sábado, 3 de agosto de 2019

Rubens Valente - Jair desmentiu Bolsonaro, FSP

Agenda das 964 audiências e conversas mantidas pelo presidente desmontam a promessa de 'governo para todos'

"Governarei para todos”, disse o presidente na diplomação em 10 de dezembro de 2018, no TSE. “Construirei uma sociedade sem discriminação ou divisão”, repetiu na posse, em 1º de janeiro.
Quem percorrer os 964 compromissos da agenda de Jair Bolsonaro em audiências, almoços e jantares da posse na Presidência até esta sexta-feira (2) embarcará numa viagem lisérgica por cultos evangélicos, jogos de futebol, expoentes da bancada da bala, o cantor Amado Batista e o locutor de rodeios Cuiabano Lima. E empresários, muitos e riquíssimos empresários e seus poderosos grupos de pressão.
Também perceberá para quem Bolsonaro governa. Ele recebeu altos executivos das multinacionais Exxon e Shell, mas nenhum representante dos petroleiros brasileiros contrário à venda dos ativos da Petrobras. Falou várias vezes com ruralistas, mas com nenhum porta-voz legítimo dos sem-terra, quilombolas ou indígenas (fez só uma live com um grupo de índios sem representatividade, levados ao Planalto por ruralistas).
Bolsonaro não manteve audiência com nenhum representante reconhecido da comunidade LGBTQ, mas teve oito encontros com pastores evangélicos. Também participou de um certo Ato de Consagração do Brasil a Jesus Cristo por Meio do Imaculado Coração de Maria.
No Rio, Bolsonaro foi à formatura de paraquedistas do Exército, mas não recebeu em audiência nenhuma organização dos milhares de cariocas das comunidades carentes que sofrem com milícias, narcotraficantes e execuções extrajudiciais. No Planalto, não teve audiência com líderes sem-teto, ambientalistas, cientistas, antropólogos, escritores, professores e cineastas de relevo, embora tenha recebido um grupo identificado como “Youtubers de Direita”.
A agenda comprova que aquele Bolsonaro estadista nunca passou de uma ficção. O verdadeiro Jair, parcial, sectário e divisionista, governa só para um lado do Brasil desde o primeiro dia.
Rubens Valente

Deltan deve ir para a cadeia?, FSP

É bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas tenha se tornado público

Não há muita dúvida que é bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas do pessoal da Lava Jato tenha se tornado público. Pudemos entender melhor como funcionam as entranhas da Justiça e ampliar nosso conhecimento sobre a natureza humana.
As consequências políticas da divulgação são inevitáveis. Sergio Moro e Deltan Dallagnol saem menores do episódio. Poderão ter dificuldades em dar seguimento ao que planejavam para suas carreiras. O caráter messiânico da Lava Jato também sai arranhado, o que não é mau desde que não se sacrifique toda a operação. Parece-me complicado, entretanto, usar as interceptações, que são um caso claro de prova ilícita, para condenar juridicamente quem quer que seja.
A questão das provas ilícitas é complicada, e a doutrina não é unânime, mas, de um modo geral, entende-se que elas não apenas não podem ser usadas no processo penal como ainda contaminam outras provas com que entrem em contato. Há, contudo, exceções. Elas podem, por exemplo, inocentar um réu.
Imaginemos um sujeito que foi condenado à morte, mas aparece uma gravação, obtida ilegalmente, em que outra pessoa admite ter cometido o homicídio. Seria obviamente uma loucura seguir com a execução, ainda que a prova seja ilegal e não sirva para condenar o real assassino.
Não é exatamente a mesma coisa, mas acho que, por derivação, dá para sustentar que as interceptações, ao revelar que Moro agiu com parcialidade em certos processos, podem levar à sua suspeição e possivelmente à anulação de algumas decisões. Usar essas provas para condenar Moro ou Dallagnol por algum crime que possam ter cometido, contudo, já me parece avançar demais.
O irônico aqui é que dupla fez um forte lobby para que o Congresso aprovasse uma legislação que flexibilizaria a vedação do uso de prova ilícitas. Eles perderam. Não acredito em deuses, mas admito que eles têm um profundo senso de ironia.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Cientistas dizem que, apesar de esperada, demissão de diretor do Inpe é chocante, fsp

