terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Boeing & Embraer, por Celso Ming, O Estado de S.Paulo


Há muita coisa boa a desfrutar com anúncio de que Embraer e Boeing negociam arranjo

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
24 Dezembro 2017 | 08h11
O anúncio de que Embraer e Boeing negociam um arranjo não pode ser analisado pela ótica da desnacionalização em marcha, como os aflitos de sempre se apressam em protestar. Tem que ser visto pelo lado do que é melhor para o Brasil. E há aí muita coisa boa a desfrutar.
Há o reconhecimento de que a Embraer conquistou lugar especial no setor. Se não tivesse sido privatizada, como foi em 1994, não passaria de um monte de sucata ou de cabide de empregos, como aconteceu com a Engesa, que fazia veículos bélicos para uso em terra.
A Boeing está vindo atrás porque sentiu que precisa se posicionar no segmento de jatos de médio porte, principalmente depois que a europeia Airbus e a canadense Bombardier anunciaram, em outubro, planos de fusão.
Também é preciso ter em conta que a Embraer, terceira maior produtora de jatos no mundo, se tornou um dos campeões nacionais porque livrou-se de vícios que tomam outros setores da indústria, como subsídios e, principalmente, políticas supostamente nacionalistas, como exigências de conteúdo local. De 17% a 20% dos componentes das aeronaves da Embraer vêm de fora. Ela não foi obrigada a pagar mais caro para desenvolver o que outros países e empresas fazem mais barato. No caso das aeronaves da família E-Jet E2, as asas têm parte da estrutura feita em Portugal; a cabine e seus assentos são do Reino Unido; o motor das turbinas, do Canadá; o sistema estabilizador, dos Estados Unidos; o sistema de controle de flaps vem da Alemanha... E assim vai. A Embraer se especializou em produzir projetos e conceitos.
A Embraer não é uma empresa que tenha um dono. Cerca de 65% de seu capital está pulverizado no mercado. Tem como principais acionistas a norte-americana Brandes (15% do total), a Mondrian (10%), o BNDES (5%) e o fundo Blackrock (5%). O Tesouro brasileiro possui uma golden share, ou prerrogativa de vetar qualquer negócio que contrarie o interesse nacional.
A proposta em negociação não está clara. Mas não dá para dizer que seja de compra pela Boeing. Por disposição estatutária, nenhum acionista pode ter mais do que 35% das ações da empresa.
Mas já dá para antever algumas das vantagens de que desfrutaria a Embraer a partir de uma associação com a Boeing. A primeira delas seria o fortalecimento do seu próprio segmento do mercado que está sendo deslealmente atacado pela Bombardier e pode enfrentar forte concorrência de novos players, especialmente da China, do Japão e da Coreia do Sul. Segunda vantagem, a Embraer poderia partilhar com a Boeing a faixa de aviões de grande porte. E, terceira, ganharia importante reforço em seu capital.
Não faz sentido o discurso de que a Embraer também fabrica aviões militares e, por isso, não se podem misturar interesses das empresas por motivos de segurança nacional. É difícil imaginar que os produtos da Embraer para fins militares sejam segredos importantes para os norte-americanos – até porque qualquer um dos produtos pode ser adquirido no mercado. Em segundo lugar, a Boeing tem mais abrangência e produtos de defesa do que a Embraer.
De todo modo, antes de conhecer melhor o que está em jogo, não se terão os principais elementos para uma melhor avaliação desse pretendido acordo.

A economia brasileira em 2018, 0 Luiz Schymura , O Estado de S.Paulo



Um crescimento na faixa de 3% no ano que vem parece não ser nada desafiador






Luiz Schymura *, O Estado de S.Paulo
24 Dezembro 2017 | 05h00
Estamos a menos de um ano da eleição presidencial. O que esperar do cenário econômico para 2018?
Para tornar mais clara minha reflexão, divido-a em dois campos: conjuntural e estrutural. Começarei apresentando os aspectos conjunturais interno e externo relevantes para uma avaliação da economia brasileira.
Por conta de dois anos, 2015 e 2016, de forte retração da atividade econômica e do incômodo convívio com uma taxa de desemprego de dois dígitos, o PIB brasileiro apresenta desempenho aquém da capacidade produtiva do País. Há ociosidade dos fatores de produção. Ao quantificá-la, os especialistas não chegam a um consenso. Os mais otimistas creem que exista espaço para elevar o nível do PIB em 8%, enquanto que, na outra ponta, os pessimistas calculam um hiato do produto na faixa de 3%. Seja quanto for, um crescimento na faixa de 3% em 2018 parece não ser nada desafiador.

