quinta-feira, 3 de maio de 2018

1968 terminou, sim, e mal, Clovis Rossi, FSP

50 anos após revolução frustrada, irreverência e alegria dão lugar a raiva e medo

Homem de cabelo branco aponta para série de cartazes com diferentes mensagens em exposição; ao lado dele, outro homem
Visitantes observam pôsteres com mensagens de ordem do Maio de 1968 na França na exposição Imagens em Luta em Beaux Arts, Paris - François Mori - 18.abr.18/Associated Press
Ouso contradizer esse extraordinário talento que é Zuenir Ventura, para quem 1968 foi o ano que não terminou, título de seu livro mais emblemático.
Do meu ponto de vista, 1968 terminou, sim, ao menos no Brasil. No dia 13 de dezembro daquele ano, acompanhamos na redação do Estadão, meu jornal à época, a edição do Ato Institucional número 5. Fechamos a edição do dia seguinte e fomos a um boteco na rua da Consolação, em frente à antiga sede do jornal.
Lembro-me de ter dito aos companheiros: o futuro está interditado.
Solene demais, algo brega, meio ridículo, admito hoje. Mas com muita verdade. Tanta verdade que foi preciso esperar 21 anos para poder votar para presidente. E pela primeira vez na vida, já com 46 anos.
O AI-5 consolidou, pois, a castração cívica de toda a minha geração, que o golpe de 1964 já havia iniciado.
Por isso, ouso dizer que 1968 terminou, sim, e terminou mal. Pior: meses antes, com a chamada Passeata dos 100 Mil, no Rio de Janeiro, flutuou a sensação de que a ditadura não resistiria muito mais às massas nas ruas. Ilusão.
Nem havia massas de fato nem a ditadura estava abalada.
No resto do mundo, no entanto, o cenário foi bem outro, embora, no fim do ano célebre, as coisas tenham mudado pouco. Houve, sim, uma revolução cultural, na forma de liberalização dos costumes.
Mas é uma mudança que foi se instalando aos poucos, como todas as mudanças, aliás.
Sempre há a tentação de imaginar que a qualquer momento pode haver um novo Maio de 68, ainda mais quando aquele momento efervescente completa 50 anos.
Seria até divertido um novo levante como aquele, mas me parece estar ocorrendo o contrário. Maio de 1968 foi libertário, irreverente, alegre, iconoclástico.
Hoje, há muito mais raiva que alegria, muito mais sectarismo do que contestação às seitas políticas que se manifestam.
Enquanto, por aqui, coxinhas e mortadelas se matam, ao menos verbalmente e só nas redes sociais, os estudantes franceses de 1968 cantavam que "a humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último esquerdista".
Três homens são vistos em uma avenida de costas lado a lado, sendo que os dois à direita atiram pedras contra um grupo de policiais de tropa de choque à distância; atrás dos manifestantes aparecem uma lata de lixo de ferro retorcida e bombas no chão soltando gás lacrimogêneo
Manifestantes atiram pedras em confronto contra a polícia durante uma greve estudantil em Paris, um dos eventos do Maio de 1968 - 3.mai.68/Associated Press
Enquanto a moçada de 50 anos atrás acreditava que a imaginação tomara o poder, agora quem está no poder é exatamente a falta de imaginação.
Antes, era "proibido proibir". Hoje, tenta-se, em geral inutilmente, proibir uma porção de coisas.
Em um muro qualquer de Paris, lia-se: "Decretado o estado de felicidade permanente".
Não era verdade, claro, mas era um manifesto de boas intenções.
Hoje, o que há, no mundo todo ou em boa parte dele, é um estado permanente de ansiedade, de insegurança.
No "estado de felicidade permanente", parecia caber todo mundo.
No estado de ansiedade permanente, não cabe o outro, do que dá prova o crescimento da xenofobia, da misoginia, do racismo, do antissemitismo (bom lembrar que um dos slogans de 1968 era "nós somos todos judeus alemães".)
Parece ter sobrado, dos incontáveis e adoráveis slogans de 1968, apenas um: "Parem o mundo, eu quero descer".
Clóvis Rossi
É repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

O que se sabe até agora sobre prédio que desabou no Largo do Paissandu, em SP, BBC

funcionou combustível para o fogo, o que agravou o incêndio | Fonte: Corpo de Bombeiros

O que provocou o incêndio e por que ele se espalhou rápido?

As causas ainda não foram divulgadas.
A principal suspeita dos moradores é de que um botijão de gás tenha explodido e dado início ao incêndio, no quinto andar do prédio.
E vários fatores teriam contribuído para as chamas se espalharem rapidamente e o prédio desabar.
De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Marcos Palumbo, a ausência de elevadores no local e a presença de muito lixo - e de materiais como madeira, papel, papelão - teriam agravado a situação, funcionando como combustível para o fogo.
O professor de engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Helene, especialista na área há 30 anos, afirmou à BBC Brasil que a falta de sistemas fundamentais para prevenção e combate de incêndios também ajudam a explicar a velocidade das chamas.
"Esse prédio era um grande salão aberto, aparentemente sem paredes internas de alvenaria e sem esses sistemas de proteção suplementares que impediriam que o fogo se espalhasse rapidamente", diz Helene, reforçando a explicação do Corpo de Bombeiros de que os "buracos" deixados pela retirada dos elevadores funcionaram como chaminés, também contribuindo para o fogo passar de um andar para outro.
Paulo Helene, professor da USPDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionPaulo Helene, professor da USP e especialista na área há 30 anos: 'Era uma estrutura que não estava protegida adequadamente'

Por que houve o desabamento?

