Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
São Paulo – Entre 137 povos, o brasileiro é o que menos confia em seus políticos. É o que mostra estudo do Banco Mundial, em parceria com Fundação Dom Cabral, divulgado nesta quarta-feira (27).
Em 2008, o país ficou na posição 122 nesse quesito quando comparado com 134 nações. Em 2013, ano dos protestos que levaram milhões às ruas do país contra o aumento das tarifas do transporte público nas capitais, o Brasil tinha caído para 136º de um total de 148 países avaliados.
No ano passado, em uma escala que vai de 1 a 7, a nota de confiança dos políticos brasileiros não passou de 1,3. A título de comparação, Cingapura, que é o primeiro no ranking, marcou 6,4 pontos.
A corrupção é apontada pelo estudo como um dos piores entraves para a competividade do Brasil. Esse item só perde para a (excessiva) carga tributária do país e para a rigidez de nossas leis trabalhistas.
No ranking de países mais corruptos, o Brasil está em quinto — atrás apenas de Venezuela, Paraguai, República Dominicana e Chade.
Mas, o estudo revela, os problemas éticos não estão restritos ao setor público. No ranking que mede a ética corporativa, as empresas brasileiras ficaram em 126º de um total de 137 países.
Apesar desses problemas, o Brasil subiu 11 degraus no pilar “instituições” — que mede a qualidade dos setores público e privado.
O Banco Mundial vê esse resultado como um efeito direto das “investigações que levam à uma maior transparência e percepção de procedimentos bem sucedidos para reduzir a corrupção dentro dos limites institucionais da Constituição do Brasil”, diz o estudo.
No entanto, mesmo com o avanço, o Brasil continua na posição 109 em termos de qualidade de suas instituições. Em outros termos, há apenas 28 países com instituições piores que as brasileiras.
Confiança nos políticos: Brasil x BRIC
País
Nota
Posição
China
4,5
27
Índia
4,2
33
Russia
3,4
51
Brasil
1,3
137
Confiança nos políticos: Brasil x Países da América do Sul
Direito de imagemAFPImage captionA repercussão de tudo o que o prefeito de São Paulo fala nas redes é monitorado e usado em sua estratégia de comunicação
Enquanto a disputa interna no PSDB para concorrer à Presidência em 2018 se acirra, o prefeito de São Paulo, João Doria, usa as redes sociais para pavimentar seu caminho.
O crescimento vertiginoso de sua influência digital em menos de um ano de mandato é resultado de uma estratégia que começou a ser testada ainda nas prévias do partido, se profissionalizou e hoje combina cinco softwares que usam 'big data' para fazer monitoramento e uma equipe de análise que avalia o impacto nas redes sociais de tudo o que ele, que nega ser pré-candidato, fala.
"Nossa função é alinhar o discurso do João para ele ser bem entendido. Ele não vai mudar o que pensa, as propostas, mas vai falar da melhor forma", diz Daniel Braga, que acompanha Doria desde agosto de 2015.
Em janeiro deste ano, quando o núcleo de redes sociais de sua Promove Comunicação ganhou corpo, Braga criou com outros dois sócios a Social QI, empresa independente que, apesar da pouca idade, já chegou a cuidar do marketing digital do governo Temer - parceria encerrada em julho.
A assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo confirma que Doria é cliente da empresa, mas esclarece que seu vínculo é como pessoa física, e não como prefeito.
A Social QI trabalha com uma integradora que reúne "entre quatro e cinco" softwares de monitoramento, cujos nomes mantém em segredo. Em paralelo, utiliza programas como o War Room, um serviço em português criado pela startup Stilingue, que há quatro anos desenvolve a ferramenta por meio do que a ciência da computação chama de "processamento de linguagem natural".
Varrer as redes
O time de 35 desenvolvedores da Stilingue, baseado em Ouro Preto (MG), alimenta o computador com textos em português para ensiná-lo a entender e interpretar a língua, identificando padrões comuns.
