terça-feira, 13 de março de 2018

São Paulo, uma metrópole para poucos, Jornal da Unicamp



Pesquisa desenvolvida no IE constata que o padrão de segregação urbana no município se aprofundou, agravando as desigualdades sociais entre seus moradores



A melhora dos indicadores econômicos e sociais do Brasil nos anos 2000 não foi suficiente para promover alterações no padrão de segregação urbana registrado historicamente na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a capital em particular. Ao contrário, a despeito das estatísticas positivas, o problema se aprofundou no período. Esta é a principal constatação da tese de doutorado do economista Armando Palermo Funari, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação da professora Mariana Fix. “Isso ocorreu porque o cenário de desigualdade na cidade de São Paulo foi agravado. A renda aumentou, mas de forma assimétrica, com maior benefício para os mais ricos, em detrimento das camadas médias da sociedade”, considera o pesquisador.
Funari vai buscar no trabalho do urbanista Flávio Villaça, ex-docente da USP, as bases para a sua investigação. Villaça é conhecido por analisar como as classes sociais se distribuíram pelas regiões metropolitanas brasileiras, a de São Paulo entre elas, e as consequências desse processo. “Em linhas gerais, Villaça mostra que o padrão de desenvolvimento da cidade de São Paulo, por exemplo, é marcado pela concentração das classes de alta renda numa determinada porção territorial, que ele chama de Quadrante Sudoeste. Eu utilizei a metodologia proposta por ele e procurei trazer novos dados para analisar a temática em período mais recente”, explica o autor da tese.
De acordo com o economista, Villaça demonstra que o padrão de segregação urbana reflete e reforça, em boa medida, as grandes desigualdades sociais verificadas historicamente no país. “Quando uma classe social de elevada renda ocupa uma dada região do município, ela acaba concentrando outras vantagens, de caráter essencialmente urbano, que se somam às vantagens econômicas que já detém. Ou seja, o urbano atua sobre essa situação de desigualdade social à medida em que os espaços da cidade são ocupados de forma distinta”, pontua Funari.

Foto: Scarpa
O economista Armando Funari, autor da tese: “A ação dos mais ricos acaba levando mais serviços e infraestrutura para os locais onde vivem, o que amplia o abismo sociourbano em relação a outras áreas da cidade”

