Geraldo Miniuci
27 Março 2017 | 07h15
O que leva alguém a aderir ao terrorismo, de modo geral, e ao terrorismo-suicida, em particular? Por que pessoas optam por atitudes violentas na vida? Ignorância? Fanatismo? Impotência? Tédio?
Existem dois tipos de terroristas: de um lado, aqueles que matam e morrem em nome de Deus, de outro, os que o fazem em nome da Nação. Exemplos do primeiro encontramos no denominado terrorismo islâmico e, do segundo, nos Tigres Tâmeis, organização política armada nacionalista que, lutando por um Estado tâmil independente, atuou na guerra civil do Sri Lanka, ocorrida entre 1983 e 2009.
No caso do terrorismo islâmico, algumas respostas são ensaiadas: política externa das potências ocidentais no Oriente Médio e na Ásia, condições precárias de vida dos simpatizantes do terrorismo nessas regiões, em que a miséria associada à falta de educação e à doutrinação religiosa constitui matéria prima para a violência, incluindo a violência suicida. Não são raras as explicações a sugerir que o terrorismo suicida resulta de um determinismo do meio sobre o indivíduo, como se a pessoa fosse desprovida de qualquer autonomia: porque suas circunstâncias de vida foram desfavoráveis, tornou-se um fanático, eis, em síntese, a explicação mais usual para o terrorismo suicida. Quando se simplificam os fatos dessa maneira, somos levados a buscar soluções igualmente simplificadas, como, por exemplo, reduzir tudo a uma falta de educação, pressupondo com isso que pessoas educadas não flertam, nem aderem a propostas insanas. Se semelhante pressuposto fosse verdadeiro, como explicar a adesão de Heidegger ao nazismo? Motivos para fazê-lo certamente haverá, mas falta de educação não será um deles. Nem ignorância.
Não são poucos os casos de terroristas suicidas provenientes de contextos sociais completamente distintos daquilo que comumente se imagina seja o ninho onde se choca o ovo da serpente. No inicio de 2014, por exemplo, quatro jovens com pouco mais de 20 anos se explodiram no centro de Bagdá. Todos eles eram alemães, filhos de pai e mãe alemães, sem origem migratória. Por um motivo ainda misterioso, como eles, dezenas de outros jovens de origem europeia e cristã se juntaram à leva de migrantes muçulmanos que voluntariamente aderiram ao Estado Islâmico. Por quê? Também aqui haverá motivos que explicam semelhante atitude, mas, sejam quais forem, deles também não fazem parte nem as condições materiais de vida, nem a falta de educação desses terroristas.
Casos assim mostram que nem sempre as circunstâncias em que vive o indivíduo determinarão suas atitudes. A riqueza e a cultura não são condições suficientes para impedir que pessoas se lancem em projetos que lhes custarão as vidas, e a pobreza não é condição necessária para que o façam. Nem todos os pobres se transformam em terroristas, nem todos os ricos e letrados se abstêm de atitudes violentas. Num caso ou noutro, cada um reagirá ao impulso externo do seu modo, motivado por suas razões. Lançar mão da violência, portanto, é uma das reações possíveis, dentre outras, que alguém ou um grupo de pessoas pode ter numa dada situação concreta.
Para justificar o emprego de métodos terroristas, os responsáveis pelo movimento colocam Deus ou, conforme o caso, a Nação acima de qualquer indivíduo e como fonte de legitimidade de toda ordem e de toda a violência necessária para restabelecer ou impor essa ordem. Em Deus, o indivíduo busca um sentido para sua vida; da Nação ele obtém sua identidade – e são precisamente essas duas ideias que se apresentam como condição necessária, embora não suficiente, para o terrorismo, sobretudo o suicida. O Estado Islâmico e os Tigres Tâmeis parecem ter compreendido o funcionamento do mecanismo que gera nas pessoas a estranha disposição de entrar para a história como mártir ou como heroi nacional.
Em vista do que a realidade nos mostra, o terrorismo suicida não brota da exclusão social, mas da religiosidade ou do patriotismo. Sem um deles, faltará uma condição essencial para que alguém se veja motivado a matar e a morrer em nome de alguma causa.
Paradoxalmente, contudo, pela via religiosa, será possível fugir não somente da violência terrorista, mas também da violência social que resulta da intolerância e do preconceito. Para tanto será necessário reinterpretar as sagradas escrituras, ignorando aquilo que elas têm de irreal, como cobras que falam, virgens que dão à luz e mortos que ressuscitam, e assumir o desafio de perdoar as ofensas, oferecer a outra face quando se é agredido e controlar os próprios impulsos, não se deixando escravizar por eles, tendo uma efetiva autonomia sobre o próprio destino. Afinal, “não é forte quem derruba os outros; forte é quem domina a sua ira” (Maomé, 82).
Já o nacionalismo é necessariamente excludente e nefasto. Se a religião pode ser reinterpretada no sentido de reconhecer cada ser humano como um valor em si mesmo, independentemente de suas origens, crenças ou orientação sexual, a ideia de Nação traz consigo a exclusão do outro, do estrangeiro. Divide a humanidade entre nós e eles, mantendo vivos os sentimentos de intolerância e de arrogância. Se a crença em Deus permite que se fale na primeira pessoa do plural, “nós”, os filhos do Altíssimo, a crença na Nação leva ao binarismo: nós, os nacionais, eles, os estrangeiros.
Reinterpretar os cânones sagrados de forma inclusiva, sem leituras preconceituosas para legitimar a exclusão de grupos sociais, essa providência abalaria não somente o terrorismo religioso, como também a violência racial, étnica ou aquela motivada pela orientação sexual das vítimas. No que diz respeito à Nação, porém, não há interpretação possível que comporte a inclusão. O binarismo é inevitável – e a intolerância dele decorrente, também.