terça-feira, 20 de setembro de 2016

A reforma trabalhista amadurece - JOSÉ PASTORE


O Estado de São Paulo - 20/09

Durante anos a fio – para não dizer décadas –, fiquei quase sozinho nas discussões sobre a reforma trabalhista. Senti na pele quando o ministro do Trabalho Jaques Wagner disse considerar palavrão toda e qualquer referência à flexibilização das leis do trabalho.

O Brasil precisou destruir 1,5 milhão de empregos em 2015 e chegar a 12 milhões de desempregados em 2016 para admitir a necessidade daquela reforma. Hoje a imprensa, os advogados, os acadêmicos, os governantes e até mesmo boa parte dos dirigentes sindicais – laborais e empresariais – admitem a necessidade de modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) engrossaram essa ideia e deixaram claro que, havendo trocas compensatórias, empregados e empregadores, com a participação dos sindicatos, podem firmar suas próprias regras para presidir as condições do trabalho. É o reconhecimento da importância da negociação e da valorização dos acordos e convenções coletivas.

É claro que a modernização das leis do trabalho não é receita para gerar mais empregos. Estes dependem de investimentos bem direcionados para criar oportunidades de trabalho. Mas, feitos os investimentos, sobrará como obstáculo o medo de empregar que hoje domina a maior parte dos empregadores.

E de onde vem esse medo? Ele decorre da insegurança em relação às leis e à conduta da Justiça do Trabalho. Sim, porque os detalhes antiquados e superados que ainda habitam os textos legais deixam perplexos os empregados e empregadores que têm de entrar numa relação de trabalho.

Muitos dos preceitos legais que hoje assustam as partes foram justificáveis nas décadas em que se criou a legislação trabalhista. Naquele tempo, por exemplo, muitas mulheres carregavam sacas de café e de açúcar nas costas, sem dizer as que passavam horas a fio cortando cana sob sol a pino e mal alimentadas. Por isso, o legislador pôs na CLT que as mulheres teriam direito a descansar 15 minutos antes de começar a fazer uma hora extra.

Mas hoje tudo mudou. As tecnologias tornaram o trabalho mais leve. Por isso, enfermeiras, bancárias e balconistas não entendem por que têm de parar 15 minutos antes de fazer uma hora extra. E se revoltam quando isso é exigido porque esses 15 minutos, além de não serem remunerados, atrasam a sua hora de saída do trabalho. É evidente que essa proteção se tornou desnecessária e disfuncional nos dias atuais.

O mesmo se pode dizer da regra que impede a divisão das férias em dois períodos para os trabalhadores que têm 50 anos ou mais. Volto a dizer: nas décadas de 30 e 40, quando as primeiras leis trabalhistas foram cunhadas, um homem de 50 anos era considerado velho e, por isso, precisava descansar 30 dias seguidos depois de um ano e trabalho. Mas a demografia mudou, o envelhecimento é acompanhado por uma inegável melhoria da saúde, de modo que os trabalhadores de 50 anos estão mais para jovens do que para velhos. Não há razão, pois, de admitir o parcelamento de férias para quem tem 49 anos e a proibição para quem tem 50 anos.

Os exemplos são infindáveis para mostrar que a CLT envelheceu e não se ajustou aos tempos modernos. O Constituinte de 1988 percebeu isso, o que o levou a conceder enorme liberdade para empregados e empregadores negociarem coletivamente o que consideram melhor para si, respeitadas, é claro, as normas constitucionais, as regras de proteção da saúde e as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

O espaço de liberdade contido na Constituição de 1988 vem sendo reconhecido e aprovado pelo STF. Isso constitui grande avanço e deixa para trás o conceito de palavrão que os governantes do passado pretenderam atribuir às medidas que buscavam atender melhor empregados e empregadores e gerar mais empregos. É bom verificar que a sociedade começa a compreender a necessidade de modernização no campo do trabalho.

Luca e as eleições - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 20/09

SÃO PAULO - Se não houvesse pressões do meio ambiente, não haveria evolução, e a vida teria sido fácil para Luca ("last universal common ancestor"), a sigla inglesa pela qual os biólogos designam o mais recente organismo de qual descendem todos os seres vivos que habitam a Terra. Sem um ambiente muito volúvel e frequentemente inóspito, Luca, um ser unicelular que viveu entre 3,5 e 3,8 bilhões de anos atrás, talvez ainda reinasse soberano, hipótese em que não estaríamos aqui falando sobre biologia e política.

A decisão do STF que baniu as doações de empresas para eleições é o equivalente de um cataclismo ambiental que levará o sistema a evoluir. As ondas de choque estão aparecendo. Nos primeiros cruzamentos de dados, já foram encontradas doações feitas por generosos cadáveres e por entusiasmados beneficiários do Bolsa Família. Espera-se que os mal-adaptados políticos que conceberam esses esquemas sejam rapidamente fulminados pela Justiça Eleitoral, que assim contribuiria para reduzir a burrice escancarada do pool da nossa política.