A tecnologia permite o escrutínio das redes sociais - Facebook, Twitter, Instagram -, de influenciadores e de tudo o que é publicado na imprensa. Um volume exponencial de informações que dificilmente seria administrável sem a ajuda de um software, conta o presidente da empresa, Rodrigo Helcer.
Image captionSoftwares de inteligência artificial são cada vez mais usados por políticos e empresas para fazer gestão de imagem
Para a política, as aplicações incluem, por exemplo, a gestão de imagem - além de capturar tudo o que é escrito sobre qualquer assunto, o software também faz reconhecimento facial para identificar memes - e a psicometria.
Termo que ficou mais conhecido depois da campanha de Donald Trump à Casa Branca, a piscometria faz uma espécie de análise de personalidade dos eleitores, útil na identificação de perfis que vão muito além de direita e esquerda e, por consequência, na formulação do discurso político.
A estratégia de comunicação do republicano se baseou na chamada "análise de sentimento" das redes sociais, que deu aos marqueteiros informações que até então não haviam sido usadas em disputas eleitorais, como os medos e anseios dos americanos.
De olho
"Tudo o que o João fala é monitorado", diz Braga. A ideia é avaliar como o discurso do prefeito é recebido para "reduzir os impactos negativos e potencializar os positivos".
"Se ele fala sobre desestatização, nós checamos o que as pessoas falam sobre isso para vermos qual a melhor forma de elas absorverem (o discurso no futuro)". Esse é um trabalho que envolve sensibilidade política, capacidade de interpretação e planejamento estratégico, afirma ele, que conversou com a reportagem na noite desta segunda, por volta de 21h, após acompanhar agenda do prefeito paulistano em Belo Horizonte.
Image captionSegundo Braga, 23,5% dos brasileiros que estão no Facebook já interagiram com a página de Doria
Depois de uma temporada em Brasília, Braga voltou a cuidar pessoalmente da conta de Doria recentemente, a pedido dele. O publicitário nega que a mudança tenha relação com a disputa eleitoral de 2018 e com o fato de que o prefeito é cotado como pré-candidato à Presidência.
"Tem a ver com a ferocidade da oposição nas redes sociais", explica. "A gente tem que entregar o 'João Trabalhador' que prometeu", acrescenta, referindo-se ao slogan da campanha de Doria.
Segundo ele, entre os 114 milhões de usuários únicos do Facebook no Brasil, 23,5% já interagiram com a página do prefeito, o maior percentual de uma lista de sete possíveis presidenciáveis. O segundo lugar é de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com 7,1%.
Ainda sobre as eleições do próximo ano, Braga ressalta que não presta serviços exclusivamente para o PSDB, afirma que a empresa tem sido "assediada por muita gente" e que está avaliando o mercado para 2018.