Sapato
Ociosidade. Setor produtivo tem capacidade para crescer sem investir Foto: JF DIORIO
Observando a conjuntura internacional, a economia dos países desenvolvidos cresce de forma sustentada, a taxa de desemprego encolhe, e a taxa de inflação mantém-se baixa e sob controle. E o mais importante: para fugir da baixa rentabilidade, o capital procura pouso em estâncias fora do primeiro mundo.
Neste contexto, oitável. Nest interesse em investir e aportar recursos em nosso País se amplia, desde que, evidentemente, o nível de risco percebido internacionalmente seja acea frente, portanto, as notícias são muito positivas.
Passo agora ao aspecto estrutural que poderia afetar a economia brasileira em 2018: as contas do setor público. Os dados relativos ao desajuste fiscal não deixam margem a dúvidas. O Estado brasileiro convive com um desequilíbrio recorrente em seu orçamento: não consegue gerar em cada exercício fiscal receita suficiente sequer para cobrir as despesas, mesmo quando o pagamento do juro não é computado. O processo de deterioração é inquestionável. Em dez anos, o resultado primário saiu de um patamar de 3% de superávit para 2,4% de déficit, em 2017.
Embora o estoque, isto é, o tamanho da dívida, ainda não seja um problema aterrador, o débil desempenho das contas públicas ano após ano coloca em cheque a solvência do setor público. Os dados são contundentes. A partir de 2013, a dívida líquida cresce de forma inequívoca, saindo de cerca de 30,5% para 50,7% do PIB em outubro deste ano.
A impressão que se tem é a de que o bom desempenho estrutural da economia brasileira deve passar pela melhora consistente no resultado das contas públicas. Por conseguinte, como anda o processo para reverter o descompasso fiscal?
Sob a ótica da União, a contenção na expansão dos gastos virou o alvo. Com a aprovação da Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016, a chamada emenda do teto, as despesas do governo central não podem mais crescer acima da inflação. Ao cumpri-la, os levantamentos feitos por técnicos sugerem que o problema fiscal estará resolvido. Pelo menos em tese as contas públicas ficarão equilibradas.
Contudo, é importante dar uma noção do esforço fiscal necessário implícito na observância da emenda constitucional. Ao longo dos últimos 20 anos, os gastos da União crescem a uma taxa média em torno de 6% reais ao ano. Em termos prospectivos, caso nenhuma mudança importante seja efetuada nos programas existentes, a elevação continuará ao ritmo de cerca de 3,5% reais ao ano. Ao supor que a reforma da Previdência proposta pelo governo comece a viger, Manoel Pires, pesquisador da FGV Ibre, estima que a taxa de expansão operará na faixa de 2,2% reais ao ano.
A emenda constitucional, por seu turno, exige que as despesas da União cresçam a uma taxa não superior a 0% real ao ano. Caso contrário, o teto será violado. Como se vê, a tarefa não é simples. O corte tem de ser expressivo.
Ao analisar os dados, os especialistas reconhecem a grande dificuldade no respeito ao teto já em 2019. Embora a emenda constitucional estabeleça dispositivos de ajustes, é difícil imaginar um cenário no qual eles sejam acionados. Antes que isso aconteça, o País chegará a um nível visível e incômodo de paralisação da máquina pública, com cortes crescentes do custeio flexível para compensar o aumento irrefreável das despesas rígidas.
Embates político-institucionais estarão, portanto, na ordem do dia. É inexorável. Com todos os seus propagados méritos no equacionamento das contas públicas, a emenda constitucional abrirá uma caixa de Pandora de indagações, incertezas e riscos. Com isso, parece inevitável que ao longo do próximo governo seja instituído um marco legal que substituirá a emenda do teto.
Enfim, resta saber de que forma a economia brasileira responderá aos sinais trocados oriundos dos aspectos conjuntural e estrutural. De um lado, as contas públicas ainda não controladas desestimulam o investimento. Por outro lado, a ociosidade nos meios de produção, legada pela crise, conjugada com os ventos internacionais extremamente favoráveis, permitirá uma melhora significativa no PIB, sem a consequente pressão inflacionária.
O cenário dos pesquisadores da FGV Ibre é de melhora nos principais indicadores no próximo ano. Assim, a taxa de crescimento sai de 1% em 2017 e atinge 2,8% em 2018. A taxa de desemprego, por sua vez, parte do patamar de 12,8% neste ano e reduz-se para 12,4% no próximo. A taxa de inflação firme em torno de 3,9% e taxa de juro com expectativa de estar rodando na faixa entre 6,75% e 7,25% em 2018. Um aspecto, no entanto, não pode passar despercebido: o crescimento será liderado pelo consumo das famílias.
Isso torna o avanço menos suscetível aos atribulados movimentos políticos porvir, diferentemente do que se esperaria caso a alavanca da expansão fosse o investimento. Afinal, é de se esperar que a decisão de investir seja mais sensível ao quadro político do que a de consumir.
Continuando ainda na toada do exercício de futurologia. O debate em 2018 será pautado por especulações sobre o que será feito a partir de 2019. De concreto, nada. Apenas promessas e suposições. No novo governo, entretanto, tanto os arranjos políticos como a conjuntura global possivelmente terão outra configuração. A crise fiscal, contudo, estará lá, firme e difícil de ser gerida.
* Pesquisador da FGV Ibre

(In) Feliz Natal, Ruth Manus, O Estado de S.Paulo


Para falar a verdade, nunca fui muito fã da data. Não escrevia cartinhas para o Papai Noel


24 Dezembro 2017 | 02h00
Desde criança, ouço minha mãe dizer, ao tentar justificar o fato de não querer comemorar seu aniversário, que não gostava de alegria com data marcada. Nunca entendi bem o que ela queria dizer com essa expressão. Hoje, aos quase 30 anos, na semana do Natal de 2017, entendi.
Para falar a verdade, eu nunca fui muito fã do Natal. Não escrevia cartinhas para o Papai Noel, nem tive qualquer trauma ao descobrir que aquele senhor, na realidade, não existia. Meu grande, violento e irrecuperável trauma de infância foi descobrir que a Vovó Mafalda era homem. Isso sim foi um golpe duro. Já o Papai Noel nunca me foi uma figura tão cara.
Cresci com um certo sentimento de culpa por não esperar o Natal com uma alegria estonteante. Pelo senso comum, não há grande problema no fato de não se amar o carnaval. Nem é absurdo não ligar para a Páscoa ou para o Dia das Bruxas. Mas não ligar para o Natal sempre soou como um verdadeiro sacrilégio, como se fosse sinônimo de não gostar da família ou de não valorizar a figura de Jesus Cristo.
O Natal da minha infância era atípico. Uma grande festa com pais, irmãos, tios e primos no começo de dezembro. Essa festa eu adorava – e adoro até hoje. Mas na noite do dia 24 e no almoço de 25, meus irmãos iam embora para estar com o pai deles. Sobrávamos eu, meu pai e minha mãe. Meu pai perdeu a mãe aos 23 anos, às vésperas do Natal, e, obviamente, nunca mais olhou para a data com grande alegria. Era uma noite estranha. O Natal não era uma data esperada por mim. Pelo contrário, queria que ele passasse logo para que meus irmãos voltassem para casa. Anos depois, o Natal segue me parecendo um dia incômodo.
Tenho certeza de que não sou a única para quem o Natal é uma data confusa. A maioria das pessoas, nessa data, lida com culpas, angústias e ausências. A partilha das crianças por conta das separações, a falta daqueles que já morreram, os avós que lidam com a ausência dos netos, os adultos que aprendem a estar com os sogros em vez de estar com os pais, os pais que aprendem a abrir mão dos filhos que já cresceram. O Natal é bonito, mas é dolorido também.
Soma-se a isso essa doentia dinâmica dos presentes que se instalou nas nossas vidas. Tenho certeza absoluta de que Jesus, em algum lugar, fica mesmo muito chateado por ver seu aniversário transformado em uma data de consumo extremo, de crianças que abrem dezenas de pacotes sem valorizar quase nenhum, de adultos que se flagram angustiados com quanto dinheiro vão ter que desembolsar para satisfazer os requisitos mínimos que o comércio conseguiu nos impor.
É claro que é bom estar com a família reunida, comendo coisas gostosas. Ninguém tem dúvidas disso. O problema é ter que lidar com essa estranha logística natalina, cheia de compromissos, divisões, compras, pacotes e frustrações. No fim, percebo que, assim como eu, tem muita gente que só quer que janeiro chegue logo para que isso esteja resolvido o quanto antes.
Compreendo muito bem agora o que minha mãe dizia sobre não gostar de alegria com data marcada. Meu amor e minha dedicação pelas pessoas não se confunde com o Natal. Meu amor é sereno e minha dedicação é constante. Vejo muito mais amor no fato de eu estar trabalhando com alguma pressa para poder buscar logo minha enteada para passearmos de ônibus pela cidade do que no presente que comprei pra ela de Natal. Vejo mais amor pelos pais quando preparo o café da manhã, quando eles chegam a Lisboa, do que quando marco com eles o almoço do dia 25.
Não sei se é herança genética, mas realmente não sou fã da alegria, do amor, nem da oração com data marcada. O Natal é só uma data. O amor, a presença e a fé nos outros 364 dias é o que realmente conta. No fundo, todos sentimos uma certa culpa. Mais do que feliz Natal, feliz todo dia pra nós.