Esses casos, porém, são só a casquinha. A brutal redução de recursos a alimentar as campanhas, se não for revertida por uma PEC ou compensada por fraudes mais difíceis de detectar, pressiona o sistema a modificar-se. Não é algo que veremos em uma ou duas eleições, mas a tendência é que os próprios políticos, para não morrer de inanição, busquem um desenho institucional em que o dinheiro de doações importe menos para o sucesso de suas candidaturas.

O elemento mais propenso a sofrer mutações é o sistema de voto proporcional, que hoje coloca milhares de candidatos a disputar as mesmas vagas (e os mesmos doadores) em grandes áreas geográficas. Uma solução bem razoável para reduzir custos e facilitar a escolha do cidadão é a adotar o voto distrital, que traria como subproduto um Legislativo mais próximo do eleitor.

Leilões de transmissão e a lógica de mercado

Título

Leilões de transmissão e a lógica de mercado
Veículo
Correio Braziliense
Data
16 setembro 2016
Autores
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro



Para acessar a imagem do artigo, clique aqui
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) decidiu postergar para 28 de outubro a realização do leilão de linhas de transmissão que ocorreria em 2 de setembro. Esse certame, que prevê investimentos que podem superar R$ 12 bilhões e envolve 25 lotes de ativos que serão construídos em cinco anos, já havia sido adiado duas vezes. A versão oficial para a postergação foi baseada no pedido de investidores que estavam interessados, mas que precisariam de mais tempo para preparar suas ofertas. O governo também alegou que a proximidade em relação à data do impeachment presidencial ocorrido em 31 de agosto poderia contaminar o bom transcorrer do leilão.
 
A despeito das explicações oficiais, o adiamento refletiu uma leitura governamental segundo a qual as condições econômicas do edital poderiam gerar resultados insatisfatórios já observados em leilões anteriores. Somando-se a isso o recente cancelamento do leilão de privatização da distribuidora de eletricidade de Goiás por falta de interessados (em função de preço inadequado), as autoridades decidiram voltar à prancheta para estruturar um edital mais alinhado à lógica de mercado.
 
Um retrospecto dos leilões de transmissão revela que no período entre janeiro de 2013 a abril de 2016, durante o qual foram realizados doze certames, 42% dos lotes (ou 47 de um total de 111 lotes) não receberam nenhuma oferta (os chamados lotes vazios). Esse fenômeno foi constatado com menor intensidade no triênio anterior (entre 2010 e 2012, a taxa de lotes vazios foi inferior a 9%, ou 6 lotes vazios de um total de 68 lotes leiloados) e praticamente inexistiu entre 2003 e 2009 (apenas um lote vazio entre os 96 leiloados).
 
Um dos indicadores que tem chamado a atenção dos investidores é uma espécie de preço normalizado, resultado da divisão entre a RAP (Receita Anual Permitida) e o investimento previsto. Enquanto no leilão anterior esse preço normalizado foi de 20,9% (R$ 2,555 bilhões de RAP para R$ 12,322 bilhões em investimentos estimados), o mesmo indicador para o leilão recém-cancelado caiu para 18,4% (R$ 2,325 bilhões de RAP para R$ 12,646 bilhões em investimentos).
 
O leitor otimista poderia dizer que esta redução de preço normalizado de apenas 2,5 pontos percentuais não é tão dramática. Mas talvez o mesmo leitor mudasse de opinião se soubesse que, mesmo com um preço maior, o leilão anterior não foi um sucesso. Dez dos 24 lotes do leilão de 13 de abril de 2016 não receberam proposta financeira (lotes vazios). Além disso, o grau de concorrência não foi animador: dos 14 lotes arrematados, apenas cinco foram disputados por mais de uma empresa. A soma da RAP dos lotes arrematados foi de R$ 1,362 bilhão, ou 53,7% da RAP total do leilão. Deixou-se “sobre a mesa” um investimento bilionário que precisará ser reprogramado para leilões futuros.
 
As lições precisam ser aprendidas e a estratégia do governo e do regulador deve ser diferente da adotada nos três últimos anos. Em vez de buscar acertar o preço do leilão com RAPs artificialmente baixas e desconectadas da realidade de mercado, a lógica precisa ser inversa, com RAPs iniciais mais altas, mesmo porque a modalidade de certame é a de leilão reverso: ganha determinado lote o ofertante que oferecer a menor RAP. Se a RAP teto fixada pela Aneel for suficiente para estimular competição, esta naturalmente cuidará de reduzi-la.
 
Com base nessa nova lógica, a Aneel (com apoio do Tribunal de Contas da União) precisa rever algumas referências conceituais e definir RAPs realistas - consequência, inclusive, de custos de capital mais atrelados aos custos de oportunidade para o capital próprio e às dificuldades de obtenção de financiamento - para atrair mais ofertantes, diminuindo o risco de lotes vazios, possibilitando disputa mais acirrada entre os competidores, e evitando custos desnecessários.
 
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
 

www.acendebrasil.com.br
Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil / 2008
São Paulo (11) 3704-7733

Essa mensagem foi enviada para jorgemachado@sti.com.br de newsletter@acendebr.com.br
Para redirecionar esta mensagem, acesse nossa página de redirecionamento.
Para alterar seus dados de cadastro, utilize nossa página de preferências
Caso não queira receber mais nossas mensagens, acesse cancelar seu cadastro.