quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Perdidos no tempo, Eugênio Bucci, OESP



O Natal terá um gosto de chão derretendo sob os pés de multidões desorientadas


*Eugênio Bucci
22 Dezembro 2016 | 03h07
“O tempo não é uma afecção das coisas, mas apenas um modo de pensar” (Baruch Espinoza)
Ao final de 2016, é hora de separar os mortos dos sobreviventes (que parecem mais mortos ainda). Foi-se embora uma presidente da República, que expirou antes que lhe expirasse o mandato. Do outro lado da praça, um presidente da Câmara dos Deputados, de olhar muito vivo, teve de trocar sua cadeira por uma cela de cadeia, assim como um ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, vivíssimo, que fixou residência atrás das grades. Os três estão politicamente mortos, embora seus substitutos zumbis não estejam propriamente vivos.
Não que a Justiça tenha sido feita, não nos precipitemos. A harmonia entre os poderes deu um “até logo” abrupto, deixando em seu lugar um pêndulo que balança discórdia malcriada ao conchavo surdo. Quanto ao emprego dos brasileiros, foi comprar cigarro na esquina e não voltou mais. A saúde pública, que sempre foi meio delinquente, vira de uma vez por todas um insolúvel caso de polícia. O Natal vai ter um gosto de chão derretendo sob os pés de multidões desorientadas, que se sabem perdidas – e nisso, somente nisso, têm toda a razão.
Mesmo assim, há cânticos de otimismo no ar. Eis que, dos auto-falantes e das telas eletrônicas, brotam campanhas publicitárias que prometem reconciliar o povo com sua história descarrilada. É algo espantoso. As tais festas natalinas, que se intercalam como tréguas os padecimentos cíclicos daqueles que guerreiam em tempos de paz, agora chegam embaladas por mensagens que vêm devolver nada menos que o tempo para os que sentem a vida ir embora sem deixar o endereço. O mais espantoso ainda é que quem manda essas mensagens não é outro que não o dinheiro, ou o Papai Noel do dinheiro. Os bancos, ninguém menos que os bancos, são os anjos que anunciam a felicidade.
Ligue a TV e ouça: “O que faz um ano inesquecível são aqueles segundos que se tornam eternos dentro da gente”. No comercial, um pai passeia com a filha, ao som de uma canção conhecida (“isso me acalma, me acolhe a alma...”). Tudo está bem, tudo está certo, tudo nos conformes. “Feliz 2017. E conte com o Banco do Brasil em cada segundo.”
Um concorrente privado do Banco do Brasil concorda. Também para o Itaú o tempo que conta, que tilinta, é aquele que, digamos, “se torna eterno dentro da gente”. Mas o Itaú deu um jeito de dizer isso com palavras menos modestas.
“Eu sou o tempo”, diz a voz atemporal. “Eu gostaria de te dar um conselho. Pense menos em mim, e mais em você. É perdendo tempo que se ganha a vida. O segredo do tempo não está nas horas que passam, está nos momentos que ficam. Porque são eles que vão contar a sua história. Eu sei disso. Eu sou o tempo.” Ao fim da mensagem, lá está a assinatura do anunciante: “Itaú. Digital, para você ter mais tempo para ser pessoal”.
