terça-feira, 5 de novembro de 2019

Engenheiro cria negócio inclusivo que revoluciona mercado de reciclagem, FSP


Cristiano Cipriano Pombo
SÃO PAULO
O paulistano Henrique Guilherme Brammer Júnior, 42, sempre gostou de desmontar coisas para saber como são feitas e funcionam.
E essa curiosidade moldou suas escolhas e define hoje seu trabalho como engenheiro de materiais e empreendedor social à frente da Boomera. “Eu sou lixeiro”, diz o pai de Carolina, 7, e João Pedro, 3.
No país que só recicla 4% de todos os dejetos que produz, Brammer Jr. se embrenhou pela rota mais desafiadora no seu negócio de impacto social: lidar com resíduos de difícil reciclagem (plásticos com dupla ou tripla composição).
Sua vocação começou a ser desenhada aos 17 anos, quando “desmontou” uma coisa que o avô amava —um Voyage GTI vinho. Pegou o carro escondido, sem carteira de habilitação, e o destruiu num poste na zona sul de São Paulo.
O acidente lhe propiciou uma das grandes lições que mudaram sua vida. Em vez de bronca homérica, o jovem recebeu uma carta do avô naquele Natal de 1994. Nela, Edward de Mello disse ao neto que bens materiais são substituíveis e ações definem as pessoas. Por isso, ele deveria ter propósitos na vida.
O adolescente que andava meio perdido deixou de sair com os amigos e abandonou até o futebol —até jogou com Kaká, Belletti e Caio Ribeiro no clube Paineiras. “Meti na cabeça que tinha que ir para a faculdade para ser alguém”, relata, após choro emocionado ao se lembrar do avô.
Formou-se em engenharia de materiais e foi atuar, como o pai, em indústria de embalagens e grandes empresas que produziam plástico, aço e papel. “E me questionava se o que fazia era deixar resíduo como legado. Não queria ser conhecido por vender plástico.”
A inquietude o tornou o “chato do cafezinho”. Até que em 2007, quando, já casado com a engenheira de alimentos Fernanda Andrade, foi chacoalhado pela perda do sogro devido a um câncer. “Ele, fazendo quimioterapia, vinha ao escritório às duas da tarde e me chamava para beber cerveja e comer coxinha. Ele dizia que a vida precisava ser vivida intensamente.”
E a intensidade veio em vários lances na vida de Brammer Jr.. Ao ler o livro “Revolution in a Bottle”, entrou no LinkedIn e mandou mensagem para o autor, Tom Szaky. “Ele me pediu, então, que eu o encontrasse numa reunião que teria no Brasil.”
No meio do encontro, o americano disse que ele era o novo CEO da empresa. E ele aceitou presidir a TerraCycle, que atua com reciclagem. Ficou nela um ano. Saiu para montar o próprio negócio de impacto social. “Eu tinha visitado uma cooperativa de catadores , e aquilo foi um soco no estômago. Como pessoas, em ambientes tão insalubres, tinham tanta alegria e propósito em suas ações?”
O contato o fez se atirar de cabeça na causa. Ele já tinha ido a evento vestido com terno feito de embalagens de chocolate para mostrar que era reciclável. Mas teve contratempos, como perder a própria empresa, a Wise Waste, para o sócio. “Foi duro chegar para trabalhar, após o rompimento, e não ter nem computador.”
A paixão que o levou a recriar o negócio teve como marco o nascimento da filha Carolina, em 2012. “Ela me trouxe sorte e força para batalhar e começar tudo de novo.”
Dedicado à família (“Nunca tive babá e não perco uma reunião da escola”), entusiasta de AC/DC e de rock’n’roll (“Não perdi um show do Paul McCartney no Brasil”) e apaixonado por moto (“Não perco a chance de dar uma volta e nunca caí”), Brammer Jr. criou um mantra para a vida e para sua empresa. “Do início ao início”, repete ele, um dos pilares da economia circular. 