Ademais, prossegue o pesquisador, as classes de alta renda exercem um papel ativo na configuração das questões sociais tanto no âmbito do município quanto no da RMSP. “A ação dos mais ricos acaba levando mais serviços e infraestrutura para os locais onde vivem, o que amplia o abismo sociourbano em relação a outras áreas da cidade”, afirma Funari. A pergunta que orientou a tese do economista é se a melhora dos indicadores econômicos e sociais registrada nos anos 2000 teria sido suficiente para modificar essa tendência. “Infelizmente, o que constatei é que a situação não somente persistiu, como se aprofundou. De fato, o bolo cresceu nesse período, mas as maiores e melhores fatias continuaram sendo oferecidas para os mais ricos”, acrescenta.
Questionado sobre a capacidade de o Plano Diretor ser capaz de ao menos atenuar essas desigualdades sociourbanas, Funari observa que, em tese, o instrumento poderia cumprir esse papel. Entretanto, ele lembra que normalmente as discussões em torno da formulação das políticas públicas voltadas ao ordenamento urbano são protagonizadas por grupos e corporações do segmento imobiliário, de grande poder financeiro e alta influência política, como construtoras e incorporadoras. “Frequentemente, a sociedade civil tem pouca capacidade de interferir nas decisões”.
Um exemplo da força desse lobby vem do processo de elaboração do Plano Diretor de São Paulo durante a gestão do prefeito Fernando Haddad (2013-2016). Conforme o autor da tese de doutorado, a proposta partiu de um diagnóstico acertado, mas sofreu inúmeras modificações ao longo do tempo, principalmente quando tramitou na Câmara de Vereadores. “Ao final do processo, a legislação não se mostrou tão progressista quanto a Prefeitura gostaria e menos ainda em relação ao que deveria ser”, analisa.
Funari lembra que o padrão de segregação urbana verificado em São Paulo tem consequências extremamente danosas para a sociedade. “A começar pelo seu caráter antidemocrático. No regime democrático, vale assinalar, as pessoas são consideradas equivalentes. No entanto, é preciso que essa equivalência ocorra para além do momento da eleição, no qual cada eleitor representa um voto. Uma decorrência do modelo de ocupação urbana das nossas metrópoles é o apartamento da sociedade. Estão sendo criados cidadãos de primeira, segunda e terceira classes. Nós precisamos de mais equidade. Não é possível que continuemos reproduzindo um padrão que legitima mecanismos tão evidentes de promoção de desigualdades”, entende.
No limite, continua o economista, quando se determina onde uma e outra parcela da população deve viver, também se está delimitando outras questões. “Na semana em que defendi a tese, foi divulgado um estudo que contrapunha os indicadores dos distritos que compõem a cidade de São Paulo. Um dos dados revelava que num determinado local a expectativa de vida do morador era entre 20 e 25 anos maior que a de outro. Ora, quando o padrão de segregação estabelece onde a pessoa deve morar, ele também está indiretamente demarcando até que idade essa pessoa pode viver”, assinala.
Dito de outra maneira, sem qualquer verniz, o que o pesquisador constatou é que São Paulo não é uma cidade para todos, mas sim para alguns poucos. “As opções de quem pode escolher onde viver acabam travando as possibilidades daqueles que não têm escolha. Com isso, o abismo se aprofunda. Hoje, temos claramente dentro do município uma Dinamarca e uma Zâmbia”, assevera. Funari entende que é possível e urgente construir cidades mais democráticas.
Para isso, adverte, é necessário não fazer uso de soluções prontas ou importadas e dar maior atenção às pessoas que à estrutura. “Quando o poder público age sobre um espaço da cidade sem qualquer infraestrutura, esse espaço fica qualificado. Com isso, as pessoas que pagam aluguel nessa porção correm o risco de ser expulsas, por já não conseguirem mais arcar com o custo de vida local, por causa da valorização do metro quadrado. Essa é uma questão que precisa ser melhor analisada, inclusive dentro do conceito de cidade inteligente que vem ganhando espaço na agenda dos administradores públicos. É preciso entender que não adianta agir sobre o espaço sem considerar as pessoas que o ocupam”, reforça.
A universidade pública, conclui Funari, poderia colaborar com essa discussão ao colocar à disposição da sociedade o conhecimento gerado sobre o tema por seus pesquisadores. “A universidade está inserida nesse contexto. Sem dúvida, nós contamos com profissionais qualificados para ajudar na proposição de soluções para os diferentes problemas urbanos, entre eles a ocupação desigual dos municípios”.

Sistema de detecção de vazamento de água utiliza aprendizagem de máquina, Agência Fapesp