Sejamos, pois, pessoais, bem pessoais, mesmo sem tomar a coisa no plano “pessoal”. O capital só se acumula quando ganha sua corrida contra o relógio. Mesmo que diga para você relaxar e “perder tempo para ganhar a vida”, o dinheiro não cochila por um segundo sequer. Aliás, foi uma campanha do Citibank, há poucos anos, que cuidou de nos lembrar disso: “The Citi never sleeps”. Bem antes, em 1987, num filme americano chamado Wall Street (dirigido por Oliver Stone), o especulador Gordon Gekko (Michael Douglas) – que termina na cadeia, ele também – alertava o seu aprendiz Bud Fox (Charlie Sheen): “Money never sleeps, pal”.
O dinheiro não dorme, o dinheiro não perde tempo e, principalmente, o dinheiro não perde do tempo. Se ele pede a você que perca tempo para ganhar a vida, existe aí uma conta que não fecha: ou o dinheiro mente sobre si mesmo, ou mente sobre você, porque, numa engrenagem de acumulação que só se faz possível pelo incremento da velocidade (e, na era digital, o dinheiro viaja na velocidade da luz), ou o seu ócio é financiado pelo cochilo dos outros, ou quem cochila é você. Tente se localizar nessa equação e você entenderá um pouco, bem pouco, do discurso que promete reconciliar sujeitos perdidos no tempo com uma história perdida no ano “inesquecível” que, esperemos, vai se encerrar.
Além do que, o tempo não é bem isso que os bancos anunciam. O tempo, lamento dizer, não é um dado da natureza, uma “afecção das coisas”, por mais que seja o tecido de que somos feitos, tecido do qual vivemos e morremos. O tempo é um “ente da Razão” (Espinoza), ou uma construção da cultura – da cultura publicitária, inclusive. É bem verdade que Newton acreditava que o tempo fluía “uniformemente sem relação com nada que lhe seja externo” e, com base nisso, construiu uma Física que deu conta de mandar o homem à Lua. Desde Newton, porém, ficou mais perceptível que “o tempo, tal como o concebemos, é uma consequência da história” (Gerald James Whitrow). Segundo os nossos sentidos, a gente ocupa um lugar no espaço e percorre um segmento minúsculo na extensa e imutável linha do tempo, mas o tempo, “tal como o concebemos”, nós é que o construímos, com os nossos tempos verbais e os sistemas tecnológicos que medem os intervalos entre um evento e outro.
Dizem que feliz é aquele que tem tempo. Menos enganoso seria dizer que feliz é aquele cujos dias de vida não foram roubados por outro – ou pelo dinheiro.
Não obstante, vai chegando o Natal. Parece que, como tem sido desde a travessia do Mar Vermelho, Roberto Carlos vai ter um programa especial só para ele na televisão. Não há marcador de tempo como Roberto Carlos. Talvez ele cante aquela “o importante é que emoções eu vivi”, ressoando a receita de felicidade que o dinheiro, vivíssimo, o dinheiro que não dorme nunca, prescreve para os seres humanos. Embalado nas canções de Roberto, quem é vivo tenta desaparecer (e não consegue), enquanto a penitenciária espreita o réveillon dos que até mandaram, mas não podem dizer que são o tempo.
*Jornalista, é professor da ECA-USP

