quinta-feira, 4 de dezembro de 2014


As cruzes do gabarito

JOSÉ DE SOUZA MARTINS - O ESTADO DE S. PAULO
15 Novembro 2014 | 16h 00

Somos um povo cansado de responder. A educação só liberta quem aprende a perguntar

WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Na praia. Folclore dos atrasos ofusca os milhões que cumpriram o horário
Passados os momentos de ansiedade do Exame Nacional do Ensino Médio - Enem 2014 - já é hora de uma primeira reflexão sobre esse momento decisivo na vida de milhões de jovens brasileiros. De modo geral, no noticiário os aspectos folclóricos e irrelevantes do acontecimento prevaleceram sobre as questões substantivas com ele relacionadas. Muito destaque se deu para os que se atrasaram e perderam o exame, o destino adiado e talvez interrompido. Nenhum destaque, porém, para a imensa maioria que zelosamente incluiu no roteiro de sua preparação o cuidado com a serenidade do espírito e a prudência com a questão dos horários. Não temos nenhum apreço pelos cumpridores do dever, pelos que se esforçam para executar pontualmente e completamente as obrigações que a todos cabem na trajetória da vida. Não temos nenhuma admiração pelos que se devotam a seus compromissos como missão, como dever de cada um para com o destino de todos e não só com o interesse próprio. É disso que se trata quando nos submetemos às provas que nos habilitam a dar o passo seguinte em direção ao mundo responsável dos adultos. 
Rimos dos que se perdem no caminho ou dos que se deixam ficar, o que só por acaso não ocorreu com os vitoriosos. Heróis do acaso, gostamos de ter pena e até precisamos de vítimas das adversidades para nos justificarmos quanto ao menos que fizemos em relação ao muito que poderíamos ter feito. Fazemos do fracasso alheio o prazer do nosso triunfo relativo. Daí a descabida importância das cenas de jovens correndo para atravessar o portão que se fecha ou se dependurar na cerca intransponível que se ergue em seu caminho. Estão entre os sem sorte na multidão dos supostos sortudos, os que chegaram em tempo para fazer a prova, para completar a travessia da escola média, até mesmo para ingressar numa escola de terceiro grau ou numa escola superior ou, quem sabe, na universidade. 
No entanto, entre os que atravessaram em tempo essa barreira física e simbólica, há histórias épicas que desconhecemos e pelas quais não nos interessamos. Podemos adivinhá-las nos flagrantes cheios de significados das muitas imagens que ilustraram a saga daqueles cujas faces e cujos gestos ficaram nos instantâneos dos periódicos e da TV. São os examinandos de mais idade, cujas fotografias vimos e nos falam de biografias de esforço, de gente que não sucumbiu às tantas armadilhas da vida, às muitas adversidades, à demagogia dos discursos baratos contra o diploma, gente que não aceitou ficar para trás, gente que estudou trabalhando, que se privou dos pequenos e ilusórios prazeres de que dispôs quem desistiu, ou quem não insistiu, ou nem mesmo tentou. São os vários que em cadeiras de rodas atravessaram os portões dos lugares do exame empurrando-se corajosamente sobre as barreiras demarcatórias das grandes passagens da vida, os que não temeram pontes estreitas sobre largos abismos e as cruzaram. 
A predileção pelos episódios de fracasso não nos permitiu ver a beleza azul da esperança de milhões de jovens que não se renderam às tentações deste cenário de pessimismo, de desalento, de falta de perspectiva em que estamos mergulhados nestes tempos cinzentos de intenso calor e pouca perspectiva. A vida e o destino medidos e demarcados pelas quadrículas de um gabarito que diz quem passa e que diz quem fica, quem tem amanhã e quem tem apenas o ontem ou, quando muito, o hoje.
Os 2,5 milhões que se inscreveram e não vieram, os que partiram e não chegaram, o que quiseram dizer-nos ou, mais que tudo, dizer a si mesmos? Os que não atravessaram os muitos portões que em diferentes pontos do País se fecharam às 13h do horário de Brasília, conforme foi anunciado, horário que mais nos fala de poder do que de saber? O que nos dizem seu silêncio e sua ausência? Que estranho caminho é esse em que tantos se perdem, tantos ficam, tantos não passam? E os gabaritos de cruzinhas disfarçadas no preenchimento a lápis das quadrículas de respostas, que crucificam mais do que redimem do peso provisório da adolescência, que encolhem sonhos, que encerram esperanças? Que saber revelam as cruzes dos gabaritos, que saber escondem? Que calvário é esse atravessado no meio do caminho do começo da vida? O que sabem os que fazem as cruzes nas quadrículas certas? O que sabem os que as fazem nas erradas? Em quais se esconde o destino das novas gerações? E o Brasil, em que quadrícula está sua cruz? Em que dissertação está sua voz? Que Brasil é esse que passa na prova? Que Brasil é esse que a prova reprova? Quem educará o educador? Somos um povo cansado de responder a uma escola que insiste em não nos ensinar a construir a poesia da pergunta. A educação só liberta quem aprende a perguntar. 
*
José de Souza Martins é sociólogo e professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de Uma Sociologia da Vida Cotidiana (Contexto)

Por que não falta água em Jundiaí

Dos mais de 70 municípios paulistas abastecidos pelos rios do sistema Cantareira, poucos como Jundiaí não estão em situação desesperadora pela falta de água. Como eles conseguiram?

