quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Doze milhões de encontros, COLUNAS Guy Perelmuter, OESP

Cupido virtual

*Guy Perelmuter, O Estado de S.Paulo
03 Janeiro 2019 | 03h00
A necessidade de contato com outros seres humanos é uma característica importante de nossa espécie: somos animais sociais. Exatamente como isso ocorreu é objeto de estudo, mas o ponto de partida frequentemente é a teoria da evolução elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). A probabilidade de sobrevivência de indivíduos que pertenciam a grupos era maior, pois eles possuíam maiores chances de sucesso na obtenção de água e alimento e maior proteção contra predadores. Alguns pesquisadores argumentam que foi neste momento – há cerca de duzentos mil anos, com o Homo sapiens – que a origem da linguagem ocorreu, através da coordenação dos esforços do grupo utilizando sons e gestos.
O antropólogo inglês especializado no estudo de primatas, Robin Dunbar, é um dos defensores da teoria de que a evolução da inteligência foi eminentemente uma resposta evolutiva para os desafios de viver em sociedade. Dunbar estabeleceu uma métrica que ficou conhecida como o Número de Dunbar, que indica o limite de relacionamentos estáveis que um indivíduo é capaz de manter. Mais que isso, Dunbar achou uma correlação entre o tamanho do cérebro dos primatas e o tamanho de seus grupos sociais: quanto maior o cérebro, maior o grupo. Para seres humanos, o Número de Dunbar é de aproximadamente 150, indicando que cada um de nós é capaz de sustentar um círculo socialmente ativo de 150 pessoas ao nosso redor.
Ainda mais interessante é a forma como a criação das comunidades de primatas, há dezenas de milhões de anos, teria ocorrido. Em artigo publicado na revista Nature em 2011, os pesquisadores Susanne Shultz, Christopher Opie e Quentin Atkinson, do Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolucionária da Universidade de Oxford, na Inglaterra, sugerem que ao contrário do modelo gradualista – no qual casais evoluíram para clãs, que por sua vez evoluíram para comunidades maiores – as sociedades primatas teriam se expandido de forma explosiva. Segundo sua pesquisa, há cerca de 52 milhões de anos, os ancestrais dos macacos e dos lêmures se separaram, tornando-se mais ativos durante o dia e buscando, pelo mecanismo evolucionário da sobrevivência, segurança nos números: quanto maior o grupo, menos vulnerável a ataques e, ao mesmo tempo, mais elementos estão disponíveis para buscar água, alimento e abrigo.
De fato, milhões de anos depois, a tecnologia passou a ser uma das principais ferramentas para vasculhar os grandes números de indivíduos presentes em nossa sociedade para ajudar na escolha de um companheiro ou companheira. Na coluna passada vimos como isso ocorreu durante a década de 1960, com os primeiros serviços de “matchmaking”. Dez anos depois, nos menos inocentes anos 1970, a face mais obscura e perigosa deste tipo de serviço ficou evidente. Nathan Ensmenger, professor da Escola de Informática e Computação da Universidade de Indiana em Bloomington, nos Estados Unidos, relata o caso de um vendedor de uma livraria localizada na famosa Times Square, em Manhattan, que decidiu vender os dados pessoais de mulheres que participavam de serviços de encontros, obviamente sem o seu consentimento.
O primeiro site para estabelecimento de encontros românticos na era da Internet comercial foi lançado em 1995, e segue em funcionamento após diversas mudanças de controle e de estratégia: o Match atende 25 países e possui três escritórios nos Estados Unidos, dois na Ásia e um no Brasil. Depois disso, diversos tipos de sites e serviços para promover encontros românticos (sejam eles de curto ou longo prazo) foram lançados, modificando de forma irreversível o comportamento social de gerações. Um dos exemplos mais conhecidos sob o controle do grupo Match é o aplicativo Tinder, lançado em 2012 e que baseia-se na localização geográfica de seus usuários para promover encontros. Em apenas dois anos, cerca de um bilhão de tentativas diárias eram realizadas por seus usuários, gerando nada menos que doze milhões de encontros. Como tantas outras aplicações da tecnologia, este segmento também gerou negócios lucrativos. O grupo Match – que além do Tinder é operador dos serviços OkCupid e Match.com – fez sua oferta pública inicial de suas ações em novembro de 2015, e fechou o ano 2018 com valor de mercado próximo a US$ 12 bilhões.
Os riscos serviços de encontros foram expostos em mais de uma ocasião, quando usuários utilizam dados pessoais falsos para atrair e violentar vítimas, por exemplo. Hackers também se aproveitam da frequente sensibilidade das informações disponíveis nas bases de dados destes sites para tentar invadi-los. Em agosto de 2015, por exemplo, os dados pessoais de trinta e sete milhões de usuários do site Ashley Madison (fundado em 2002 para pessoas casadas interessadas em manter um ou mais relacionamentos extra-conjugais) foram expostos.
O fato é que a busca pela companhia ideal move bilhões de dólares em negócios ao redor do mundo – e um dos objetivos desta busca é achar a pessoa ideal para uma convivência que dure o maior tempo possível. A longevidade será o tema de nossa próxima coluna. Até lá.
*Fundador da GRIDS Capital, é Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial
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Hora de arrumação da economia, Celso Ming OESP

