domingo, 3 de agosto de 2014

Em 2013, brasileiro produziu 3 milhões de toneladas de lixo a mais


ADRIANA FERRAZ - O ESTADO DE S. PAULO
02 Agosto 2014 | 03h 00

Volume é 4,1% maior em relação ao ano anterior; prazo para fim de lixões venceu, mas 40% dos resíduos têm destinação inadequada

Em vez de reduzir, o brasileiro produziu mais lixo em 2013. O aumento foi de 4,1% em relação ao ano anterior, o que representa quase 3 milhões de toneladas a mais no ano. Tais números não só situam o Brasil na quinta posição entre os que mais produzem lixo no mundo - atrás de Estados Unidos, China, União Europeia e Japão -, como confirmam que o País está longe de atingir as metas estipuladas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.305, de agosto de 2010.
Na média por habitante também houve alta, de 0,39%, segundo levantamento inédito da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Já a coleta recuou. “Deixamos de coletar 10% de todo o lixo produzido. São cerca de 20 mil toneladas por dia que nem sequer foram para o lixão. Acabaram jogadas em córregos ou no meio da rua”, afirma o diretor-presidente da entidade, Carlos Silva.
Na lista de avanços previstos pela lei, a redução do volume de lixo é tratada como prioridade, assim como a eliminação completa dos lixões e, em seu lugar, a construção de aterros sanitários. Nesse quesito, o cenário também é negativo: 40% dos resíduos ainda têm destino inadequado, apesar de o governo federal ter estipulado a data de 2 de agosto como limite para cumprir a meta.
Nem alguns dos lixões mais emblemáticos do Brasil foram fechados. O lixão da Estrutural, a 16 quilômetros do Palácio do Planalto, em Brasília, está na lista. Com 124 hectares, recebe diariamente 2.700 toneladas de lixo produzido pelos 2,8 milhões de moradores do Distrito Federal.
 Só em 2060. Até a lei ser cumprida, porém, tanto o Estrutural quanto os demais lixões presentes em 3.344 dos 5.570 municípios brasileiros continuarão a receber milhares de toneladas de lixo por ano, contaminando o solo, o lençol freático e provocando danos à saúde da população. As Regiões Norte e Nordeste são as que apresentam os piores índices. Em ambos os casos, mais de 75% dos municípios descartam o lixo de forma inadequada. Nesse ritmo, segundo a Abrelpe, os lixões só terão fim no Brasil em 2060.
“Após quatro anos, os dados mostram que faltou vontade política. A instalação de um aterro sanitário é complexa, mas dá para ser feita em dois ou três anos”, diz o presidente do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana de São Paulo (Selur), Ariovaldo Caodaglio. No Estado, a situação está quase controlada - no ano passado, somente 8,5% do lixo seguiu para lixões.
Já o diretor comercial Alberto Fissore, da Estre - empresa especializada em serviços ambientais -, defende a ampliação do prazo para o fim dos lixões no País. “Creio que quatro anos tenha sido pouco dentro da tradição brasileira de planejamento. O saneamento não é prioridade dos políticos. A maior parte nem cita o tema. Acho que dá para estender por mais quatro anos. Aí, sim, será tempo mais do que suficiente.”
Oficialmente, o governo federal não se diz favorável à ampliação do prazo por até oito anos, mas tentará impedir que os prefeitos que não cumpriram as metas sejam punidos com multas ou processos em pleno ano eleitoral. “Esta é a hora de pressionar. Essa discussão precisa ir para as ruas”, diz Silva, da Abrelpe.

terça-feira, 29 de julho de 2014

A fera está solta, do Blog Frei Betto

Apesar de o dragão escancarar a bocarra, acredito que o governo não contribuirá para aumentar a sua fúria, e tomará medidas paliativas, como evitar reajustar o preço dos combustíveis


Eis que desperta o dragão da inflação! E começa a es­capar do controle do governo, livre da precária jaula das po­líticas monetaristas que se recusam a mexer nas arcaicas es­truturas que sustentam a sociedade brasileira.

A principal vítima do dragão desenjaulado é a classe média que, graças ao governo petista dos últimos 11 anos, ampliou o seu contingente. Hoje, a população brasileira é de 200 milhões, dos quais 108 milhões estão na classe média, integrada por famílias com renda mensal de R$ 1.216 a R$ 4.256.

Graças às políticas sociais, à facilidade de crédito, à de­soneração de produtos da linha branca e, sobretudo, ao aumento real do salário mínimo a cada ano, 55 milhões de brasileiros migraram, na última década, da classe po­bre para a média. Esses emergentes movimentam, por ano, R$ 1,17 trilhão.

Diante do acúmulo da inflação, que subiu 6,28% de maio de 2013 a maio deste ano e chegou a 8,99% no setor de ser­viços, a fera à solta já abocanhou, no mesmo período, R$ 73,4 bilhões. O cinto começa a apertar...

A mordida do dragão só não foi maior porque, apesar da jaula de portas abertas, a renda da classe média continua a subir. Até quando? Pelo menos 10% das pessoas que inte­gram essa faixa de renda começam a escorregar para baixo, rumo à pobreza, atraídas pela voracidade do dragão e pe­los juros altos.

O governo, mestre em pirotecnia economicista, sabe que se correr o bicho pega; se ficar, o bicho come. Se não elevar os juros (o que agora se evita), o dragão sai da jaula. Se ele­var, o dinheiro fica mais curto, pois o crédito encarece e as dívidas engordam.

O brasileiro está mais cauteloso com as compras. A farra do carro novo perdeu fôlego. É verdade que a classe média, que abrange 58% da população, ainda anda faceira: viagens ao exterior, academia de ginástica, salão de beleza, sho­pping center...

Isto é mérito do governo: dentro de qualquer barraco de favela são encontrados telefones celulares, TV em cores, ge­ladeira, máquina de lavar e fogão. E talvez, lá no pé do mor­ro, um carro estacionado. A vida dentro de casa é bem mais confortável do que fora...

Se a classe média brasileira fosse um país, ela integra­ria o G-20, o grupo das 20 nações mais ricas do mundo. Figuraria em 12º lugar em população e seria a 18ª nação em consumo. Porém, a desigualdade é gritante. Basta di­zer que 43% dessa classe emergente habitam o Sudeste do Brasil.

Se em nossos estádios reina a Fifa, em nossa gente a situa­ção não está nada fofa. Como canta Zeca Pagodinho, “quem nunca comeu melado se lambuza até o pé”. O brasileiro con­quistou direitos pessoais nessa última década. Mas cadê os direitos sociais? A saúde e a educação de qualidade, o sane­amento, a segurança?

Cada trabalhador destina 150 dias de trabalho apenas pa­ra pagar seus impostos. A mobilidade urbana está cada vez mais engessada: carros demais, ruas de menos; ônibus pre­cários e caros; metrôs curtos e superlotados, insuficientes para absorver tantos passageiros nas horas de pico.

Essa dificuldade de transporte afeta o trabalho (atrasos, perda de tempo no trânsito, greves periódicas) e a vida fa­miliar. Com menos tempo para curtir a família, o brasi­leiro exige que a escola, além de instruir, também eduque seus filhos...

Não seria mais sensato deputados e senadores defende­rem, não a redução da maioridade penal, e sim da jorna­da de trabalho, de modo que nossas crianças e jovens con­vivam mais com os pais? Medida que, aliás, multiplicaria o número de empregos.

Ora, estamos em ano eleitoral. Apesar de o dragão escan­carar a bocarra, acredito que o governo não contribuirá pa­ra aumentar a sua fúria, e tomará medidas paliativas, como evitar reajustar o preço dos combustíveis.

Contudo, terá que suportar a pressão das categorias profissionais que se julgam no direito de ver seus salá­rios corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Am­plo (IPCA). E haja manifestações, paralisações e greves! Aliás, um direito constitucional, por mais que incomo­dem. E ninguém ostenta mais pós-doutorado em greves do que o PT.