E, para ir além da reciclagem de material, ele criou a CircularPack, metodologia baseada em seis passos, que propõe jornada completa às empresas desejosas de mergulhar no novo conceito. Na prática, a Boomera fez com que embalagens de Tang, por exemplo, virassem 15 mil instrumentos musicais, doados a cem escolas públicas em 2014.
Ao mesmo tempo em que conquistava clientes com ideias originais e benéficas ao ambiente e à sociedade, Brammer Jr. desbravou o Brasil das cooperativas de catadores, 200 delas hoje parceiras da Boomera em 13 estados.
Telines Basílio do Nascimento Jr., 54, o Carioca, que preside a Coopercaps, na zona sul de São Paulo, conta o impacto de ter conhecido Brammer Jr. “A gente, quando começou, tirava R$ 50 a cada três meses. Hoje, conseguimos pagar de R$ 1.400 a R$ 1.700 a cada cooperado por mês”, compara. “Vejo a Boomera se preocupar, primeiro, com as pessoas.”
São 8.000 catadores impactados com cursos de gestão, mentorias, reforma de refeitórios, banheiros novos e aparatos de segurança do trabalho. 
O brilho nos olhos não é só de quem atua com Brammer Jr. “Eu o considero um visionário. Com a Boomera, todos os atores têm peso igual”, diz Gabriela Onofre.  Quando era da P&G, a executiva deu o ok para a multinacional se tornar a cliente nº 1 da startup.
Além de ajudar as empresas a cumprirem a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, que responsabiliza as fabricantes pelo destino correto do lixo gerado por seus produtos, colocando-as em conexão com os catadores, Brammer Jr. também une esses dois atores da cadeia à academia.
Tanto que a Boomera conta com um laboratório de pesquisas no Instituto Mauá. Ali surgiram inovações como reciclar fralda descartável usada —hoje recicla três toneladas vindas de creches de São Paulo, que passam por esterilização e viram cestos e cabides.
Mais do que “rei do lixo”, como é chamado, Brammer Jr. se considera um conector. “Consigo juntar as pessoas. Catadores, gestores e acadêmicos. É um ganha-ganha para todos.”
O nascimento do segundo filho, João Pedro, veio no ano em que ele comprou fábrica de embalagens em Cambé (PR), marco que permitiu crescimento agressivo do negócio. “Ele me deu coragem para enfrentar esse novo desafio.”
De 30 funcionários, a Boomera tem agora 150. O salto também veio no faturamento, que deve atingir R$ 100 milhões em 2020, com a abertura de nova fábrica, em Atibaia (SP). 
Mas, para Henrique Guilherme Brammer Jr., que tatuou no corpo o símbolo da economia circular (e mais seis tatuagens) e deu nova vida a 60 mil toneladas de plástico, o mais importante é saber que os catadores têm uma vida melhor e que seus filhos se orgulham do seu trabalho. O avô e o sogro dele também se orgulhariam.
Boomera
Fundação
2011
Formato
Negócio de impacto social
Área de atuação
Economia circular e inclusão

Avaliação de pós-graduação passará a incluir impacto social e interação regional, FSP

Paulo Saldaña
BRASÍLIA
O novo sistema de avaliação de pós-graduação no Brasil vai ampliar a análise de indicadores e passará a focar fatores como impacto social, interação com o setor produtivo regional e a vocação de cada programa. A própria escala de notas atribuída aos cursos deve ser alterada.
governo Jair Bolsonaro (PSL) planeja ter o novo modelo até o fim de 2020, para que a implementação ocorra no próximo ciclo de avaliação, que começa em 2021 —o ciclo é realizado a cada quatro anos, com acompanhamentos periódicos.
avaliação dos cursos de pós-graduação —mestrado e doutorado— é de responsabilidade da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), autarquia ligada ao MEC (Ministério da Educação).
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As discussões do novo modelo começaram oficialmente em 2017, ainda no governo Michel Temer (MDB).
Os programas de pesquisa recebem notas com base no desempenho em indicadores, mas as informações de pesquisa (como quantidade de artigos e citações) têm maior protagonismo. Outros aspectos, como impacto social, carecem de indicadores e ficam sem peso na avaliação final.
