terça-feira, 17 de dezembro de 2019

OPINIÃO GIANPAOLO SMANIO O arcabouço legal contra a corrupção, FSP

Conjuntura pede vigilância no arranjo institucional

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O arcabouço legal que o país construiu ao longo de anos para viabilizar o enfrentamento aos fenômenos das organizações criminosas e da corrupção representa patrimônio inestimável para o país. Eventuais retrocessos nesta frente implicariam enormes prejuízos para quem mais ganhou com a modernização da legislação: a sociedade. Portanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) acertou no julgamento encerrado no último dia 4, dispensando de prévia autorização judicial a comunicação entre Receita Federal, Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e autoridades responsáveis pela persecução penal.
Além de ações de inteligência financeira, três outros institutos se destacam nesse cenário, sendo sua manutenção condição “sine qua non” para que o sistema de Justiça dê respostas àqueles que insistem em viver à margem da lei. Refiro-me à colaboração premiada, aos acordos de leniência e à competência do Ministério Público para promover a investigação criminal, ferramentas indispensáveis para detectar, denunciar e condenar autores de delitos que prejudicam milhões de brasileiros.
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O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, em seu gabinete, no Ministério Público de São Paulo - Reinaldo Canato - 16.abr.18/Folhapress
E aqui cabe ressaltar que a expressão "milhões de brasileiros" não é mera retórica. O dinheiro drenado dos cofres públicos pela corrupção explica em grande parte a falta de leitos nos hospitais e o déficit de moradias —para ficar só em dois dos direitos sociais elencados pela Constituição no artigo 6º.
Somente com o advento da lei 9.613/1998, a assim denominada lei da lavagem, o Brasil passou a contar no tocante à detecção de atividades criminosas com um instrumento básico, qual seja a movimentação financeira atípica. Com o surgimento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), agora UIF, o Ministério Público ganhou agilidade. A partir de indícios trazidos pelos RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), os promotores podem dar início às apurações a fim de sustentar eventual oferecimento de denúncia à Justiça.
Com a lei 12.850/2013, a lei do crime organizado, registrou-se novo robustecimento da instituição que tem a prerrogativa de ajuizar ações criminais. Trata-se da colaboração premiada, que consiste na cooperação, validada pela Justiça, de um integrante da organização criminosa que, em troca de um benefício penal, admite o cometimento de delitos e traz informações para a implicação de outros infratores e para a recuperação do produto da conduta ilegal. Por sua vez, a lei 12.846/2013, a chamada lei da corrupção, trouxe ao aparato legislativo a figura dos acordos de leniência, proporcionando a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
Em 2015, uma decisão importantíssima do STF ratificou a legitimidade do Ministério Público para investigar, desde que os procedimentos sejam autorizados por um juiz. Isso dois anos após a mobilização popular ter barrado a tramitação da PEC 37, cujo objetivo era exatamente o de retirar essa competência da instituição.
Sem esses avanços, o Estado estaria em condição muito mais desvantajosa para reprimir a corrupção. Como reprimiu na Operação Sevandija, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em 2016. Houve um total de R$ 192 milhões em bens bloqueados dos acusados de participação nas diferentes frentes de corrupção atribuídas a agentes públicos na gestão da ex-prefeita de Ribeirão Preto Dárcy Vera, que acabou presa.
Afastar um administrador escolhido pelo voto não indica hipertrofia do sistema de Justiça. Indica, sim, a vitalidade do regime democrático.
Montesquieu já apontava o mecanismo de freios e contrapesos como essencial para a democracia. Trata-se da influência recíproca das funções Executiva, Legislativa e Judiciária em um Estado, para que possa haver o necessário equilíbrio na sociedade. O limite de todos os agentes públicos, como de todo cidadão, é estabelecido exclusivamente pela lei!
A atual conjuntura pede vigilância redobrada de quem quer um país mais justo a fim de que possamos evitar recuos no arranjo institucional.
Gianpaolo Smanio
Procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo desde 2016; doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Cuidando de si mesmo, Álvaro Costa e Silva, FSP

Rejeição a Crivella representa o fracasso da Igreja Universal na administração pública

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Um dos charmes do thriller "O Terceiro Homem", a famosa colaboração do diretor Carol Reed com o escritor Graham Greene, com pitacos no roteiro do ator Orson Welles, é a técnica de desvelamentos sucessivos em torno do personagem Harry Lime. Tendo como cenário a decadente atmosfera da Viena do pós-Guerra, o filme mostra aos poucos que Harry (ou Welles, que o interpreta), o sujeito espirituoso que sabe contar histórias sobre relógios cucos, no fundo é mau como um pica-pau. Seu negócio era o mercado negro da penicilina roubada de hospitais.
Orson Welles (dir.) e Joseph Cotten em cena do filme "O Terceiro Homem" - Divulgação
Ao saber de um pequeno drama dentro da tragédia maior em que se transformou a crise da saúde no Rio, lembrei do simpático Harry Lime. Um filho pagou R$ 50 para conseguir uma maca em que sua mãe em busca de atendimento pudesse deitar um pouco e descansar nos corredores do hospital Salgado Filho.
Marcello Crivella, cujo slogan de campanha era "Chegou a hora de cuidar das pessoas", disse que a crise "é falsa". O Ministério Público não concordou e pediu exatamente para que se instalasse um gabinete de crise, a fim de gerir a rede municipal, depois que funcionários de hospitais e clínicas, alegando que ficaram 90 dias sem receber salários, paralisaram os serviços. 
Quase de joelhos, Crivella pediu misericórdia ao seu aliado de ocasião, Bolsonaro, que prometeu R$ 150 milhões para quitar os atrasos e aproveitou para tirar um sarro: "Ele está com a corda no pescoço". 
A estimativa do MP é que a prefeitura deixou de investir R$ 2,3 bilhões na saúde. Mas, entre 2017 e 2019, aumentou os gastos com propaganda em 50%. Crivella só se interessa em cuidar dele mesmo e dos interesses que representa. Não se reeleger --o mais provável, já que 72% dos cariocas consideram sua gestão ruim ou péssima, segundo pesquisa do Datafolha-- revela o fracasso da Igreja Universal na administração pública.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".