Conservador na medida, por José Roberto de Toledo, OESP ( estado da arte)


O brasileiro é cada vez mais conservador. OK, a frase está ficando batida, mas ninguém tinha tentado medir o fenômeno. Até agora: o Ibope acaba de criar o Índice de Conservadorismo do brasileiro, apresentado em primeira mão ao leitor desta coluna. Os conservadores aumentaram entre os habitantes do Patropi de todas as faixas etárias e de renda, em ambos os sexos, em todas as religiões e em quase todas as regiões e níveis educacionais.
José Roberto de Toledo
22 Dezembro 2016 | 03h00
Baseado em cinco perguntas feitas à população, o Índice de Conservadorismo criado pelo Ibope acompanha as opiniões dos brasileiros sobre temas polêmicos e que costumam separar liberais de conservadores: 1) legalização do aborto, 2) casamento entre pessoas do mesmo sexo, 3) pena de morte, 4) prisão perpétua, 5) redução da maioridade penal. O questionário foi aplicado pela primeira vez em 2010, e repetido agora.
O conservador dos conservadores respondeu ser contra os itens 1 e 2, e a favor dos demais – na escala do Ibope, ele marcará 1 de conservadorismo. Já o liberal dos liberais é a favor dos dois primeiros itens, e contra o resto: seu índice é zero. Entre um e outro, o Ibope dividiu os brasileiros em três faixas, conforme a quantidade de respostas conservadoras. A distribuição dos resultados ajuda a entender a projeção de um Bolsonaro.
Nada menos do que 54% da população brasileira alcançou um índice igual ou superior a 0,7, que o Ibope definiu como alto grau de conservadorismo. Outros 41% – com índice entre 0,4 e 0,6 – estão na faixa do conservadorismo médio. Só 5% ficaram no baixo.
Na média, o brasileiro marcou 0,686 – bem mais para conservador do que para liberal. Ainda mais relevante, esse índice médio cresceu nos últimos seis anos: em 2010, era de 0,657. Colocando de outra maneira, o grupo dos que atingiram alto grau de conservadorismo cresceu de 49% para 54% nesse período.
As questões que puxaram o conservadorismo nesta década foram as três ligadas à insegurança pública e supostas maneiras de diminuí-la. O apoio à pena de morte pulou de 31% para 49% nos últimos seis anos. A favorabilidade à redução da maioridade penal – para permitir que adolescentes sejam julgados como adultos – cresceu de 63% para 78%. E a defesa da prisão perpétua para crimes hediondos aumentou de 66% para 78% desde 2010.
“Observa-se um aumento do conservadorismo em função do maior apoio às medidas punitivas, seja em decorrência do aumento das taxas de violência no País, ou de um desejo de se acabar com a impunidade percebida”, analisa Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência. Mas ela acrescenta outras nuances: “As questões políticas, econômicas e sociais pelas quais o País passa também contribuem para o endurecimento em relação à punição”.
Nas questões comportamentais, o conservadorismo não cresceu. Os mesmos 78% de 2010 continuam se declarando contrários à legalização do aborto, mas a taxa dos favoráveis cresceu de 10% para 17% (os “nem contra nem a favor” caíram de 10% para 4%). E aumentou significativamente a aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo: de 25% para 42%. Agora há um empate técnico com os contrários (estes caíram de 54% para 44%).
O medo da violência, portanto, é o principal drive do conservadorismo no Brasil do século 21. Mas não é o único. Pela ordem, os segmentos sociais e demográficos mais conservadores são: os evangélicos (índice 0,717 e crescendo), os homens (0,706 e em alta) e os menos escolarizados (0,701). Na outra ponta estão os que não são católicos nem evangélicos (0,649) e quem fez faculdade: 0,650. Este é um dos raros estratos onde o conservadorismo diminuiu. Não é coincidência.

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Odebrecht pagou US$ 788 milhões de propina em 12 países, informam EUA, OESP


O pagamento da propina, equivalente a R$ 2,6 bilhões, é relativo a 'mais de cem projetos'
Beatriz Bulla e Rafael Moraes Moura ,
O Estado de S.Paulo
21 Dezembro 2016 | 17h34
BRASÍLIA - A Odebrecht pagou aproximadamente US$ 788 milhões em propina, em 12 países, incluindo Brasil, Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. A informação consta em documento do Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos, tornado público nesta quarta-feira, 21, após o anúncio do acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem com os Ministérios Públicos brasileiro, americano e suíço. O pagamento da propina é relativo a “mais de cem projetos”. Em reais, o valor corresponde a R$ 2,6 bilhões na cotação de hoje.
Foto: Rafael Neddermeyer
Grupo
Sede da Odebrecht em São Paulo
O DoJ menciona que o Setor de Operações Estruturadas da empresa funcionou como um departamento de propina para a Odebrecht e empresas ligadas à empreiteira.
Com o pagamento dos US$ 788 milhões em propina, a empresa recebeu benefícios de aproximadamente US$ 3,336 bilhões, em contratos de obras públicas, segundo os americanos. No câmbio de hoje, o valor correponde a mais de R$ 11 bilhões.
“A Odebrecht e seus co-conspiradores fundaram e criaram uma estrutura secreta financeira que operou para contabilizar e desembolsar pagamentos de propina em benefício de políticos, partidos e candidatos” tanto do Brasil como dos outros países, diz o documento.