Os maiores protestos desde a redemocratização, uma recessão profunda e extensa como não se via desde 1983, o impeachment da presidente da República e uma operação anticorrupção em escala inédita no mundo. Nesse quadro de múltiplas excepcionalidades está mergulhado o Brasil desde 2013.
Pode-se discutir a tese segundo a qual as instituições nacionais não se mostraram suficientemente fortes a ponto de prevenir a explosão de tantos petardos simultâneos. Está fora de questão, no entanto, que o dique da legalidade democrática resiste bem aos testes extremos a que tem sido submetido.
As derrapagens de atores importantes para a sustentação da estabilidade não chegaram a ser graves, embora pudessem quase todas ter sido evitadas mediante um exercício de disciplina e autocontenção.
É imprudente, por exemplo, que o comandante do Exército externe suas interpretações acerca da possibilidade de as eleições serem questionadas após o atentado que vitimou Jair Bolsonaro (PSL). O general Eduardo Villas Bôas, contudo, fez mais que isso em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Pôs-se a criticar suposta ingerência do Comitê de Direitos Humanos da ONU e tachou de “pior cenário” aquele de “termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição como a Lei da Ficha Limpa”, em alusão ao caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Cabe apenas ao Judiciário, respeitando o devido processo legal, arbitrar sobre os argumentos da apelação do líder petista. Por seu turno, o resultado de eleições transcorridas dentro das regras, como acontece rigorosamente desde 1989, legitima-se automaticamente.
Às Forças Armadas, bem como às demais organizações do Estado, cumpre acatar as decisões soberanas das cortes e das urnas. Esse fato da ordem democrática recomendaria às autoridades que lideram segmentos da administração um silêncio reverencial sobre o que é competência de outras instâncias.
Em nada contribui para o apaziguamento dos ânimos —um objetivo que todo brasileiro com responsabilidade coletiva deveria perseguir neste momento— essa conversa confusa em torno de legitimidade da eleição e causas de instabilidade no país. Tanto pior quando o fraseado resvaladiço surge de pessoas que vestem ou vestiram farda.
Em recente entrevista à GloboNews, o candidato a vice de Bolsonaro, o general da reserva Hamilton Mourão, divagou sobre hipóteses que, para ele, poderiam justificar um autogolpe do presidente da República. O rocambole argumentativo não deixou entrever como essa aberração poderia conviver com a Constituição em vigor.
Numa disputa já bastante tensa, em que houve tentativa de assassinar um candidato, esse debate não conduz a lugar nenhum.