Judiciária em um Estado, para que possa haver o necessário equilíbrio na sociedade. O limite de todos os agentes públicos, como de todo cidadão, é estabelecido exclusivamente pela lei!
A atual conjuntura pede vigilância redobrada de quem quer um país mais justo a fim de que possamos evitar recuos no arranjo institucional.