terça-feira, 7 de maio de 2019

Alta da gasolina faz motorista de Uber no Brasil aderir a greve global, FSP

Categoria protesta contra lançamento de ações na bolsa; 99 e Cabify também podem parar

Filipe Oliveira
SÃO PAULO
Motoristas brasileiros de aplicativos de transporte vão aderir a uma paralisação global nesta quarta-feira (8) na semana em que a Uber deve fazer sua estreia na Bolsa de Valores.
Na versão local, os protestos são  contra o que os motoristas consideram baixas tarifas cobradas pela empresa que, somada ao aumento dos preços do combustível, vem corroendo seus gastos e alongando as jornadas de trabalho.
No país, quem aderir à ação deverá desligar seus aparelhos a partir da meia-noite de quarta-feira e ssó voltar ao trabalho no dia seguinte.
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O movimento, que ganhou o nome "Uber Off" (Uber desligado), segue orientação de associações de motoristas internacionais, diz Eduardo Lima de Souza, presidente da Amasp (Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo).
"A Uber passa um valor de tarifa para o motorista muito baixo e a empresa só cresce, ficando bilionária, ganhando valores exorbitantes", diz.
Segundo ele, com a gasolina muitas vezes custando mais de R$ 5 o litro, é comum que motoristas façam viagens nas quais seus ganhos, descontados os custos, são de centavos.
Ele reclama de o último reajuste da Uber ter sido há três anos. Segundo ele, o problema também acontece nas outras plataformas do mercado, 99 e Cabify, e quem trabalha com elas também deve desligar os aplicativos.
A ação é divulgada por grupos de WhatsApp e vídeos no YouTube. Souza diz que, como nem todos os motoristas participam dessas redes, é provável que  ainda haja carros na rua durante o dia de paralisação.
O próprio sistema de precificação das corridas da Uber dificulta uma grande adesão. A partir da ferramenta conhecida como preço dinâmico, a companhia eleva quantia cobrada pelas corridas e, consequentemente, o valor pago aos motoristas, quando a oferta de carros está baixa em determinada região.
​Ou seja, caso muitos profissionais deixem as ruas, o preço das corridas deve subir para reequilibrar oferta e demanda. 
Paulo Reis, presidente da cooperativa de motoristas CoopDrivers, diz que profissionais dos aplicativos, muitas das vezes, vem acumulando prejuízos devido a alta do preço da gasolina e o valor pago pelas empresas.
Ele calcula que seria preciso um aumento de 30% no valor pago por quilômetro rodado e 40% no valor pago por minuto para permitir que motoristas ajustassem suas contas.
"Quem tira dinheiro trabalhando com aplicativo está deixando de pagar alguma coisa. Ou negligencia no combustível, ou na manutenção, ou no imposto."
 
Atualmente a Uber paga, na categoria X, R$ 1,05 por quilômetro rodado, mais R$ 0,195 por minuto, o que é somado a um valor básico de R$ 1,50.
Reis também critica metodologia de preços adotada pela Uber em setembro a partir da qual o preço é definido antes da corrida para o passageiro, mas o valor pago ao motorista só é calculado ao final dela.
O método, na avaliação dele, fez o valor pago na prática diminuir e incentiva os motoristas a demorar mais e fazer caminhos mais longos para aumentar o valor recebido por viagem.
Esse tipo de precificação também foi adotada pela 99 também no final de abril, o que levou motoristas a protestar na porta da empresa, onde foram recebidos para terem suas queixas ouvidas, diz.
No caso da Uber, foi agendada uma reunião na mesma semana. Porém, segundo Reis, motoristas foram até a porta da empresa protestar no mesmo dia, o que fez a multinacional cancelar o encontro.
Questionada sobre a mudança no cálculo do pagamento, a 99 disse em abril que o novo sistema visa ampliar os ganhos do condutor, ao por corrige perdas em situações adversas como congestionamentos ou imprevistos que alterem o trajeto no início da viagem.
 

PROTESTO

Além do desligamento de aplicativos, está programado um protesto às 8h no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. De lá, motoristas devem seguir a pé até o prédio da B3, bolsa de valores de São Paulo. 
As manifestações na rua foram organizadas espontaneamente pelos motoristas, sem a participação da associação, que as apoia.
Reis, que é um dos YouTubers com canal para motoristas, conta participar de grupos no aplicativo Telegram com mais de 6.000 motoristas.
Ele diz acreditar que ao menos 2.000 irão para o centro de São Paulo protestar, mas muitos seguirão trabalhando.
"É uma filosofia nossa, desde o começo, de que, se vai fazer paralisação, tem de ser de forma que enão prejudique a cidade."
O motorista afirma que grupos virão de Sorocaba, Santos, Campinas e São José dos Campos para participar da manifestação.
 
Os YouTubers do setor recomendam que os motoristas trabalhem por mais horas nos dias anteriores à paralisação para não terem prejuízo. Também pedem respeito aos que decidirem trabalhar nesta quarta por precisarem pagar suas contas.
Motoristas ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato confirmaram estar a par do movimento e que não ligariam seus aplicativos em apoio.
Uma motorista reclamou por trabalhar mais de 12 horas por dia em meio a um trânsito caótico, ganhar pouco e ver o preço da gasolina aumentando dia a dia.
Em seu lançamento de ações, a Uber espera atingir US$ 91 bilhões em valor de mercado e arrecadando até US$ 9 bilhões. 
O Brasil tem cerca de 1 milhão de motoristas por aplicativos, estima o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e estatística).
 
A Uber disse que não iria comentar.  A 99 afirmou ser a favor da liberdade de expressão e de manifestação.
A Cabify disse que reconhece o direito da livre manifestação pacífica dos motoristas e busca continuamente o diálogo com seus parceiros para oferecer uma plataforma de mobilidade que abranja as necessidades de todos.
A empresa afirma que está sempre buscando melhorar o atendimento e a experiência dos motoristas parceiros e, por isso, eventualmente realiza ações e ofertas de benefícios, como descontos em combustível para ajudar os motoristas a reduzir despesas e aumentar seus ganhos.

Viver entre sonâmbulos, FSP João Pereira Coutinho


Na cultura popular, a Segunda Guerra Mundial é sucesso de bilheteria. Se olharmos bem para o conflito, encontramos dois inimigos dignos de filme (Hitler e Churchill); duas superpotências rivais operando do mesmo lado (Estados Unidos e União Soviética); um genocídio sem comparação na história (o Holocausto); e duas bombas nucleares que foram usadas contra o Japão e que confrontaram a humanidade com a certeza da sua própria aniquilação. E, no entanto...
No entanto o conflito que define o século 20 não é a Segunda Guerra, mas a Primeira. Às vezes, nos meus momentos de ociosidade, pergunto o que teria sido da Europa e do mundo se o arquiduque Franz Ferdinand, putativo herdeiro do trono austro-húngaro, não tivesse sido assassinado em Sarajevo por Gavrilo Princip, um obscuro terrorista sérvio.
Ilustração
Angelo Abu/Folhapress
Nessa história alternativa, não teriam morrido 20 milhões de pessoas (civis e militares), não teriam desaparecido três impérios seculares (o russo, o austro-húngaro, o otomano).
E, abrindo um pouco mais o quadro, Lênin não teria chegado ao poder e Hitler não teria explorado, com sucesso, o ressentimento alemão contra o Tratado de Versalhes.
A história alternativa vale o que vale. Em 1914, Franz Ferdinand foi mesmo assassinado —e o sistema de alianças que se tinha formado na Europa (com a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália de um lado; a França, o Reino Unido e a Rússia do outro) entrou em funcionamento. E como se chegou até ao abismo?
Existem milhares de livros que procuram explicar as causas da guerra. Sugiro apenas um: "Os Sonâmbulos", de Christopher Clark. É um título perfeito para traduzir o estado de não consciência com que as nações europeias se entregaram ao massacre.
Pensei em Christopher Clark quando assistia ao segundo longa de László Nemes, "Entardecer", em cartaz no Brasil.
Fiquei cliente do diretor húngaro com "O Filho de Saul", o melhor filme que conheço sobre o Holocausto. É a história de um Sonderkommando —um ajudante-prisioneiro dos nazistas nos campos de extermínio— que, no meio do horror, procura um rabino para que possa enterrar condignamente o seu filho.
A câmera de Nemes, sempre colada ao rosto e aos movimentos de Saul (assombroso Géza Röhrig), era tão concentracionária como o espaço infernal em que o personagem se movia.
Exceto na sequência final —uma das mais belas do cinema europeu contemporâneo—, em que há pela primeira vez distanciamento, libertação e espaço.
"Entardecer" obedece ao mesmo dispositivo formal, recuando no tempo histórico. Estamos em 1913, em Budapeste. Irisz Leiter (Juli Jakab) regressa à cidade depois de uma longa ausência para procurar emprego na loja de chapéus que já foi dos seus pais.
Mas Irisz quer mais do que um emprego; ela deseja saber o que se passou com os progenitores (que morreram em circunstâncias obscuras) e, no processo, encontrar um irmão ainda vivo.
"Entardecer" é a história dessa busca permanente, obsessiva, destrutiva. Mas Nemes utiliza as demandas de Irisz como pretexto para algo mais ambicioso.
Nas suas memórias sobre as vésperas da Primeira Guerra, o escritor Stefan Zweig comentava: é mais fácil reconstituir os fatos que deram início ao conflito do que o "estado de alma" que se vivia na Europa.
O filme de Nemes é essa tentativa admirável de captar o que é volátil e intangível —um "estado de alma" histórico. Para isso, ele recria uma atmosfera ameaçadora, violenta, opressiva, povoada por seres que falam e atuam nesse estado de sonambulismo de que falava Christopher Clark.
Mas o livro de Clark não empresta apenas o seu título ao torpor histérico de "Entardecer". Em entrevistas várias, László Nemes parece reproduzir o que Christopher Clark escreveu na sua obra: o universo de 1914 voltou a estar bastante próximo de nós.
Durante a Guerra Fria, a estabilidade de um mundo bipolar transformou os personagens que fizeram a Grande Guerra em seres anacrônicos, irreais, vindos de outro planeta.
Pois bem: com a anarquia reinante que a queda do Muro de Berlim proporcionou, libertando forças que os dois blocos ideológicos tinham mantido sob controlo, estamos de volta a 1914.
Com elites distantes; massas revoltosas; terroristas imprevisíveis; e uma espécie de irracionalismo político que é transversal a todas as famílias ideológicas.


João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

A batalha dos mortos e dos vivos, Nizan Guanaes, FSP (definitivo)

Nesses 40 anos de publicidade, vi impérios florescerem e ruírem. A diferença no mundo de hoje é a velocidade com que ambas as coisas acontecem. Mas o padrão do declínio, aos meus olhos, segue bastante parecido, permeado por nuances nos diferentes setores.
Não é científico o que vou descrever, nem baseado em data. É baseado em tudo o que vi e senti, nas coisas que passaram pela minha frente e pelas minhas costas, nas coisas que ficaram para trás e que foram para a frente, inclusive nos meus negócios.
Os passos que levam ao fim, seja o fim de um negócio, de um setor, de uma era, de uma vantagem competitiva, começam com um primeiro passo que é negar o futuro. Adoro a palavra inglesa “denial” (negação).
Arya Stark, personagem da série Game of Thrones interpretada por Maisie Williams
Arya Stark, personagem da série Game of Thrones interpretada por Maisie Williams - Divulgação
Organizações e pessoas perdem tempo precioso negando um sol nascendo, um novo modelo de negócio, uma disrupção tecnológica. Quando lançamos o iG, em 2000, vivia ouvindo chacota. Para muitos, o modelo de internet grátis parecia uma aberração. Ia às agências vender mídia, e profissionais muito inteligentes perguntavam: “Você acha mesmo que esse troço de internet vai dar certo?”.
Assustador que perguntassem isso no passado, mas mais assustador que perguntem isto hoje: “Você acha que a venda online vai vingar?”. A resposta é Magalu, uma rede de lojas com valor de mercado de mais de R$ 35 bilhões, que tem uma senhora rede física e uma experiencia digital incrível.
A negação consome anos que a empresa podia estar devotando à reinvenção. No pior cenário, pode levá-la ao fim.
A indústria da carne vai gastar um tempo precioso negando empresas de “carne vegetal” como Beyond Meat e Impossible Foods, mas Beyond Meat estreou na Nasdaq semana passada com uma alta de 163% no primeiro dia. E um amigo que sabe tudo desse mercado disse que o sabor do hambúrguer vegano da Impossible Foods é fantástico.
O segundo passo terminal é tentar evitar o futuro com vantagens regulatórias. O consumidor, cada vez mais empoderado e informado, vai ruir esse escudo que o faz pagar mais caro por produtos piores do que os que um mercado aberto e competitivo pode oferecer.
O terceiro passo terminal é tentar replicar o futuro de um jeito antigo, o que é perda de tempo (irrecuperável) e de dinheiro (idem).
Outro passo rumo ao fim é gastar tempo demais com os resultados do trimestre, do dia a dia, e, de tanto focar o resultado, não ter gente suficiente na empresa olhando o vento, a nuvem, o céu.
Fica a pergunta que não quer calar: de que lado você está? Dos vivos ou dos mortos-vivos? A batalha dos vivos e dos mortos-vivos em “Game of Thrones” é a batalha das empresas, dos pensamentos, dos Estados.
E, se você quer sobreviver, é bom saber quem é a Arya Stark da sua empresa, a corajosa personagem da série da HBO, ágil e jovem como uma startup, que mata com sua adaga o Rei da Noite, comandante dos mortos-vivos.
E, antes que eu encerre esta coluna com a soberba dos sabe-tudo, quero revelar um momento em que não dei a devida atenção ao futuro.
Fui convidado para falar sobre o Brasil num evento organizado por Bill Gates. Estavam lá os maiores presidentes-executivos do mundo e gente como Jeff BezosWarren BuffettMartin Sorrell, Barry Diller.
Um sujeito chegou do meu lado e se apresentou: “Oi, sou o Reed Hastings, tenho uma empresa que está começando aqui nos EUA e precisando de ajuda no Brasil”.
Eu não ouvi o cara direito, não dei muita atenção, mas o nome da empresa dele era Netflix.