BRUNO CALIXTO
24/11/2014 12h57 - Atualizado em 24/11/2014 20h58
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Represa no rio Jundiaí-mirim, em Jundiaí, está com 70% de sua capacidade e não enfrenta problemas por conta da seca em São Paulo (Foto: Rogério Cassemiro/ÉPOCA)
Muitos moradores da cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, trabalham na capital do Estado. Eles saem todo dia de manhã de casa e vão trabalhar na metrópole. Ele vivem duas realidades. No lugar onde passam o dia, sentem os efeitos da grave crise de água paulista. Notam uma piora na qualidade da água que bebem e escutam relatos de vários amigos que enfrentam cortes semanais de água em suas casas. Em Jundiaí, a situação é completamente oposta. Os 350 mil habitantes de Jundiaí estão em uma ilha de abastecimento, enquanto as cidades ao redor sofrem com a seca. A represa da cidade, por exemplo, está com 70% de sua capacidade de armazenamento, enquanto o sistema Cantareira, que abastece São Paulo, está com apenas com 10%. Cidades próximas, como Itu ou Campinas, estão em situação desesperadora, enquanto o abastecimento em Jundiaí é classificado como "satisfatório" pela Agência Nacional das Águas (ANA). Certamente não choveu mais em Jundiaí do que nas cidades vizinhas. Como explicar?
A tranquilidade que Jundiaí passa na crise não é fruto de um prefeito ou uma administração, mas de uma série de medidas que começaram no passado e continuaram em administrações seguintes. A primeira represa da cidade foi construída há mais de 60 anos. Segundo o diretor-presidente da DAE-Jundiaí, Jamil Yatim, a represa foi ampliada em vários momentos, como na década de 1970 e na de 1990, e mesmo agora, sem estar passando por racionamento, há a previsão de novas obras. "Nós não estamos com problemas, mas estamos planejando ampliar a represa. E se ocorrer outra seca grave como essa? Espero que não, mas se acontecer, temos que estar preparados", diz Yatim.
A principal responsável pela situação confortável da cidade hoje foi uma decisão tomada há 20 anos. Em 1994, prevendo o crescimento da população, Jundiaí fez um pedido ao Comitê de Bacias Hidrográficas para aumentar a quantidade de água que capta do rio Atibaia. Na época, a cidade tinha autorização para captar 700 litros por segundos, e pedia para aumentar esse valor para 1.200 litros por segundo. O Comitê concordou com o pedido, mas fez quatro exigências: construir uma represa no rio Jundiaí-Mirim, uma estação de tratamento de esgoto, instalar novos equipamentos hidrométricos e reduzir as perdas de água no abastecimento. Diferentemente do que costuma acontecer no Brasil, essas medidas não ficaram apenas no papel ou perdidas na burocracia. Uma vez colocadas em prática, elas criaram a situação de segurança hídrica na cidade. 
A represa funciona como uma poupança. Quando o consumo da cidade é menor do total que ela pode captar do rio Atibaia, a água é direcionada para a represa, que "guarda" esses litros a mais para uma situação de estiagem, como a que enfrentamos agora. Um sistema semelhante foi proposto pela Sabesp para o sistema Cantareira, o Banco das Águas. No entanto, no caso paulistano, o sistema não conseguiu armazenar a água em anos chuvosos, como 2011, e abriu as comportas, desperdiçando essa água.
Represa no rio Jundiaí-mirim, em Jundiaí, está com 70% de sua capacidade e não enfrenta problemas por conta da seca em São Paulo (Foto: Rogério Cassemiro/ÉPOCA)
O exemplo de Jundiaí mostra que o planejamento e obras feitas ao longo do tempo, mesmo em anos chuvosos, acabam se tornando a melhor forma de se preparar para a estiagem. Hoje, a cidade é a quinta melhor do país no ranking de saneamento e abastecimento do Instituto Trata Brasil, com baixos níveis de perda de água nos encanamentos. Mas os recursos hídricos no Brasil nunca foram realmente pensados a longo prazo. O resultado é que Jundiaí é uma exceção. Segundo Francisco Lahóz, presidente do Consórcio PCJ - uma união de prefeituras e empresas que consomem água dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí -, das 76 cidades da região, apenas Jundiaí e mais cinco podem dizer que não estão passando por crise. Ele cita Nova Odessa, Piracicaba, Santa Bárbara d'Oeste, Cabreúva e Indaiatuba.
Mesmo as poucas cidades que estão em situação confortável de abastecimento não fizeram obras por visão de futuro, mas por necessidades do momento. É o caso de Piracicaba e Nova Odessa. Piracicaba fez obras de abastecimento na época da construção do Sistema Cantareira, por medo de que o Cantareira secasse os rios que abastecem a cidade. Essas obras, como a captação de água do rio Corumbataí, permitem que a cidade tenha relativa tranquilidade no abastecimento. Nova Odessa é outro caso. A cidade estava muito distante do rio Jaguari ou Atibaia para captar água, e por isso optou por fazer um reservatório em um ribeirão local. "Muitas vezes, não é que a cidade teve um planejamento exemplar. É a que própria necessidade obrigou as prefeituras a fazer alguma coisa", diz Lahóz. Santa Bárbara d'Oeste também tem sua própria represa, enquanto que Cabreúva e Indaiatuba se beneficiaram de uma mudança no status da qualidade da água de rios locais, aumentando a possibilidade de captação.
Ter um reservatório ou uma outorga para captar água de várias fontes acaba sendo o fator em comum das poucas cidades da região da Cantareira que conseguem manter o abastecimento normalizado mesmo durante a pior crise de água de São Paulo. Porém, se vamos pensar no futuro, essas medidas não são suficientes. Os gestores precisam planejar melhor a situação dos recursos hídricos no país, reflorestar regiões da Mata Atlântica para proteger mananciais e incentivar a população a utilizar a água de forma consciente. Desta forma, na próxima estiagem, mais cidades, ou quem sabe todas elas, possam conseguir driblar a seca como fez Jundiaí.

