sexta-feira, 5 de abril de 2019

Uma decisão salomônica, FSP

Juiz não convence ao condenar gêmeos a dividirem paternidade de uma menina

Em Goiás, o juiz Filipe Luis Peruca determinou que gêmeos paguem pensão alimentícia a uma menina
Em Goiás, o juiz Filipe Luis Peruca determinou que gêmeos paguem pensão alimentícia a uma menina - Reprodução/Bom Dia GO
Comento hoje o estranho caso do juiz que condenou gêmeos idênticos a dividirem a paternidade de uma menina. A mãe não sabe dizer com qual dos dois manteve um relacionamento sexual. O teste de DNA, como esperado, aponta que ambos têm material genético compatível com o da criança —com a probabilidade de 99%. Aí, diante da recusa dos irmãos em indicar quem é o pai, o magistrado fez a opção salomônica por condenar os dois.
Reconheça-se que o juiz, Filipe Luis Peruca, tenta justificar sua decisão com base em raciocínios jurídicos. Em tempos de Bolsonaros, Araújos e Vélezes, devemos louvar autoridades públicas que utilizem argumentos racionais. Mas Peruca não me convenceu.
Se estivéssemos tratando de estupro, decisão idêntica teria mandado um inocente para a cadeia, violando os mais sagrados princípios do direito. É verdade que casos de família não cobram o mesmo rigor probatório que se exige no direito penal, mas, ainda assim, resta uma dificuldade fática insuperável: apenas um dos irmãos é o pai da menina.
Os gêmeos, diga-se, não são santos. Ao que consta, desde a infância se aproveitam da semelhança física para obter vantagens indevidas. Estariam agora repetindo o padrão para escapar da Justiça. Não penso, porém, que a condenação por paternidade seja a resposta certa. Faria mais sentido inculpá-los (aí decerto os dois) por litigância de má-fé e talvez até por fraude processual.
A sabedoria de Salomão não está em ter mandado dividir a criança ao meio, mas em interpretar sensatamente as reações dos envolvidos, decidindo em favor da mulher que desistira do bebê. 
A posição salomônica aqui teria sido a de condenar só um dos gêmeos (aleatoriamente ou valendo-se de indícios tênues, como o nome de batismo com que ele se apresentou à mulher). Se fosse o irmão errado, e no pressuposto de que há algum amor fraterno entre os dois, o certo se apresentaria.
 

 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

    quarta-feira, 3 de abril de 2019

    7 motivos para não acreditar em influenciadores digitais, FSP

    Marcos Nogueira
    Hoje, às 15h50, eu vou participar de um debate bem interessante no Food Forum, que acontece no shopping JK Iguatemi. O tema é: “A comida e as redes”. Basicamente, como a substituição das mídias tradicionais pelas redes sociais influiu no mercado da alimentação.
    Se você estiver em São Paulo e ler isto mais ou menos cedo apareça. Mas já vou adiantando o que pretendo dizer.
    Em primeiro lugar, que a transição para as redes operadas por qualquer zé-mané é um fato irreversível. Precisamos aprender a lidar com isso. As empresas precisam aprender a usar as redes de forma inteligente e ética. Eu, um jornalista da era do papel, estou sambando para aprender a pilotar essas ferramentas.
    Segundo, o panorama atual é criticamente ruim. Simplesmente não se pode confiar nas informações postadas por influenciadores do Instagram, do Youtube ou do raio que o parta. Listo abaixo alguns motivos:

    1. Jornalistas, por mais defeitos que tenham, são treinados para respeitar limites éticos que separam a notícia da publicidade. Alguns não respeitam esses limites, é verdade. Mas os influenciadores, em sua maioria, simplesmente desconhecem a diferença entre conteúdo isento e patrocínio.
    2. Muitos influenciadores são gente deslumbrada, que ganha a vida em outra atividade e acha sensacional trocar jantares e viagens por posts de três ou quatro linhas. Não existe profissionalismo no ofício.
    3. Os amadores deslumbrados não têm noção das consequências daquilo que publicam. Muita informação é jogada de forma irresponsável nas redes. Vide a Rawvana, youtuber vegana que vendia planos de dieta e foi flagrada comendo peixe.
    4. As empresas interessadas se aproveitam da ignorância e da falta de princípios dos influenciadores para fazer publicidade disfarçada –e muito barata. Posts pagos não são identificados como tal. O leitor fica sem saber o que é opinião sincera e o que é anúncio.
    5. Trabalho barato, como de costume, significa trabalho feito nas coxas.
    6. Lacração não é sinônimo de credibilidade. O influencer x ou y pode ter o maior carisma do mundo e arrebanhar milhões de seguidores, mas isso não que dizer que ele sabe do que está falando.
    7. O comércio de curtidas e seguidores é uma praga das redes sociais. As empresas ainda não têm métodos seguros de saber se o influenciador é o sucesso que diz ser.
    O irônico disso tudo é que eu fui convidado para o debate justamente por ser um influenciador digital, na opinião dos organizadores do evento. Aconteceu sem querer, juro.

    Sistema ferroviário: uma nova JBS?, Opinião Katia Abreu, Revista RF

    A Ferrovia Norte-Sul é assunto relevante que merece a atenção e o interesse dos brasileiros. Mais: deve ser motivo de preocupação. O projeto completo da ferrovia, iniciado na década de 1980, foi estruturado para torná-la a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro, conectando as zonas produtoras centrais aos principais portos de escoamento.
    Infraestrutura e logística são fundamentais: dão competitividade e permitem custos menores de frete que se refletem, na ponta, em preços mais baixos ao consumidor.
    Pelo valor estratégico e pelo elevado custo no bolso do contribuinte (cerca de R$ 17 bilhões), a Ferrovia Norte-Sul deveria atender ao interesse público, garantindo mais competitividade ao Brasil. Só que não.
    Foi um erro o leilão realizado ontem pelo governo, que concedeu a gestão de toda a Norte-Sul por 30 anos, mas não garantiu o direito de passagem para múltiplas empresas. Com mais empresas usando a ferrovia, haveria mais concorrência, mais empregos e menor "custo Brasil".
    Em países avançados, as vencedoras desse tipo de leilão são obrigadas a dar direito de passagem para as outras empresas em até 30%.
     Aqui, fizeram um leilão permitindo 30 anos de concessão e o direito de passagem assegurado é de apenas cinco anos, com um volume de toneladas que beira o ridículo. Ninguém investirá no transporte ferroviário.
    O governo se diz liberal, mas, permitiu reserva de mercado, o que ajudou a concentrar o frete do país. Na malha ferroviária concedida, dois terços dos trechos estão abandonados. As duas empresas só investem nos rentáveis.
    Para se ter uma ideia do impacto, enquanto o custo operacional por mil toneladas por quilômetro na rodovia é de R$ 36, na ferrovia é de R$ 6.
    Em nome do interesse público, entrei na Justiça solicitando a ampliação do uso da ferrovia porque considero uma questão de Estado.
    Não podemos repetir o erro de criar um novo monopólio, a exemplo da JBS. Somos testemunha do que foi a formação desse grupo que quase destruiu a pecuária brasileira.
    As exportações do setor agrícola brasileiro já ultrapassam US$ 102 bilhões ao ano, com superávits comerciais anuais superiores a US$ 88 bilhões. Estima-se que a safra agrícola, neste ano, alcançará 230,7 milhões de toneladas. Apenas 10% transitam pelas nossas ferrovias.
    O maior responsável por este êxito é o agricultor. Graças a ele, nossa agropecuária é mundialmente reconhecida. Foi uma conquista de anos e anos de trabalho.
    Se o governo não pode ajudar, que não venha atrapalhar com leilões restritivos, que não garantem a concorrência nem o aumento da produtividade.