segunda-feira, 14 de setembro de 2015

DESPOLUIÇÃO DO TIETÊ É REIVINDICAÇÃO ELITISTA, por Alvaro Rodrigues dos Santos



Desde já explicando adequadamente esse título francamente provocativo. Por óbvio

que todos gostariam e mereceriam rios urbanos inteiramente despoluídos, capazes de

honrar a história e prover as cidades de elementos ambientais, culturais e de lazer,

quando não de saudáveis recursos hídricos para abastecimento e de infraestrutura

natural para o transporte hidroviário.

Porém, esse tipo de reivindicação, quando expresso isoladamente, fora do contexto

mais geral de programas de saneamento básico, imaginando para tanto que a desejada

despoluição venha a ser fruto de ações junto ao próprio curso d’água, como o

conhecido Projeto Flotação que pretendia com intervenções tecnológicas no próprio

canal despoluir o que nos resta do Rio Pinheiros, implica inexoravelmente em dirigir

grande quantidade de recursos públicos escassíssimos em operações de limitado

alcance social e que em nada mudariam o baixíssimo patamar de saneamento público

de nossas cidades; deficiência essa que, paradoxalmente, está na raiz da poluição dos

rios urbanos.

Fixando a afirmação: a poluição dos rios urbanos é causada pelas águas, fluidos e

detritos vários originados pelas cidades que os envolvem. Não há poluição hídrica

gerada nos próprios rios. A qualidade das águas dos rios urbanos é conseqüência e

retrato direto e exato da qualidade dos serviços urbanos de saneamento (distribuição

de água potável, recolhimento de efluentes por redes de esgotos, tratamento dos

esgotos recolhidos e realimentação da rede hidrográfica).

Vejamos alguns números (ordens de grandeza) da maior metrópole brasileira, a

paulistana (RMSP), a qual geograficamente coincide em sua maior parte com a Bacia

Hidrográfica do Alto Tietê, que tem o próprio Tietê como rio principal e o Pinheiros

e o Tamanduateí, como seus principais afluentes: volume de esgoto gerado

anualmente: 1.350.000.000 m³; volume de esgoto coletado: 900.000.000 m³/ano;

volume de esgoto tratado: 497.000.000 m³/ano. Do que se depreende que, por dados

oficiais, são recolhidos apenas 67% do esgoto total gerado, e são tratados apenas

cerca de 37% desse mesmo volume total. Ou seja, bem mais da metade do esgoto

gerado na RMSP é lançado em termos práticos diretamente na rede hidrográfica

urbana. Isso sem considerar as inúmeras e qualitativamente expressivas

irregularidades de esgotos auto-gerados não oficialmente computados e

irregularmente lançados in natura que sabidamente existem em abundância em toda a

metrópole, o que evidentemente torna a situação ainda mais grave.

Pois bem, frente a esse terrível quadro, e sabedores que suas vítimas maiores habitam

áreas faveladas e as zonas periféricas pobres de nossas cidades, fica-nos

absolutamente claro que os ganhos que teremos na qualidade das águas de nossos rios

serão fruto direto dos ganhos que tivermos nas políticas públicas de saneamento

básico. Isto é, nossos rios serão despoluídos na medida da extensão das boas práticas

de saneamento para toda a cidade, ou, em outras palavras, nos ganhos de cidadania

em saneamento básico. De quebra, teremos rios limpos e cheios de vida. Ou seja, a

despoluição dos rios acontecerá como decorrência natural, em um movimento de fora

para dentro, se assim pudermos dizer.

Nesse cenário, onde está caracterizado um claro injustiçamento social das populações

mais pobres, podemos afirmar, sim, que a reivindicação de termos rios limpos

resultantes de caríssimas operações tecnológicas neles próprios aplicadas, enquanto a

população pobre obriga-se a viver arriscadamente em ambientes contaminados por

esgotos a céu aberto, contém sim um indisfarçável caráter elitista e excludente.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

 Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  - Instituto de Pesquisas Tecnológicas

 Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira

da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e

Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.

 Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

Nenhum comentário: