quinta-feira, 26 de maio de 2016

A morada do diabo, por Alexandre Schwartsman, FSP


Ainda em sua primeira versão, a mesma que causou (justificado) escândalo em agosto do ano passado, o Orçamento federal previa deficit de R$ 30 bilhões, rapidamente transformado em superavit de R$ 24 bilhões, embora, é claro, apenas no papel. Tanto que a administração anterior já reconhecia que o número seria negativo e bem pior do que as primeiras estimativas, na casa de R$ 100 bilhões.
Ainda assim, quem segue a questão fiscal de perto já havia manifestado sua descrença, apostando num buraco ainda maior, e valores na casa de R$ 150 bilhões não chegavam a escandalizar ninguém, uma triste ilustração de como nos adaptamos facilmente à miséria. Nesse sentido, o anúncio de um deficit de R$ 170 bilhões, equivalente a 2,7% do PIB, foi recebido por uma sociedade anestesiada.
Não há dúvida de que o valor é horroroso e retrato do grau de deterioração das contas do governo nos últimos anos. Contudo, não chega a ser o pior desenvolvimento nessa frente: o que me deixa ainda mais horrorizado é o grau de incerteza que existe em torno dos números fiscais.
Não bastassem as repetidas revisões de metas (fenômeno constante nos últimos anos), há ainda a possibilidade de perdas de montante desconhecido associadas a eventos tão distintos como a necessidade de capitalização da Petrobras, ou a incapacidade da Eletrobras em publicar seu balanço auditado segundo regras internacionais, ou ainda o montante de créditos de má qualidade nos bancos federais e seus impactos sobre as finanças públicas.
É lamentável, mas aprendemos como um governo mal-intencionado e/ou incompetente na gestão fiscal pode causar um estrago sem precedentes. O quadro institucional, expresso em diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi simplesmente despedaçado no processo. Recuamos ao menos 20 anos em termos de instituições fiscais. Idealmente essas deveriam ser reconstruídas, mas não temos sequer certeza de que seremos capazes de tal tarefa.
Sob essa ótica, as medidas anunciadas nesta terça (24) são, em sua maioria, uma manifestação de intenções corretas, mas, para falar a verdade, não muito mais que isso.
Dessas, a antecipação de pagamentos por parte do BNDES para o Tesouro Nacional é a que deve produzir o maior impacto, R$ 100 bilhões. Da mesma forma, porém, que a concessão dos empréstimos não é despesa, sua amortização não é receita. Embora muito inferior ao tamanho da dívida (R$ 4 trilhões, ou 67% do PIB em março), o efeito equivale a algo como 1,7% do PIB e pode reduzir a conta de juros em algo como R$ 7 bilhões/ano.
Já a fixação de um teto para as despesas do governo federal de acordo com a inflação antecipa uma queda destas relativamente ao PIB. No entanto, sem medidas mais claras no que se refere às vinculações e à adequação da Previdência, não é claro como o teto será cumprido. O diabo mora nos detalhes e resta, portanto, saber como, na emenda constitucional sobre o tema, o governo pretende lidar com essa questão.
Segundo Alexandre Pombini, "a inflação em si jamais fugiu ao controle nesses 17 anos do regime de metas". O grau de alienação dessa afirmação revela por que a inflação atingiu mais de 6% ao ano entre 2011 e 2014, 10,7% em 2015 e 9,6% nos últimos 12 meses, comparada a uma meta de 4,5%. Já vai tarde...

domingo, 22 de maio de 2016

O infernal estoque de pobres, por Clovis Rossi, na FSP

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Depois de pouco mais de 13 anos de governo do PT, o partido que sempre se considerou o paladino dos pobres, o Brasil conta com 73.327.179 pessoas pobres -o que dá cerca de 36% de sua população total.
Não sou eu quem o diz, mas o sítio oficial do Ministério de Desenvolvimento Social de Dilma Rousseff, ao informar sobre o Cadastro Único para Programas Sociais, que "reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda -aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa".
Famílias de baixa renda é um piedoso eufemismo para pobres ou, até, para miseráveis, conforme se pode ver quando se separam os cadastrados por faixa de rendimento: de R$ 0 até R$ 77 -38.919.660 pessoas;
de R$ 77,01 até R$ 154 -14.852.534; de R$ 154,01 até meio salário mínimo -19.554.985.
O total é um estoque infernal de miséria e pobreza. Pode até haver mais, porque o cadastro inclui 7,8 milhões de pessoas que ganham mais que meio salário mínimo. Mas não especifica quanto mais.
O estoque existente em janeiro de 2015, a data mencionada no sítio do ministério, torna suspeita a propaganda petista segundo a qual 45 milhões de pessoas deixaram a pobreza nos anos Lula/Dilma.
Se essa informação for verdadeira, ter-se-ia que o estoque de pobres quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seria de quase 120 milhões (os 73 milhões que continuam de baixa renda em 2015 mais os 45 milhões que escaparam da pobreza). Daria, então, cerca de 60% da população brasileira atual, o que não parece plausível.
Mas o ponto principal nem é esse. O que assusta nos números oficiais é que, se um partido que tinha como retórica permanente a defesa dos pobres lega 73 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, o que acontecerá agora que o novo samba de uma nota só é o acerto das contas públicas?
A austeridade, condição sine qua non para ajustar as contas, é, pelo menos nos primeiros momentos, inimiga do crescimento, que, por sua vez, é indispensável (mas não suficiente) para reduzir a pobreza.
Basta ver o estrago social provocado, em vários países da Europa, por políticas semelhantes às que se anunciam no Brasil de Michel Temer.
É verdade que os crentes nas virtudes celestiais dessas políticas dizem, sempre, que haverá um pote de ouro no fim do arco íris. Não é bem o que está acontecendo na Europa, mas só resta aguardar.
Por enquanto, dá para desconfiar que tende a se perpetuar a incapacidade de o Brasil livrar-se do aleijão da pobreza. Frei Betto, amigo e confessor de Lula, desiludido com o governo do amigo, deu entrevista ao "Valor Econômico" em que aponta o que ocorreu nos governos petistas:
"Investiu-se mais em facilitar à população acesso aos bens pessoais (celular, computador, carro, linha branca), quando se deveria priorizar o acesso aos bens sociais (educação, saúde, moradia, segurança, saneamento etc)".




Dá para acreditar que o novo governo investirá em acesso da maioria aos bens sociais, tão reclamados nas manifestações de junho de 2013? 

A outra sucessão, por Janio de Freitas



Já se pode entender a atitude sinuosa de Lula desde que acelerada, há dois anos, a guerra aberta contra ele, contra o PT e contra Dilma. A cada ataque mais infeccioso, Lula falava de uma próxima mobilização petista, do breve início de viagens suas "por este país todo", da ocupação manifestante das ruas. Essas reviravoltas foram propaladas tantas vezes quantas descumpridas por marasmo inexplicado. Seu e do partido a reboque. É, porém, em mais uma sinuosidade que se encontra o esclarecimento.
Diz Lula que pode ser candidato para salvar os programas sociais, mas está trabalhando pela candidatura de alguém mais moço. Ou seja, é possível candidato nas palavras, mas na intenção não é. Não quer ser. Já não queria, vê-se, quando o conservadorismo se organizava para montar a barragem contra sua assustadora candidatura. A vontade negativa prevalece, invalidando as sucessivas promessas de ação. E agora entra, de leve ainda, no tempo de admitir-se.
Para quem goste das especulações infrutíferas, que têm tantos adeptos na imprensa, uma indagação se oferece: se Lula houvesse deixado clara e firme, bem lá atrás, a desistência à candidatura em 2018, a oposição partidária, o grande empresariado e a imprensa fariam a mesma campanha para liquidá-lo? Ou antes achariam mais útil gerar, para os seus interesses, as candidaturas promissoras que até hoje não têm?
Sem Lula na corrida, a situação do PT é dramática. Mas a da oposição não é melhor. Temer assegurou-a publicamente de que não será candidato em 2018, e isso deu maior ânimo aos pretendentes peessedebistas para impulsionar o impeachment que é, na forma, anti-Dilma, e no objetivo, anti-Lula. Mas quem no PSDB imagina que o bando mercantilista do PMDB abrirá mão das bocas riquíssimas, vai aprender o que Dilma demorou, mas aprendeu.
Aécio, Serra, Alckmim, e quem mais sonhe com candidatura no PSDB, estão dependentes do governo Temer. Se o arremedo de administração fracassa, nem passarem de governistas a oposicionistas lhes servirá: vão ser responsabilizados, perante o eleitorado, como criadores gananciosos da aventura que deu em desastre maior que o anterior. E estar dependente da competência e seriedade de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima e congêneres é, no mínimo, beira de abismo. Mesmo o mais badalado, Henrique Meirelles, é experiente em área financeira, mas uma incógnita em direção econômica, além de sua visão ilusória da política brasileira.
Na oposição, o PT pode até não se beneficiar em grande escala do fracasso do governo. Mas prejudicado não será, por certo ganha alguma coisa. O PT hoje está como a Rede de Marina Silva, são partidos que dependem só de si mesmos. Se souber aproveitar as circunstâncias, o PT pode mesmo fazer e ter surpresas. Em seguida ao golpe de 64, o PCB recebeu adesões espontâneas no país todo. Era a reação natural dos indignados, que hoje são multidões. Caso o PT encontre alguma criatividade, com campanhas que busquem adesões à restauração da democracia, à defesa de direitos e à conquista de novos, pode dar-se sua tão falada e nunca iniciada refundação.
Muita coisa gira, já, em torno de 2018. O PSDB não tem muito a fazer, por mais que a imprensa faça pelos pretendidos pré-candidatos do partido. Assim como a Rede e o PSOL, os petistas têm escolha entre aproveitar ou não as circunstâncias: com ou sem candidatura de Lula, o futuro do PT não está no futuro, está no presente.
Jogadas
Nenhum interesse carreia mais dinheiro, nem com maior constância, para congressistas e determinados integrantes de governo do que a reabertura dos cassinos. É assim há dezenas de anos. Durante o governo Sarney, viagens de congressistas eram patrocinadas por donos de cassinos de Las Vegas, para se animarem com o jogo lá e, na volta, o promoverem aqui. Amaral Netto, que liderava a bancada do jogo, organizou numerosas caravanas. Em tempos recentes, o destino passou a ser o jogo no Uruguai.


As torneiras dos já donos de cassinos e dos desejosos de o serem, brasileiros e estrangeiros, não secam.