Frei Betto é escritor, autor de O que a vida me ensinou (Saraiva), entre outros livros.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Assim é se lhe parece


 Josef Barat

Na famosa peça de Pirandello, os habitantes de uma pacata cidade no interior da Itália têm a sua atenção despertada por três sobreviventes de um terremoto. O problema é que o parentesco que une os três não fica muito claro aos olhos e ouvidos das pessoas. As versões expostas causam um enorme alvoroço entre os moradores. Todos desejam saber qual é a verdade, mas como descobri-la se as coisas se apresentam não como são, mas como parecem ser? Ao final, a busca da verdade se torna invasiva e cruel.

Situação similar é a que vivemos no Brasil, nestes tempos de Copa, eleições, manifestações e vaias. Na narrativa do governo, a realidade é escamoteada pelo ufanismo exagerado e pelo jogo repetitivo (e cansativo) de “eles contra nós”. Na narrativa da oposição, a verdade vem sendo buscada com pouco empenho e um jeito blasé. Três personagens sabem, no entanto, que o pano de fundo é uma realidade áspera que temem revelar.

Todos sabem (ou deveriam saber) que, no Brasil, os níveis médios de produtividade são muito baixos; a proporção dos investimentos em relação ao PIB não sustenta um crescimento anual continuado de mais de 4%; a exacerbação do consumo e do crédito não segura o crescimento por muito tempo; e que a prescrição de um “pouquinho” de inflação, ao invés de estimular a economia, a torna adicta de algo que desagrega a produção e concentra renda. Logicamente, sabem também que os níveis de educação e qualificação dos recursos humanos são precários; que o uso predatório dos recursos naturais só gera mais pobreza; e que as infraestruturas, em geral, são insuficientes (ou deficientes) para dar suporte à carência de serviços, à produção e às exportações.

Não surpreende, portanto, que há algum tempo paire no ar um sentimento difuso de frustração e mal-estar. A narrativa segundo a qual o crescimento resolve todos os problemas a seu tempo, há muito deixou de convencer. O crescimento do PIB é, sem dúvida, condição necessária, mas não suficiente, pois sem estabilidade da moeda, sem aumento da produtividade e sem competitividade neste mundo cada vez mais integrado, não se atinge patamares mais elevados de bem estar e igualdade. A busca de reformas mais ousadas e modernas é sempre postergada e o debate das grandes questões que poderão definir o futuro do país está ausente no Congresso Nacional e no Judiciário. O Executivo, movido por marqueteiros, trata de questões que alcançam um horizonte de 4, ou no máximo de 8 anos.

Tome-se o exemplo das infraestruturas, considerando as de logística, transporte, energia, comunicações e saneamento. O debate se restringe à visão da mera execução de “obras” e se fecha no ciclo da construção em si mesma. Não se pensa em conjuntos de projetos que gerem sinergias para reforço de cadeias produtivas e consolidação de especializações regionais e, muito menos, na funcionalidade do projeto, considerada uma visão sistêmica. Este quadro é agravado, ainda, pela abordagem da “obra” como uma realização de concreto e aço, uma conquista da engenharia civil, sem levar em conta que na realidade do mundo, contam tanto ou mais os softwares, as inovações, a incorporação de tecnologias de ponta e os sistemas de gestão, monitoração e manutenção, que dão maior alcance e repercussão à sinergia de grupos de projetos. Em suma, concepção, execução e governança dos projetos de infraestrutura, no Brasil, já estão ultrapassadas há muito tempo. Surpreende como não se incorpora ao debate político esse obsoletismo e a falta de funcionalidade das infraestruturas.

Construir ou promover grandes reformas simultaneamente em 12 estádios, pode ser vista como uma narrativa de sucesso da engenharia brasileira, apesar de acidentes evitáveis. Assim é, se lhe parece... Mas a dura realidade é que teremos muitos “elefantes brancos”, fechados em si mesmos, sem funcionalidade e sujeitos à deterioração por falta de manutenção. Sem falar no malfadado “legado da Copa”, um conjunto de obras desconectadas e inacabadas, que se imaginava poderem melhorar a mobilidade, a segurança e a comunicação.
_________________________________________________________________________________________________________
Josef Barat – Economista, consultor de entidades públicas e privadas, é Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.