Phillippe Watanabe
SÃO PAULO
​Pesquisadores brasileiros dizem que a exoneração de Ricardo Galvão, diretor do Inpe, não é surpreendente, mas ainda assim é chocante e pode prejudicar a imagem do país no exterior. 
O ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) decidiu exonerar nesta sexta (2) o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, após Bolsonaro, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e o próprio Pontes criticarem dados sobre desmatamento.
O diretor do Inpe, Ricardo Galvão, foi exonerado pelo ministro Marcos Pontes nesta sexta (2)
O diretor do Inpe, Ricardo Galvão, foi exonerado pelo ministro Marcos Pontes nesta sexta (2) - Agência O Globo - Lucas Lacaz Ruiz
Luiz Davidovich, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), afirma à Folha que Galvão é um cientista respeitado internacionalmente pela sua competência, seriedade e ética profissional. "Ele tem a honestidade do cientista", diz. "É lamentável que o Brasil tenha aberto mão de um brasileiro que contribuiu tanto para o Brasil e que poderia continuar contribuindo."
O presidente da ABC se mostrou preocupado com a possibilidade de a exoneração de Galvão impactar outros centros de pesquisa, com cientistas sendo inibidos a tornar públicos dados de pesquisas. 
"Não queremos criar uma situação em que diretores de instituto fiquem inibidos de transmitir o que ciência tem a dizer sobre questões relevantes para a sociedade", diz Davidovich. "Porque eles vão ter que pensar se isso vai ser conveniente ou não para os políticos. Isso não faz parte da ciência."
O pesquisador afirma que a discussão de dados é sempre válida, mas que precisa ser feita a partir de argumentos científicos. 
"O Inpe está aparelhado para aumentar a precisão [dos dados de desmatamento], é só contratar um satélite. Pode atender a demandas governamentais de maneira mais barata do que empresas privadas", diz Davidovich. 
Junto às críticas aos dados de desmate do Inpe, Bolsonaro e Salles anunciaram que irão abrir licitação para contratação de empresas que façam monitoramentos diários, em tempo real e em alta resolução. 
Em nota, Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de 47 organizações da sociedade civil, diz que a exoneração é lamentável, mas esperada. "Ele selou seu destino ao não se calar diante das acusações atrozes de Jair Bolsonaro ao Inpe. Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados de desmatamento, ao chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional para os ataques sórdidos, autoritários e mentirosos de Bolsonaro e Ricardo Salles à ciência do Inpe."
Rittl também afirma que a imagem do Brasil fica comprometida pela "cruzada contra os fatos".
Ronald Cintra Shellard, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, também disse que, apesar de esperada, a exoneração é chocante. Segundo Shellard, a demissão pode prejudicar a imagem do Brasil no exterior. “Esse evento vai trazer uma reputação para o país muito séria. Vai ter consequência muito negativa sobre como o país trata os cientistas."
O diretor da CBPF usa artigo da revista científica Nature, publicado nesta quinta, como exemplo. O texto “‘Tropical Trump’ sparks unprecedented crisis for Brazilian science” (‘Trump tropical' leva ciência brasileira a crise sem precedentes, em tradução livre) cita os ataques de Bolsonaro aos dados produzidos pelo Inpe.
Shellard afirma que a indignação do pesquisador é compreensível. “Cada um teria reagido de maneira distinta, mas o ponto fundamental é que não é aceitável que autoridades faltem com respeito a subalternos”, diz o diretor do CBPF. “Autoridades não têm o direito de faltar com respeito ao cidadão.”
Segundo Shellard, é preciso deixar claro que o desmatamento na Amazônia é uma responsabilidade dos ministros, do presidente e de toda geração atual com as pessoas que estarão vivas em 2100. 
“O Presidente da República tem uma filha nova que vai estar viva em 2100. A questão da Amazônia vai ter um impacto importantíssimo na vida dos nossos filhos e netos. É preciso ter responsabilidade para entender o que está acontecendo antes de reagir”, diz o pesquisador. 
“Ironicamente, do ponto de vista político, Galvão sempre foi conservador”, diz Shellard, que era vice-diretor do CBPF no período em que Galvão foi diretor do centro.
Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, diz, em nota, que a exoneração de Galvão é um ato de vingança. "Bolsonaro sabe que seu governo é o principal responsável pelo atual cenário de destruição da Amazônia. A exoneração do diretor do Inpe é apenas um ato de vingança contra quem mostra a verdade. O novo governo vem implementando no país um projeto antiambiental, que sucateia a capacidade do Estado de combater o desmatamento e favorece quem pratica o crime florestal."