Nem o governo nem a indústria de veículos brasileira olham para a frente
29 Novembro 2017 | 21h00
A indústria de veículos do Brasil vive dentro de uma bolha. Viciada em proteção e em reservas de mercado, não consegue competir globalmente.
Prosperou enquanto pôde empurrar seus custos para o consumidor brasileiro e enquanto refestelou-se em subsídios e no espólio da guerra fiscal entre os Estados. Agora, todo o setor passa no mundo por revolução tecnológica, a mais importante depois da invenção da linha de produção em 1913, por Henry Ford. Nem o governo nem o setor sabem para onde ir. E essa indecisão pode levar ao risco de produzir a trombada fatal que prostrará o setor.
O programa Inovar-Auto, decidido durante o governo Dilma, pretendeu incorporar tecnologia. O resultado foi desastroso. O diagnóstico do Banco Mundial divulgado na semana passada mostrou que tudo o que conseguiu foi mais proteção para um setor já superprotegido e mais transferência de custos para o consumidor interno.
O Inovar-Auto não conseguiu relevante incorporação de tecnologia nem aumento da produção e, muito menos, aumento da competitividade. Beneficiou segmentos de luxo, que operam hoje com baixíssima escala de produção. E foi irremediavelmente condenado pelo Organização Mundial do Comércio por concorrência desleal.
O governo discute com a indústria a adoção de novo programa, o Rota 2030, que deveria incrementar a competitividade e trabalhar com motores capazes de garantir as metas ambientais do Acordo de Paris. No entanto, além de esbarrar na falta de consenso, o Rota 2030 desconsidera a necessidade de preparar o grande salto.
Em todo o mundo, as montadoras de veículos preparam freneticamente o lançamento de veículos elétricos ou híbridos; de uso compartilhado ou disponíveis a qualquer um, para aluguéis curtos ou prolongados via aplicativos, como as bicicletas disponíveis nas grandes cidades ou, então, para circularem até sem motorista. Estas não são elucubrações futurísticas. É o futuro que já está aí.
Nem o governo nem a indústria olham para a frente. Não pretendem mais que algum ajuste nas proteções prevalecentes. Quando falam em favorecer a produção de veículos capazes de emitir baixos níveis de carbono, governo e indústria se atêm a algum fator modernizante e ignoram o resto.
Sem exportações não há futuro. Mas, para exportar, é preciso surfar a nova onda. Seria idiotice pretender desenvolver aqui o que já está sendo desenvolvido lá fora ou, então, seria idiotice pretender soluções nacionais para o que será necessariamente global.
Em painel realizado na última terça-feira pelo Insper, o presidente da Mercedes-Benz para a América Latina, Philipp Schiemer, advertiu que a indústria precisa de políticas estáveis porque, observa ele, os ciclos do setor são de longo prazo – no que tem razão. Mas ele próprio e a indústria de veículos só olham pelo retrovisor. Querem a estabilidade produzida pelo protecionismo e pelas reservas de mercado. E, como se viu com o que aconteceu com o Inovar-Auto, nada mais instável e inseguro do que programas eivados de protecionismo, num ambiente em que hoje prevalecem as cadeias globais de valor.
Dentro de 20 a 30 anos, que é o horizonte apontado por Schiemer, o mercado terá mudado substancialmente. Pretender agora assegurar o status quo implica entregar velharias ao final dos próximos 20 a 30 anos. Enfim, essa é a agenda do futuro que quer ser construída com a agenda do passado.
CONFIRA:
» O salto da dívida
O gráfico dá ideia de como avança a dívida bruta do governo central. A velocidade é muito alta. Começou o ano nos 69,87% do PIB e, em outubro, já estava a 74,38%. Isso significa que, no próximo ano deverá chegar aos 80% do PIB, mesmo levando em conta que o PIB deve crescer mais do que neste 2017. Dívida é déficit acumulado e déficit é o tanto que as despesas ultrapassam as receitas. Nos anos 80, o País estava afogado em dívida externa. Hoje, é a dívida interna que mais pesa sobre o brasileiro.