Renan Quinalha e Roger Raupp Rios undefined undefined 26 A patologização da homossexualidade é um expediente que se alimenta da homofobia e que a reproduz. É uma tentativa de legitimar preconceitos e discriminação, de um modo pseudocientífico. Há mais de quarenta anos, uma pesquisa sobre sexualidade foi exibida no programa Fantástico, da Rede Globo. Era um domingo em junho de 1978, momento em que o Brasil ainda era governado pelo general Ernesto Geisel sob uma ditadura civil-militar fortemente preocupada com a “moral e os bons costumes”. Na ocasião, perguntou-se “o que o brasileiro pensa[va] sobre o homossexualismo, tanto do homem como da mulher?”. Aqui cabe um parêntese: o sufixo “ismo”, do ponto de vista etimológico, é utilizado geralmente para formar substantivos abstratos dos mais diversos tipos. Acoplado à palavra “homossexual”, ele assume o sentido de uma doença e, por essa razão, passou-se hoje a usar a homossexualidade (em contraposição à heterossexualidade) e não mais “homossexualismo”. Pois bem. Na época, as respostas foram as seguintes: 25% consideravam uma doença, 19% culpa da falta de orientação dos pais, 18% um produto do desajuste do mundo de hoje e 11% uma falta de vergonha. Além disso, mais da metade dos entrevistados considerava o homossexualismo muito chocante, especialmente o masculino. João Antônio Mascarenhas, advogado e um dos ativistas pioneiros do movimento homossexual brasileiro, atribuiu à censura este resultado nada favorável aos homossexuais, uma vez que ela impedia uma discussão mais franca e serena sobre assuntos tidos como tabus. Ele afirmou, em texto publicado no jornal Lampião da Esquina, que “a culpa cab[ia] à rigorosíssima censura que pesa[va] sobre a rádio e a televisão”. Poucos anos depois, em 30 de abril de 1985, o Jornal do Brasil publicou declarações do chefe da Censura Federal, Coriolano Fagundes, em que este anunciava a liberalização da censura, mas não para todos. Ele declarou que tudo que fosse “obsceno” deveria ser combatido com rigor e, segundo sua visão, “obsceno é tudo aquilo que sai da normalidade. Por exemplo, o ato sexual entre dois homens ou duas mulheres não é uma coisa normal, embora não vá nisso uma crítica ao homossexualismo”. Com essa breve declaração, o censor dava um sinal claro de que os homossexuais ficariam de fora da agenda política da transição. No entanto, esse tipo de colocação já não passava mais em branco diante do surgimento de outros grupos organizados de homossexuais. Assim, o grupo Triângulo Rosa, representado por João Antônio Mascarenhas, enviou uma carta ao diretor da censura, qualificando-o de “preconceituoso” e destacando a orientação despatologizante então emanada pelo Conselho Federal de Medicina, que havia retirado a homossexualidade da lista de doenças justamente naquele mesmo ano de 1985. Pouco tempo depois, o jornal Folha de S.Paulo publicou declaração de Coriolano Fagundes sustentando a censura da música “Rubens”, do grupo paulistano “Premeditando o Breque”, em que ele, mais uma vez, afirmava que “não tenho dúvida que o homossexualismo é uma forma de perversão sexual. Não acho que o homossexualismo seja correto. É preciso ter uma postura de educação em relação ao sexo e não de permissividade”. Dessa vez, o Grupo Gay da Bahia enviou uma carta, na qual o ativista Luiz Mott informava que a ciência, especialmente a medicina, dentro e fora do Brasil, já estava despatologizando a homossexualidade e que propagar preconceitos dessa maneira era apenas uma reprodução do “machismo” e da “ignorância pré-científica”. A tônica das demandas do movimento LGBT daquela época passou a ser, assim, a supressão de leis discriminatórias, a inscrição da proteção legal no ordenamento jurídico, o abandono de um discurso médico de estigmatização pelas entidades da área da saúde, acolhimento para vítimas de violência e investigação dos responsáveis, além de uma disputa aberta na imprensa contra veiculação de notícias sensacionalistas e preconceituosas. Por conta dessas lutas, desde então, é verdade que muita coisa mudou no país. Nessa linha, desde 2011, pessoas do mesmo sexo podem formalizar uma união estável ou mesmo um casamento civil. Há políticas públicas específicas voltadas para a população LGBT em diferentes níveis de governo. Conselhos profissionais da área da medicina e da psicologia despatologizaram as homossexualidades. E, a despeito de não haver ainda a criminalização da violência contra LGBTs, há diversos entes federativos com legislação que pune