13 de março de 2018
Suzel Tunes  |  Pesquisa para Inovação – De cada 100 litros de água captados pelos sistemas de abastecimento no Brasil, quase 40 litros são perdidos na distribuição, segundo dados de 2016 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Reduzir esse desperdício por meio de uma ferramenta de detecção de vazamentos é o propósito da Stattus4, startup localizada no município paulista de Sorocaba.
“A eliminação de vazamentos é muito importante do ponto de vista da gestão dos recursos hídricos. Reduzir o desperdício significa reduzir também a necessidade de captação e tratamento de água, o que resulta em menores custos operacionais para as empresas e maior preservação dos mananciais”, destaca Antônio Carlos Oliveira Júnior, pesquisador responsável pelo projeto.
Batizada de Fluid, a tecnologia recorre à inteligência artificial para a detecção de áreas com potenciais vazamentos. Um protótipo do equipamento foi desenvolvido com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). É composto por um sensor móvel capaz de gravar a vibração de água que passa pelo encanamento e analisá-la, tendo como referência uma base de dados armazenada em nuvem.
“Nossa abordagem fundamenta-se na Computação Musical”, explica o pesquisador. “O funcionamento do Fluid pode ser comparado ao dos aplicativos de reconhecimento musical utilizados nos smartphones, que conseguem identificar uma música a partir de um pequeno trecho, graças aos seus bancos de dados”, explica Oliveira.
No caso do sensor de vazamentos, diferentes ruídos captados na rede podem indicar uma perda de água, ou, simplesmente, um problema no hidrômetro – ou, mesmo, uma ligação clandestina. É o software que faz essa distinção. Quanto mais análises ele realiza, mais robusto fica seu banco de dados e mais preciso o diagnóstico. “É o que chamamos de aprendizagem por reforço”, diz o pesquisador.
Segundo Oliveira, cerca de 10 empresas já estão utilizando um piloto do sistema Fluid: “800 novas amostras por dia estão subindo no sistema. Já temos mais de 40 mil dados de ruídos reais”, afirma. Os primeiros parâmetros para a alimentação do algoritmo foram obtidos em uma escola de formação de operadores de geofone, o instrumento utilizado tradicionalmente para a detecção de vazamentos.
O geofonista é um profissional altamente especializado na identificação de vazamentos, trabalho que costuma ser feito em duas etapas: uma primeira varredura pelas ruas da cidade e, depois, uma análise mais apurada, para identificar o local exato da perda de água. O profissional usa o geofone para captar o ruído, mas é o seu ouvido treinado que o analisa.
Oliveira esclarece que não pretende substituir o trabalho do geofonista, mas agilizá-lo, realizando a tarefa de varredura. “O Fluid consegue identificar áreas de potenciais vazamentos, deixando o ajuste fino para o geofone.”
A concessionária privada Águas de Votorantim, município na Região Metropolitana de Sorocaba, já está trabalhando com essa metodologia. “Eles contavam com apenas dois geofonistas, que demoravam 24 meses para percorrer o campo. De posse de três coletores de dados, que rastreiam previamente os pontos de perda em potencial, reduziram para quatro meses o tempo de varredura. Agora, o geofonista visita apenas os locais onde se identificou a existência de algum problema. A operação do Fluid é simples e não precisa ser feita por um profissional especializado, o que garante redução de custos”, afirma Oliveira.
Segundo o pesquisador, o desafio da empresa agora é avançar na precificação correta desse sistema. “O Fluid não é só um equipamento, mas uma ferramenta de gestão”, afirma. Além de identificar vazamentos, o equipamento permite que o gestor faça o acompanhamento do trabalho de varredura – muitas vezes realizado por empresas terceirizadas – em tempo real. “Ele pode verificar a rota percorrida pelo operador do coletor de dados, ter acesso ao áudio da amostra para auditoria de eficácia do sistema e receber relatórios dos dados de campo.”
Startup enxuta
Com formação em Engenharia Elétrica e terminando uma segunda graduação em Matemática Aplicada e Computacional, ambas pela Universidade de São Paulo, Antônio Carlos Oliveira está aplicando conhecimentos das duas áreas para o desenvolvimento do projeto.
Ele conta que o objetivo inicial do projeto era ter um sensor fixo instalado em cada hidrômetro e capaz de fazer a localização exata de cada vazamento. Os custos se revelaram inviáveis. A decisão de fazer um coletor móvel fez despencar o investimento em hardware e foi um fator decisivo para permitir a entrada da empresa no mercado. “Fomos rápidos em tomar essa decisão. Utilizamos o conceito de lean startup (startup enxuta), validando cada movimento com os nossos clientes em potencial e nos adaptando com agilidade ao mercado”, diz Marília Lara, sócia e administradora da empresa.
A boa aceitação do produto e o reconhecimento da comunidade científica indicam que a empresa está no rumo certo. A Stattus4, que começou incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da Universidade de São Paulo, agora tem escritório próprio, com apoio do Parque Tecnológico de Sorocaba e da Baita Aceleradora, de Campinas. Já passou por três rodadas de investimento anjo e conta atualmente com 12 funcionários.
Em junho de 2017, a empresa conquistou o prêmio “Startup Inovadora” no 47º Congresso da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) – e tem uma agenda repleta de participação em eventos acadêmicos e empresariais.
No dia 12 de março, Marília Lara apresentou o projeto Fluid na Assembleia Legislativa de São Paulo, no Ciclo ILP FAPESP de Ciência e Inovação, evento realizado pelo Instituto do Legislativo Paulista (ILP), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
No próximo dia 15, a Stattus4 participará de um evento promovido pelo International Finance Corporation (IFC) – braço de financiamento do Banco Mundial para o setor privado – e Fórum Econômico Mundial. A empresa foi uma das 50 startups da América Latina selecionadas para participar da iniciativa UpLink, uma comunidade digital criada para fomentar a interação entre startups, universidades, governos e empresas multinacionais. E entre os dias 19 e 22 de março a Stattus4 participará do Fórum Mundial da Água 2018, em Brasília.
Segundo Marília Lara, fechar contratos de utilização do sistema e pensar na internacionalização são os próximos passos. “Nosso público-alvo são as concessionárias de abastecimento de água e os prestadores de serviço que elas contratam, é um mercado restrito. A gente vê a internacionalização como condição sine qua non para nossa existência”, afirma.
Sttatus
http://stattus4.com/pt_BR/ 
Endereço: Av. Rudolf Dafferner, 400, Sala 402 Sorocaba, SP CEP:18085-005
Fone: (15) 3358-2530
Contato: http://stattus4.com/pt_BR/fale/
Palavras-chave: Saneamento, Vazamento de água, Aprendizagem de máquina, IoT