O professor de Paulo Helene, da USP, afirma que, de acordo com normas nacionais e internacionais de segurança, prédios dessa altura deveriam resistir sem desabar, em caso de incêndio, por pelo menos três horas, ou 180 minutos - tempo estimado para evacuação e para viabilizar as ações de salvamento por parte dos bombeiros. "Mas esse edifício colapsou antes de 1 hora e meia, ou seja, resistiu apenas por cerca de 90 minutos."
A estrutura mista de concreto e aço do edifício, menos resistente ao fogo, teria contribuído para isso, segundo ele.
"O prédio tinha um núcleo central de elevadores e escadas em concreto. Os demais eram pilares metálicos, com resistência bem menor ao fogo. Essa pode ser uma das explicações para ele ter caído tão rápido", diz o professor.
As informações sobre a estrutura são baseadas na tese de doutorado Edifícios de Escritório na Cidade de São Paulo, do pesquisador Roberto Novelli Fialho, publicada em 2007 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU/USP).
Na época em que o Wilton Paes de Almeida foi construído, nos anos 1960, boa parte dos prédios no Brasil era feito apenas de concreto, que funciona como uma espécie de isolante térmico e, portanto, dificulta a disseminação de focos de incêndio.
Com o tempo - e o desenvolvimento da indústria siderúrgica nacional -, a construção passou a incorporar estruturas metálicas nos edifícios.
O problema, pondera o especialista, é que a estrutura praticamente não tinha elementos de proteção térmica - argamassa com cimento de amianto, revestimento com gesso, pintura intumescente - desenvolvidos justamente para proteger os materiais metálicos, que têm um coeficiente de transmissão térmica bastante superior à do concreto e facilitam a expansão de eventuais incêndios.
"Na época em que o prédio foi construído, não existia proteção térmica como existe hoje - e que sabemos que é importante. Era uma estrutura que não estava protegida adequadamente contra incêndios", acrescenta Helene.

Privatização de refinarias - EDITORIAL O ESTADÃO


ESTADÃO - 23/04

A venda do controle de quatro refinarias anunciada pela Petrobrás marca uma nova fase de abertura do setor de petróleo


Parte de seu programa de parcerias e de desinvestimento para recuperar capacidade financeira, a venda do controle de quatro refinarias anunciada pela Petrobrás marca uma nova fase de abertura do setor de petróleo, que nos últimos anos, sobretudo na era lulopetista, foi utilizado despudoradamente para políticas populistas e para engordar cofres de partidos e bolsos de políticos. Entre as unidades cujo controle será transferido para empresas privadas está a Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, que simboliza tanto o populismo do governo do PT – ela deveria resultar de uma parceria, nunca concretizada, com o governo bolivariano de Hugo Chávez – como o escandaloso esquema de corrupção que instalou na estatal e que foi tornado público pela Operação Lava Jato.

Desde 2016, com o afastamento da diretoria indicada pelo PT, a Petrobrás vem executando um severo programa de ajuste financeiro e de redefinição de prioridades sob a liderança de seu atual presidente, Pedro Parente. Os investimentos, antes fixados de maneira mirabolante para atender aos objetivos políticos e eleitorais do governo petista, estão sendo programados de acordo com novas prioridades e objetivos, voltados para a reconquista de eficiência, produtividade e resultados. Ao mesmo tempo, a Petrobrás vem se desfazendo de ativos que não estão nos seus planos prioritários, para obter recursos adicionais que lhe permitam reduzir o nível de endividamento, que na era petista superou os limites que seus acionistas privados e os investidores em geral consideravam prudentes.

Na nova etapa de abertura do setor, que ocorre duas décadas depois da extinção do monopólio pela Petrobrás da exploração e produção de petróleo, a empresa venderá 60% de sua participação em refinarias dos polos do Nordeste e do Sul. Isso significa a venda do controle das refinarias de Landulpho Alves, na Bahia; Abreu e Lima, em Pernambuco; Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul; e Presidente Getúlio Vargas, no Paraná. A venda das duas primeiras refinarias, no polo Sul, que respondem por 18% da capacidade de produção da estatal, incluirá 7 terminais e 9 dutos. No caso das refinarias do Nordeste, que concentram 19% da capacidade de refino, a venda incluirá 5 terminais e 15 dutos.

A Petrobrás pretende concluir a modelagem do processo em três semanas. A conclusão do negócio, porém, levará mais tempo, pois o plano terá de ser aprovado pelo conselho de administração da empresa. “Não é (um processo) simples. Vai levar todo o ano, com certeza”, previu Pedro Parente.

A projeção da evolução do mercado doméstico de combustíveis nos próximos anos deve ser um dos principais atrativos para as empresas privadas. O mercado brasileiro de derivados de petróleo é o sétimo maior do mundo e, de acordo com previsões da Petrobrás, deve crescer ao ritmo de 1,8% ao ano até 2030.

O presidente da Petrobrás considera peça-chave desse processo a política de preços que vem sendo seguida pela empresa desde o fim da gestão lulopetista. Essa política atrela os preços praticados pela empresa à cotação internacional do petróleo. Além da moralização administrativa, que afastou os resquícios do esquema de corrupção desvendado pela Lava Jato, a liberdade de preços é a marca do modelo de gestão adotado pela empresa. Na era lulopetista, a Petrobrás, além de fonte de recursos bilionários desviados para partidos e políticos, era instrumento da política anti-inflacionária de características populistas. Durante anos, os preços dos combustíveis foram severamente contidos por ordem do governo. Obrigada a vender derivados a preços muitos inferiores ao seu custo de produção, a Petrobrás acumulou prejuízos operacionais bilionários, o que comprometeu sua capacidade de investimentos e, sobretudo, sua rentabilidade. Isso gerou pesadas perdas para os seus acionistas. Essencial para assegurar condições operacionais e financeiras adequadas para a estatal, a liberdade de preços é indispensável para assegurar a entrada de mais capital privado na área de refino.