CPI: Ex-diretor da Petrobras Ildo Sauer aponta divergências com Dilma


Por Thiago Resende | Valor
BRASÍLIA  -  Em tom de crítica à presidente Dilma Rousseff, o ex-diretor de gás e energia da Petrobras Ildo Sauer disse nesta quarta-feira que decisões como a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, não podem ser tomadas com base apenas num resumo executivo em caso de dúvidas. Dilma era presidente do Conselho de Administração da estatal durante o negócio e, por isso, tinha acesso a todas informações sobre a aquisição, lembrou Sauer.
“Essa responsabilidade não se decide com base num resumo executivo [...] Mas não pode confiar [no resumo] e depois achar que foi falho”, afirmou o ex-diretor após participar de uma sessão “informal” da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional que investiga supostas irregularidades na estatal.
Para ele, há um “exagero dizer que tomou a decisão com base num resumo falho”, pois, como presidente do conselho, Dilma poderia pedir dados adicionais e até contratar consultorias externas.
Pasadena
Durante a sessão "informal", Sauer disse não saber se houve irregularidade na compra da refinaria de Pasadena, localizada nos Estados Unidos, mas dados disponíveis no momento da aquisição diziam que era um bom negócio.
“Se houve irregularidade ou não, eu não posso afirmar. Tem que se investigar”, declarou. Os “documentos que foram apresentados para a diretoria”, no entanto, apontam que era “um bom negocio”, concordando, portanto, com o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli e o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró.
O ex-diretor afirmou que foi demitido da estatal por divergências político-administrativas. Sauer contou que Dilma, então ministra de Minas e Energia e presidente do conselho da Petrobras, fazia exigências das quais ele discordava.
“Como o setor elétrico ia mal, ela queria empurrar para a Petrobras coisas que a Petrobras não poderia e não deveria fazer. Eu não fiz. Tchau e benção!”, declarou a jornalistas após o depoimento “informal”.
Ao lembrar que trabalhou na Petrobras de 2003 a 2007, o ex-diretor afirmou que fez “várias críticas internas e algumas públicas por divergências político-administrativas”.
Sauer também negou ter participado do suposto esquema de corrupção na estatal. “Repudio esse tipo de afirmação até porque a energia não conduzia obra nenhuma. Ela não tem engenharia para conduzir”, afirmou.
Questionado se foi nomeado ao cargo de diretor na Petrobras por indicação política, Sauer explicou sua relação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alegou: “não me sinto apadrinhado”. Ele frisou ser um técnico e ter conhecimento para ter comandado a diretoria de gás e energia. “Nunca vinculei minha nomeação a qualquer grupo partidário”, completou.
Para o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que presidiu a sessão "informal", o depoimento não será perdido, pois a oposição vai pedir que as informações dadas por Sauer sejam incluídas no relatório da CPI, apesar de o relator, deputado Marco Maia (PT-RS), nem um substituto terem participado do encontro.


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