O pronunciamento de improviso do ministro da Economia, Paulo Guedes mostrou que o caminho consiste em eliminar a disparada dos gastos públicos e a criação de privilégios e desonerações para um agrupamento de 'piratas privados'

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
02 Janeiro 2019 | 21h00
Os discursos de conteúdo vago da posse do presidente Bolsonaro haviam deixado a impressão de que o governo sabe o que não quer, mas ainda não sabe o que quer.
O pronunciamento de improviso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de grande contundência, mostrou o oposto. Mostrou que o caminho consiste em descentralizar o Estado e eliminar as  fontes de todas as corrupções, que são a disparada dos gastos públicos e a criação de privilégios e desonerações para um agrupamento de “piratas privados”.
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Paulo Guedes, novo ministro da Economia: classe política tem de assumir responsabilidades por Orçamento Foto: Gabriela Biló/Estadão
O Brasil está apequenado na comunidade das nações, como ficou demonstrado no baixo comparecimento de chefes de Estado e de governo na posse de Bolsonaro. Até como promessa, o Brasil já foi maior do que é hoje. E isso aconteceu porque somos um país desgraçadamente desarrumado na economia. É verdade que não estamos mais afogados na crise cambial e na hiperinflação. As contas externas estão robustas, mas como observou o ministro Paulo Guedes, tivemos que amealhar quase US$ 400 bilhões em reservas para levar os outros a acreditarem na nossa capacidade de honrar a dívida.
As contas públicas estão em frangalhos, o crescimento econômico é pífio, a indústria está prostrada e há 12,2 milhão de desempregados. É uma ficha cadastral que dá pena. Mais do que isso, é uma ficha cadastral que não incomoda nenhum concorrente externo. Os desempenhos do México e da Índia vêm sendo acompanhados com mais atenção do que o do Brasil.
A principal proposta do governo na área econômica é o desencadeamento do processo de descentralização das decisões econômicas, de dar primazia às soluções de mercado “que é o que permitiu a inclusão de centenas de milhões de asiáticos”.
Ainda não sabemos se os projetos de reforma pretendidos já estão detalhados. Sabemos apenas que o grande objetivo é manter com firmeza o teto dos gastos para impedir o avanço da despesa. E para segurar esse teto são necessárias as paredes, ou seja, as reformas. A mais importante delas será a reforma da Previdência.
O ministro Paulo Guedes não chegou a revelar se pretende colocar em votação o projeto já em fase adiantada de tramitação no Congresso ou se pretende começar do zero. Mas entende que a aprovação do que tem em mente permitirá o crescimento da economia por no mínimo dez anos seguidos. Se der errado, não haverá saída senão a desindexação da economia e a desvinculação das despesas.
O modelão liberal a adotar está claro. A questão central consiste em saber se vai dar certo ou não, depois de pelo menos 50 anos de descaminho. Os inimigos são conhecidos. São, em primeiro lugar, os que estão ganhando com o sistema atual, os privilegiados, os corporativistas, os que se dedicaram a pilhar o Estado. Por enquanto essa oposição potencial está desestruturada porque levou paulada nas urnas. Mas tentará se recompor.
O outro inimigo pode ser o próprio governo Bolsonaro, se ele não se entender e se ele se perder em picuinhas ou na falta de liderança. De todo modo, se é para colocar o Brasil acima de todos, como diz o slogan do novo presidente, é preciso antes arrumar a economia.

» Ótimo resultado

O saldo da balança comercial em 2018 ficou dentro do previsto: superávit de US$ 58,3 bilhões. A novidade no ano foi o crescimento maior das importações, de 19,7% ante o de 9,6% das exportações. Isso se deveu ao aumento maior do consumo e do PIB, que exigiu mais produtos importados para dar conta da demanda. Para 2019, o mercado (aferido pela Pesquisa Focus, do Banco Central), prevê um superávit de US$ 52 bilhões. Mas o bom resultado da agricultura pode aumentar esses ganhos.

Supercoluna OESP , Prepare-se, Moro: o perigo pode estar muito perto de você, Fausto Macedo

À frente do superministério da Justiça e da Segurança Pública, ex-juiz da Lava Jato terá pela frente as facções do crime organizado, índices de criminalidade elevados e um Congresso cheio de ressentimentos