a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Além disso tudo, no plano cultural, a mesma Rede Globo que apresentou aquela antiga pesquisa vem exibindo novelas e programas que tratam com maior naturalidade beijos entre pessoas do mesmo sexo e as pessoas trans, provocando grande impacto no debate público. No entanto, ainda hoje parece sobreviver e até crescer, em alguns setores da sociedade e do Estado, um discurso que classifica a homossexualidade como um misto de pecado, falta de vergonha e doença. Com efeito, a patologização da homossexualidade é um expediente que se alimenta da homofobia e que a reproduz. Ela expressa na linguagem da “medicina das perversões sexuais” a mudança do paradigma da homossexualidade de pecado para doença. Ela se revelou como tentativa de legitimar preconceitos e discriminação, de um modo pseudocientífico. Nessa trajetória, a homofobia desafia a psicologia e o direito. Nutrida por certas crenças religiosas ou pelo senso comum preconceituoso, ela deteriora as liberdades de profissão, de religião e de ciência, além de obscurecer o dever estatal de coibir a discriminação, com sérios danos à saúde e à democracia. Logo de início, é preciso salientar que a psicologia é um campo do conhecimento científico. Ela se desenvolve por argumentos, técnicas e categorias cuja verificação e discussão se orientam por um procedimento racional. Nela, a dúvida é o que impele a busca incessante da resposta mais correta acessível ao conhecimento humano. Daí que a ciência não compactua com o senso comum preconceituoso, que é inimigo da razão e berço de tanta discriminação. Não por acaso, quando a ciência livra-se dos preconceitos, atua como poderoso instrumento para o avanço da democracia, ao passo que quando se deixou instrumentalizar, acumpliciou-se ao totalitarismo, aos campos de concentração, às experiências com seres humanos, inclusive homossexuais. Após a Segunda Guerra Mundial, a bioética consolida-se, colocando princípios para a ciência e para a prática profissional de saúde, dentre os quais a beneficência e a justiça, radicados nos direitos humanos e na dignidade humana. Ao contraporem-se frontalmente a discriminações, esses princípios balizam o debate sobre a despatologização da homossexualidade e sobre o banimento de técnicas de “cura gay” ou de “reorientação da homossexualidade”. Sem contrapor-se como faz diante do senso comum preconceituoso, a ciência aparta-se da religião. A experiência religiosa tem na fé, e não na razão, seu dado fundamental. Na sua fé, o crente não tem espaço para a dúvida metódica. Daí porque testemunhará sua crença em face de certas questões, ou no mínimo descartará potenciais resultados incompatíveis com ela. Nesse quadro, em regimes democráticos e pluralistas, a psicologia como ciência e sua prática profissional estão enlaçados à laicidade e à observância da ciência livre de preconceitos. Ambas funcionam para o convívio das liberdades num mundo plural. Sem serem antirreligiosas, afirmam esferas distintas. Para tanto, marcam fronteiras cuja ultrapassagem revela-se deletéria para a ciência, para a prática profissional e para a religião, pois confundiriam o cientista, o profissional e o crente. Essas relações são essenciais para entender as previsões constitucionais da liberdade de profissão e de sua necessária regulamentação ética, em especial quando sua prática pode provocar graves danos à saúde. Todo atendimento que contrariar conhecimentos consolidados, e mais grave ainda, causar malefícios, prometendo cura para o que não é doença ou seu equivalente ( “reorientação” para o que não é desorientado), não só será causa de sofrimento e morte, como prática ilegal da profissão, sujeito a responsabilidade penal, civil e administrativa. Assim como a vedação de experimento científico violador da dignidade humana é um mandamento bioético, a proibição de “reorientação homossexual” como prática psicológica, longe de ser violação da liberdade de profissão, é um imperativo constitucional. Como mundo afora já estampam tratados internacionais, constituições e legislação, como já decidiram supremas cortes (inclusive o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade), a homofobia é uma discriminação odiosa e ilegítima, venha ela de convicções religiosas ou do senso comum preconceituoso. Renan Quinalha é professor de direito da Unifesp e doutor pela USP. Roger Raupp Rios é desembargador federal do TRF-4, doutor em direito pela UFRGS e professor de direitos humanos do UniRitter.