segunda-feira, 12 de março de 2018

Brasil é despejado de consórcio internacional de astronomia, OESP

adiotelescópios do Observatório ALMA, um dos mais avançados do mundo, operado pelo ESO. Foto: ESO
O Observatório Europeu do Sul (ESO), maior consórcio de pesquisa astronômica do mundo, finalmente se cansou de esperar pelo Brasil. Sete anos depois de assinar um acordo para admitir o país como primeiro integrante não-europeu do grupo, o Conselho do ESO decidiu rescindir o contrato com o governo brasileiro — que, nesse meio tempo, nunca fez qualquer pagamento nem chegou a ratificar em definitivo o acordo.
“Considerando ser improvável que a ratificação do Acordo de Acesso seja concluída num futuro próximo, o Conselho do ESO decidiu suspender o processo até que o Brasil esteja numa posição de completar a execução do Acordo, possivelmente por meio de uma renegociação”, diz uma “nota de esclarecimento” divulgada pelo ESO hoje. “Com apoio unânime de todos os Estados Membros, o ESO continuará aberto a acolher o Brasil a qualquer momento. Os arranjos vigentes, porém, estarão suspensos a partir de 1 de abril de 2018.”
Para saber mais sobre a participação do Brasil no ESO, veja o especial multimídia: O Futuro da Astronomia Brasileira, no Deserto do Atacama.

A entrada do Brasil para o ESO foi negociada no fim de 2010 pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, como uma forma de garantir o acesso da comunidade científica brasileira a alguns dos maiores e melhores telescópios do mundo, que são operados pelo consórcio europeu nos Andes Chilenos — como o ALMA e o Observatório Paranal. O acordo também previa a participação do Brasil na construção e operação do Extremely Large Telescope (ELT), o maior telescópio do mundo, que está sendo construído agora no Deserto do Atacama.
O valor do acordo era de EU$ 270 milhões (cerca de R$ 1 bilhão), que o Brasil deveria pagar em várias parcelas até 2021. Nenhum centavo foi pago, apesar de o ESO, numa demonstração de boa-fé, ter tratado o Brasil como uma espécie de membro interino durante esse período. Mesmo sem a ratificação definitiva do acordo, os projetos de astrônomos brasileiros eram avaliados pelo grupo — para fins de obtenção de tempo de observação nos telescópios — como se o Brasil fosse um estado membro do consórcio, o que oferecia uma série de vantagens competitivas. Agora, com a rescisão do contrato, os cientistas brasileiros que quiserem usar os observatórios do ESO terão de concorrer por tempo como representantes de um país não membro, o que implica numa disponibilidade tempo muito menor e critérios muito mais rígidos de seleção.
“A gente perde muita coisa. O acesso aos telescópios fica bem mais complicado, o que é lamentável”, disse ao Estado o astrônomo Gustavo Rojas, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e representante de Divulgação Científica do ESO no Brasil. Segundo ele, a exclusão vai dificultar o avanço da astronomia brasileira. “O Brasil nunca vai conseguir construir uma infraestrutura de pesquisa desse porte sozinho; ou a gente se junta a esses grandes consórcios internacionais ou vamos ficar para trás.”
Uma das principais críticas feitas ao acordo era de que ele era caro demais. Rojas lembra, porém, que ele teria custado menos do que alguns estádios da Copa do Mundo, com um alto retorno em desenvolvimento científico e tecnológico de longo prazo para o país. Só a reforma do Maracanã, por exemplo, custou mais de R$ 1,2 bilhão. “É lamentável a falta de interesse dos governantes por um projeto de ciência e tecnologia para o país”, diz. “Vamos tentar reverter isso de alguma forma mais para frente.”
Procurado pela reportagem hoje à tarde, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) emitiu a seguinte nota: “O MCTIC defende a participação do Brasil no Observatório Europeu do Sul e faz gestões junto ao Governo Federal pela confirmação da adesão a esta entidade multilateral.” Numa conversa recente sobre o assunto, o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC disse  que o ministério era favorável à adesão do Brasil ao ESO, mas infelizmente faltam recursos orçamentários para implementar o acordo.
O contrato chegou a ser aprovado pelo Congresso em maio de 2015, no primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, mas desde então faltava ainda uma assinatura presidencial para concluir o processo de ratificação.
Post atualizado às 15:45 e às 17:40, com informações adicionais.