O objetivo da reformulação é, segundo a Capes, garantir um acompanhamento que reflita um panorama mais amplo dos pontos fortes e áreas em que há necessidade de melhoria de cada programa.
presidente da Capes, Anderson Ribeiro Correia, diz que a chamada análise multidimensional também servirá para induzir pesquisas de maior impacto científico, social e econômico.
"Com a avaliação, vamos incentivar que a pesquisa tenha maior impacto na sociedade, na indústria, estaremos em busca de uma pesquisa mais relevante", diz Correia.
O novo sistema trará indicadores em cinco dimensões: transferência de conhecimento, internacionalização, impacto na sociedade, formação e pesquisa.
A Capes ainda analisa quais serão os indicadores de cada dimensão, mas devem compor esse sistema, por exemplo, informações de pesquisas com engajamento regional, evolução salarial do egresso, criação de empresas e projetos de extensão universitária.
"A gente quer que a universidade cumpra sua vocação regional e os indicadores vão medir [esse impacto]", diz.
O próprio sistema de notas será alterado. Em vez de ter um conceito único por programa, haverá uma nota para cada uma das cinco dimensões.
Atualmente, a escala de notas vai de 1 a 7. Para funcionar, programas precisam receber conceito mínimo 3.
Essa avaliação norteia a priorização de concessão de bolsas e também a autorização de funcionamento dos cursos.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem feito críticas à qualidade da pesquisa brasileira, que, segundo ele, teria baixo impacto.
A Capes passou neste ano por um corte que atingiu 8% das bolsas de pesquisa por causa de bloqueios de orçamento. A maior parte dos cortes atingiu programas nota 3.
O governo ainda planeja uma fusão da Capes com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), outra agência de apoio à pesquisa ligada ao Ministério da Ciência.
O país tem 4.591 programas de pós-graduação. Um terço tem nota 3, metade deles recebe notas 4 e 5, e 11%, 6 e 7. Essa escala de notas deve ser alterada. Estuda-se uma escala que vá até 5.
Informações sobre pesquisa e formação continuarão, entretanto, como primordiais: um desempenho mínimo nesses quesitos deve permanecer como parâmetro de autorização de funcionamento.
Os cursos deverão ter bons indicadores em todas as dimensões, mas haverá um olhar diversificado para cada área.
Um curso de filosofia não terá, naturalmente, necessidade de transferir tecnologia. Por outro lado, um mestrado profissional que não tiver bons indicadores de relação com o mercado pode ser descredenciado, segundo exemplos do presidente da Capes.
Parte desses aspectos não é ignorada na avaliação atual, mas, segundo a Capes, não ganha destaque pela falta de indicadores definidos.
"Hoje, o impacto social tem visibilidade menor pela falta de indicadores claros", diz a diretora de Avaliação da Capes, Sônia Báo.
Análises internas da Capes mostram que há programas que poderão ter notas reduzidas, como alguns considerados de excelência internacional (6 e 7) mas que não registram indicadores de internacionalização consistentes.
Por outro lado, pós-graduações que tenham bons resultados de inovação poderão ter seu trabalho mais evidenciado.
A cientista Helena Nader, presidente de honra da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), avalia como positiva a proposta, mas ressalta alguns riscos em relação à definição de indicadores.
"Meu medo é banalizar. Tem de ter critérios muito claros, e, antes de pôr em prática, simular para entender o impacto", diz ela, que também diz estar preocupada para que o novo modelo não desprestigie a pesquisa básica. "Há uma dificuldade com patentes, porque demora dez anos para aprovarem."
"O grande desafio é que a evolução do modelo ocorra sem sustos, sem causar descontinuidade no processo avaliativo", afirma o professor Jorge Audy, da PUC-RS, que preside a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação, que trabalha nas discussões.
Mais de 80% dos programas funcionam em instituições públicas, apesar de, na graduação, 75% dos alunos estarem em particulares.
O presidente da Capes diz que o novo modelo deve beneficiar os dois lados: vai incentivar as públicas a buscarem recursos e parcerias com a iniciativa privada e valorizar as privadas que têm maior facilidade de fazem isso.