Comento hoje o estranho caso do juiz que condenou gêmeos idênticos a dividirem a paternidade de uma menina. A mãe não sabe dizer com qual dos dois manteve um relacionamento sexual. O teste de DNA, como esperado, aponta que ambos têm material genético compatível com o da criança —com a probabilidade de 99%. Aí, diante da recusa dos irmãos em indicar quem é o pai, o magistrado fez a opção salomônica por condenar os dois.
Reconheça-se que o juiz, Filipe Luis Peruca, tenta justificar sua decisão com base em raciocínios jurídicos. Em tempos de Bolsonaros, Araújos e Vélezes, devemos louvar autoridades públicas que utilizem argumentos racionais. Mas Peruca não me convenceu.
Se estivéssemos tratando de estupro, decisão idêntica teria mandado um inocente para a cadeia, violando os mais sagrados princípios do direito. É verdade que casos de família não cobram o mesmo rigor probatório que se exige no direito penal, mas, ainda assim, resta uma dificuldade fática insuperável: apenas um dos irmãos é o pai da menina.
Os gêmeos, diga-se, não são santos. Ao que consta, desde a infância se aproveitam da semelhança física para obter vantagens indevidas. Estariam agora repetindo o padrão para escapar da Justiça. Não penso, porém, que a condenação por paternidade seja a resposta certa. Faria mais sentido inculpá-los (aí decerto os dois) por litigância de má-fé e talvez até por fraude processual.
A sabedoria de Salomão não está em ter mandado dividir a criança ao meio, mas em interpretar sensatamente as reações dos envolvidos, decidindo em favor da mulher que desistira do bebê.
A posição salomônica aqui teria sido a de condenar só um dos gêmeos (aleatoriamente ou valendo-se de indícios tênues, como o nome de batismo com que ele se apresentou à mulher). Se fosse o irmão errado, e no pressuposto de que há algum amor fraterno entre os dois, o certo se apresentaria.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".