Fausto Macedo
Repórter especial
01 Janeiro 2019 | 10h30
Caro leitor,
O governo Bolsonaro chegou e, com ele, a nova era Moro. O ex-juiz da Lava Jato, que largou 22 anos de toga, tornando-se alvo de ceticismos e críticas, assume o tão celebrado superministério da Justiça e da Segurança Pública.
Prepare-se, Moro: os desafios de seu "Plano Real" contra a criminalidade são muitos, de várias faces e matizes. Não que você já não esteja habituado às provocações e ao jogo sujo que o enfrentamento ao crime proporciona.
Em cinco anos de Lava Jato, afinal, sobraram-lhe coragem e determinação para enfrentar o mais poderoso crime organizado, o dos doleiros, dos empreiteiros, de altos executivos da Petrobrás e dos políticos até então ditos intocáveis, gente de prestígio, afinal.
Congresso Nacional
Congresso Nacional Foto: José Curz|Agência Brasil
Muitos dirão que, por essa época, você tinha nas mãos a pena pesada do juiz. Uma canetada sua mandava para o xadrez próceres dessa República tão castigada – quem poderia imaginar que um dia iriam para atrás das grades Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, João Vaccari, Renato Duque, Léo Pinheiro, Marcelo Odebrecht, Antonio Palocci, Aldemir Bendine… E Lula também lá!
E agora, Moro? Sem a caneta e sem a toga, você terá o mesmo poder de fogo?
Os incrédulos alimentam a tese frívola de que você trocou o estilingue pela vidraça. Inverteram-se os papéis da sua vida.
Em entrevista ao Estadão, você detalhou como pretende enfrentar a corrupção e os malfeitos na administração pública – missão que, de resto, já conhece bem. Além disso, aguarda-o logo ali um outro crime organizado, o das facções bestiais, que arrancam a cabeça do inimigo no machado, que enfrentam desabridamente as forças de segurança, que mantêm severo domínio do sistema penitenciário, como o Estadão tem informado reiteradamente.
No seu caminho também se ergue uma onda de crimes violentos que varre inclemente as regiões urbanas até os territórios mais remotos do País. O que poderá fazer para unir os Estados na estratégia para golpear tamanho flagelo?
Raul Jungmann e Sérgio Moro
Raul Jungmann e Sérgio Moro Foto: Foto: Assessoria de Comunicação do Ministério da Segurança Pública
Nos últimos dias, você se reuniu com o ministro Jungmann. Soube que trataram, claro, da segurança pública, seus gargalos e limitações.
Qualificar e estimular as polícias urbanas é tarefa difícil. Esta é uma obrigação dos Estados, mas o ministro da Justiça e da Segurança Pública está aí para o que der e vier, tem sua parcela de responsabilidade. O Brasil detém sinistro índice de violência, um dos maiores do mundo. Muita atenção aqui, Moro.
Sim, o perigo pode estar logo ali, muito perto de seu novo endereço, na Esplanada. Eu estou falando do Congresso, onde certamente deputados e senadores o espreitam e torcem o nariz para o juiz da Lava Jato – uns o veem com ressalvas e reservas, outros com ressentimentos. E outros mais com sectarismo.
A menina dos seus olhos é um grupo de projetos de lei para, como você próprio define, "aprimorar o quadro legal contra a corrupção e crime organizado".
Em seu ousado projeto de superministro, já disse publicamente que "a ideia geral é resgatar parte das propostas das 10 Medidas contra a Corrupção" – lembre-se, uma iniciativa da força-tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato que empacou na má vontade e nos interesses não republicanos de parlamentares que esmagaram o texto original.
Em novembro, logo após dar o "sim" ao convite de Bolsonaro, você declarou. “A ideia é que essas reformas sejam propostas simples e possam ser aprovadas em um breve tempo. Sem prejuízo que propostas mais complexas sejam apresentadas. A ideia é apresentar alguma coisa simples, e de fácil aprovação no âmbito do Congresso.”
É certo que você não está isolado nessa nova jornada. Tem ao seu lado a Polícia Federal, corporação que conquistou o respeito de quase todo o País, por sua loquacidade no combate ao colarinho branco. Procuradores da República, estratégicos na ofensiva contra os malfeitos na administração pública, exaltam seu nome e seus métodos. Extraordinário apoio popular o colocou nessa cadeira.
Sérgio Moro
Sérgio Moro em reunião durante a transição. De verde, à direita, a delegada Érika Marena Foto: Dida Sampaio|Estadão
Você recrutou um time de primeira linha para compor seu gabinete – a delegada Érika, que abriu a Lava Jato, vai para o DRCI; o auditor Roberto Leonel, chefe da Inteligência da Receita na grande operação, chega para o COAF; o delegado Pontel, seu braço-direito; e o Valeixo para a direção-geral da PF. Enfim, um esquadrão de elite, aparentemente, munido de carta branca do governo, aparentemente.
Tem agora uma boa oportunidade para reforçar sua cruzada pela prisão em segunda instância, que tantas vezes defendeu em entrevistas ao Estadão.
Certamente, o Congresso deverá ser um obstáculo em relação ao projeto de lei que sonha para um Brasil melhor.
Você poderá tentar contornar essa resistência com diálogo, em meio a um clima favorável. Mas tem ciência e consciência de que as iniciativas não dependem totalmente de novas leis.
Sim, engana-se quem acha que Sérgio Moro ficará refém do Congresso.