sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Descarte ilegal e falta de informação brecam reciclagem de entulho de obra, FSP


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O procedimento mais comum continua sendo o de jogar fora em algum lugar, longe dos olhos e da fiscalização. Assim, apesar de o Brasil contar com 310 usinas recicladoras com capacidade de movimentar milhões de toneladas de material, a maior parte do entulho de construções, reformas e demolições acaba indo para pontos irregulares de descarte, como vazadouros, terrenos baldios e lixões.
A disposição irregular nas ruas causa entupimento de galerias de esgotamento, assoreamento de canais, poluição e aumenta de custos da administração pública. A destinação para os aterros sobrecarrega esses locais, diminuindo sua vida útil.
Os vilões não são apenas construtoras e empresas de porte, desrespeitando as leis para os grandes geradores de resíduos, que devem se ocupar da logística e dos custos da destinação correta. O puxadinho, a troca de piso e as pequenas reformas contribuem substancialmente para o volume de entulho depositado em locais indevidos.
O que mais sobra em obra é alvenaria e concreto, materiais que se enquadram como classe A, passíveis de reciclagem para utilização na própria obra onde são gerados, ou então encaminhados para usinas especializadas.
Do montante gerado no Brasil, uma parcela ainda pequena é encaminhada para as empresas recicladoras, para se transformar em um material chamado genericamente de agregado reciclado.
O agregado que se produz atualmente é destinado principalmente para a pavimentação, mas pode ser usado em outras aplicações como matéria prima para o concreto. Só que falta informação, monitoramento de qualidade e cultura do reúso para fazer rodar essa engrenagem que é fundamental no caminho da economia circular.
Para entender o estado atual da reciclagem de entulho, a Abrecon (Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição) consultou seus associados entre junho de 2014 a junho de 2015. Os resultados da pesquisa com 105 recicladoras do país –cerca de um terço do total– foram apresentados em seminário na quinta-feira (17) em São Paulo.
A associação lançou também o mapa Abrecon, com versão para celular e site, um sistema de geolocalização de usinas em todo o Brasil, permitindo conectar as três partes do negócio: o gerador de resíduos, o consumidor de agregado e as empresas recicladoras.
PROJEÇÃO
Segundo projeção realizada pela Abrecon, o Brasil gera cerca de 84 milhões de metros cúbicos de entulho na construção civil por ano. Para quem quer um desenho, esse volume daria para encher 33,5 mil piscinas olímpicas, teria a altura de 7.000 prédios de 10 andares e daria para pavimentar 168 mil km de estradas, de acordo com o presidente da associação, Hewerton Bartoli.
O cálculo dos 84 milhões de metros cúbicos levou em conta trabalho de doutorado da Poli da USP (Escola Politécnica) realizado em 1999, que apontou que no país são gerados 500 kg de resíduos de construção civil e demolição (RCD) por habitante por ano. Considerando 202.033.670 habitantes e que a massa unitária do RCD é de 1.200 kg/metro cúbico, estimou-se que a geração anual de RCD de 84.180.696 metros cúbicos.
PESQUISA
A pesquisa Abrecon aponta que, das 105 usinas pesquisadas, 83% são privadas, 10% públicas e 7% público-privadas. A maior parte delas é fixa, mas houve aumento das estruturas móveis nos últimos anos, devido a maior capacidade de adaptação às demandas locais. Ainda segundo o levantamento, o Estado de São Paulo concentra 54% das usinas do país. Na sequência vêm os Estados do Rio de Janeiro e do Paraná, cada um com 7% das recicladoras.
De 2010 a 2014, o segmento de reciclagem de resíduos da construção e demolição cresceu aproximadamente 400% no Brasil. As usinas movimentaram cerca de R$ 391 milhões no último ano e 64% delas faturam até R$ 100 mil reais/mês. No ano passado, reciclaram 17 milhões de metros cúbicos, mas teriam capacidade nominal de produção de 38 milhões de metros cúbicos ao ano.
Para aumentar a produção, Bartoli acredita que é necessário que sejam revistas normas técnicas sobre o uso do agregado e obter incentivo legal para o uso do material reciclado na construção civil.
De acordo com o último Panorama Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos) só as coletas municipais devem ter recolhido em 2014 cerca de 45 milhões de toneladas de resíduos de construção civil e demolição, o que significa um aumento de 4,1% em relação a 2013.
Em geral, os municípios coletam os RCDs de obras sob sua responsabilidade e os que são lançados em logradouros públicos pelos moradores. Portanto, as projeções da Abrelpe não incluem entulho oriundo de demolições e construções coletado por serviços privados, como as usinas representadas pela Abrecon. 

