Descrença com a política e desconhecimento das regras eleitorais podem ser tiro no pé
Tornaram-se comuns nas redes sociais postagens de notícias de denúncias contra políticos tradicionais virem acompanhadas do pedido “não reeleja ninguém”. Apenas no Instagram, as hashtags #nãoreelejaninguém, #nãoreelejacorrupto, #nãoreelejabandido e afins já contam com mais de 10 mil publicações.
Após quatro anos de Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e com o atual presidente da República apresentando índices irrisórios de popularidade é compreensível que boa parte da população anseie uma completa renovação de nossos quadros políticos.
De acordo com pesquisa Datafolha realizada em junho deste ano, os percentuais da população que afirma não confiar nos partidos políticos, no Congresso Nacional e na Presidência da República estão nos níveis mais altos da história: 68%, 67% e 64%, respectivamente. Como diz o ditado, toda crise traz em si oportunidades – e o crescimento do número de novatos nas eleições deste ano parece ser uma resposta a essa demanda por renovação na política.
Segundo o banco de dados do TSE, neste ano mais de 40% dos candidatos a uma cadeira na Câmara dos Deputados nunca pediram votos antes, um patamar bem superior ao das últimas três eleições.
O grande obstáculo a essa tão desejada renovação no Congresso Nacional está, contudo, no custo das campanhas. Ser eleito no Brasil, em geral, é muito caro. Para começar, as disputas são realizadas nos estados, que são imensos. Além disso, nossos partidos dizem muito pouco ao cidadão, fazendo com que a campanha seja personalista – o que exige ainda mais dinheiro para um candidato se diferenciar na multidão de concorrentes.
Para piorar, os grandes líderes controlam o fluxo de dinheiro arrecadado pelos partidos para financiar as campanhas dos seus candidatos. Era assim na época em que as grandes empresas podiam doar e assim permaneceu depois que se criou um fundo bilionário de recursos públicos destinado a esse fim. Dessa forma, se um candidato não tiver fortes conexões com a direção de seu partido ou se não dispuser de recursos próprios para bancar sua propaganda eleitoral, provavelmente ficará à míngua.
Nesse contexto de custos elevados e dificuldades de obter recursos, as barreiras para um novato se eleger são imensas no Brasil. Ainda assim, na média, 10% das vagas na Câmara dos Deputados vêm sendo preenchidas por candidatos estreantes em eleições – um percentual elevado para os padrões internacionais. Esse resultado, porém, é bastante enganoso.
Analisando o perfil dos 55 deputados federais que se elegeram de primeira em 2014, vemos que 25 são herdeiros de políticos tradicionais. No Brasil atual, ser filho(a), neto(a) ou esposa de político garante não apenas prestígio junto ao eleitorado, mas sobretudo acesso privilegiado a recursos partidários em função de seus laços de parentesco.
O restante dos deputados eleitos contornou as restrições financeiras e o fato de ser desconhecido do eleitorado por outros meios. Onze deles eram empresários que bancaram a maior parte dos gastos de suas campanhas. Outros seis conseguiram um lugar ao sol por serem pastores evangélicos ou líderes de outras denominações religiosas – posições que garantem um grande rebanho de eleitores. Completam o grupo radialistas, dirigentes de clubes de futebol e servidores públicos; todos com audiências próprias que os permitem superar a necessidade de recursos.
Além de demonstrar o quão difícil é, para um neófito, ser eleito no Brasil, os números acima são também um alerta para a bem-intencionada campanha do “não reeleja ninguém”.
Sempre é bom lembrar que quando votamos em alguém para deputado federal, estadual e vereador estamos antes de tudo votando no seu partido ou coligação. É da soma dos votos recebidos pela totalidade dos candidatos de uma legenda que é determinado o número de vagas que serão preenchidas com seus membros mais votados.
Com a pulverização de candidaturas nos partidos, é bem provável que boa parte dos votos depositados em “não políticos” acabará levando justamente à reeleição da atual casta política, pois é ela que detém dinheiro e conexões eleitorais nos estados.
Por esse motivo, antes de embarcar no #nãoreelejaninguém e votar naquele candidato bem-intencionado que nunca foi político, é bom verificar qual é o seu partido e quais são os seus colegas de chapa. Você pode estar votando numa lebre e elegendo uma velha raposa.
Bruno Carazza, doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”(Companhia das Letras) e do blog “O