o fenômeno do ‘espírito golpista dos ricos contra os pobres’

De Veríssimo, no globo:
Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar. Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos, quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme. O país precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros. Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio. Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos. O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita. Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta. Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.
Nada do que está escrito no parágrafo anterior foi dito por um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é exatamente um carbonário. Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.
Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo, crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

DESPOLUIÇÃO DO TIETÊ É REIVINDICAÇÃO ELITISTA, por Alvaro Rodrigues dos Santos



Desde já explicando adequadamente esse título francamente provocativo. Por óbvio

que todos gostariam e mereceriam rios urbanos inteiramente despoluídos, capazes de

honrar a história e prover as cidades de elementos ambientais, culturais e de lazer,

quando não de saudáveis recursos hídricos para abastecimento e de infraestrutura

natural para o transporte hidroviário.

Porém, esse tipo de reivindicação, quando expresso isoladamente, fora do contexto

mais geral de programas de saneamento básico, imaginando para tanto que a desejada

despoluição venha a ser fruto de ações junto ao próprio curso d’água, como o

conhecido Projeto Flotação que pretendia com intervenções tecnológicas no próprio

canal despoluir o que nos resta do Rio Pinheiros, implica inexoravelmente em dirigir

grande quantidade de recursos públicos escassíssimos em operações de limitado

alcance social e que em nada mudariam o baixíssimo patamar de saneamento público

de nossas cidades; deficiência essa que, paradoxalmente, está na raiz da poluição dos

rios urbanos.

Fixando a afirmação: a poluição dos rios urbanos é causada pelas águas, fluidos e

detritos vários originados pelas cidades que os envolvem. Não há poluição hídrica

gerada nos próprios rios. A qualidade das águas dos rios urbanos é conseqüência e

retrato direto e exato da qualidade dos serviços urbanos de saneamento (distribuição

de água potável, recolhimento de efluentes por redes de esgotos, tratamento dos

esgotos recolhidos e realimentação da rede hidrográfica).

Vejamos alguns números (ordens de grandeza) da maior metrópole brasileira, a

paulistana (RMSP), a qual geograficamente coincide em sua maior parte com a Bacia

Hidrográfica do Alto Tietê, que tem o próprio Tietê como rio principal e o Pinheiros

e o Tamanduateí, como seus principais afluentes: volume de esgoto gerado

anualmente: 1.350.000.000 m³; volume de esgoto coletado: 900.000.000 m³/ano;

volume de esgoto tratado: 497.000.000 m³/ano. Do que se depreende que, por dados

oficiais, são recolhidos apenas 67% do esgoto total gerado, e são tratados apenas

cerca de 37% desse mesmo volume total. Ou seja, bem mais da metade do esgoto

gerado na RMSP é lançado em termos práticos diretamente na rede hidrográfica

urbana. Isso sem considerar as inúmeras e qualitativamente expressivas

irregularidades de esgotos auto-gerados não oficialmente computados e

irregularmente lançados in natura que sabidamente existem em abundância em toda a

metrópole, o que evidentemente torna a situação ainda mais grave.

Pois bem, frente a esse terrível quadro, e sabedores que suas vítimas maiores habitam

áreas faveladas e as zonas periféricas pobres de nossas cidades, fica-nos

absolutamente claro que os ganhos que teremos na qualidade das águas de nossos rios

serão fruto direto dos ganhos que tivermos nas políticas públicas de saneamento

básico. Isto é, nossos rios serão despoluídos na medida da extensão das boas práticas

de saneamento para toda a cidade, ou, em outras palavras, nos ganhos de cidadania

em saneamento básico. De quebra, teremos rios limpos e cheios de vida. Ou seja, a

despoluição dos rios acontecerá como decorrência natural, em um movimento de fora

para dentro, se assim pudermos dizer.

Nesse cenário, onde está caracterizado um claro injustiçamento social das populações

mais pobres, podemos afirmar, sim, que a reivindicação de termos rios limpos

resultantes de caríssimas operações tecnológicas neles próprios aplicadas, enquanto a

população pobre obriga-se a viver arriscadamente em ambientes contaminados por

esgotos a céu aberto, contém sim um indisfarçável caráter elitista e excludente.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

 Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  - Instituto de Pesquisas Tecnológicas

 Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira

da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e

Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.

 Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia