terça-feira, 15 de abril de 2014

Boa proposta para o Ferroanel


15 de abril de 2014 | 2h 05

O Estado de S.Paulo
A construção do Ferroanel de São Paulo - que vem se arrastando há anos, embora esta seja uma obra de grande importância para São Paulo e para o País - pode receber um grande impulso, se os governos federal e do Estado, responsáveis por ela, chegarem a um acordo sobre uma proposta feita por este último. São Paulo se dispõe a elaborar o projeto executivo e a cuidar do licenciamento ambiental do Tramo Norte, entre Jundiaí e Itaquaquecetuba, ao custo estimado de R$ 15 milhões.
Este é "o passo a mais que o Ferroanel está precisando para sair do papel", segundo o presidente da Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), Laurence Casagrande Lourenço. O governo paulista se julga capaz de executar a tarefa, porque adquiriu grande experiência com a construção do Rodoanel. O Tramo Norte deverá correr paralelamente ao Trecho Norte do Rodoanel numa boa extensão, um terreno que os técnicos paulistas conhecem bem.
Por isso mesmo, em 2012 a União e o Estado chegaram a um acordo para que este fizesse a terraplenagem de 44 km do Ferroanel juntamente com o Trecho Norte. Como explica Lourenço, isso representou uma redução de despesa de R$ 1 bilhão para o governo federal: "O acréscimo de obras significou aumento de R$ 300 milhões no Rodoanel - recurso que está sendo repassado pela União - e uma economia de R$ 1,3 bilhão no Ferroanel".
Se aceita, a proposta paulista será a segunda parceria entre os governos federal e estadual. Já há portanto um precedente que pode facilitar o entendimento entre as partes. O instrumento legal para tornar efetiva a transferência de atribuições que ela implica poderia ser um convênio, como sugere Lourenço. A grande importância do Ferroanel, que em 2011 já levou a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin a acertarem em princípio a sua construção conjunta, deveria ser suficiente para fazer ambos dar novos passos nessa direção.
As dificuldades que a ausência do Ferroanel cria para o transporte de carga em direção ao Porto de Santos e de passageiros na região metropolitana de São Paulo geram o maior gargalo ferroviário do País. Hoje os trens de carga que se destinam àquele porto têm de utilizar linhas partilhadas com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) que passam pela região central da capital. A concessionária que faz esse transporte só pode operar em períodos restritos, o que diminui sua eficiência e aumenta seu custo.
E a situação só tende a se agravar, porque, para aumentar sua capacidade de transporte de passageiros, a CPTM deseja diminuir o intervalo entre os seus trens. Suas razões para isso são sólidas, porque o sistema de transporte coletivo da Grande São Paulo, do qual ela é um dos pilares, está operando no limite de sua capacidade e o número de passageiros continua a aumentar. Se ela adotar aquele medida, haverá redução ainda maior da circulação dos trens de carga.
Só o Ferroanel, a começar pelo Tramo Norte, que tem de longe o maior potencial de transporte, poderá resolver o problema. Hoje, dos cerca de 2,5 milhões de contêineres que chegam anualmente ao Porto de Santos, apenas uma quantidade pífia - 80 mil - é despachada por trem, um meio de transporte mais rápido e barato do que os caminhões. Com o Ferroanel, estima-se que o volume que por ele circulará chegue a 1,5 milhão de contêineres. Os benefícios para os setores mais diretamente ligados a essa atividade - produtores e transportadores - e para a economia do País como um todo serão enormes.
Ganhará também a capital paulista, por onde deixarão de circular cerca de 5 mil caminhões por dia, um alívio considerável para seu trânsito sempre congestionado.
Há razões de sobra para que a construção do Ferroanel leve os responsáveis pelos governos federal e estadual a deixar de lado divergências políticas. Não custa esperar que eles aproveitem a ocasião para demonstrar que são capazes de colocar o interesse público acima de suas ambições. São Paulo acaba de dar um passo nessa direção com a sua proposta.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Gênio em cueiros

RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - Em coluna recente, falei de um tio-avô que, como milhares antes dele, passara 80 anos tentando em vão inventar o moto-contínuo, e não seria surpresa se, de repente, um garoto de oito anos surgisse com a solução. Comentei também que os detentores das tecnologias que hoje dominam o mundo --web, internet, Google-- tinham entre 20 e 25 anos quando as inventaram. Mas isso foi naquele tempo. Em breve, só serão levados a sério os criadores com forte incidência de acne.
Ou em cueiros. Há duas semanas, em San Diego, Califórnia, um garoto americano de cinco anos, Kristoffer Hassel, digitou determinada senha para acessar a conta do pai na rede Xbox Live --seja lá o que for isto. (O fato de garotos de cinco anos poderem acessar a intimidade dos pais, na forma de uma conta eletrônica ou de um caderninho de telefones, é assustador.) Num engano nada típico para sua idade, o guri digitou um "código de acesso" incorreto. O Xbox acusou o erro e lhe enviou uma segunda tela de verificação.
Kris, sem querer, apertou a tecla de espaço e --surpresa-- o Xbox autorizou-o a se "logar" na rede. E, com isso, lá estava ele, com a conta do velho à disposição. Como sabia que tinha feito besteira, o menino acusou-se para seu pai, Robert, assim que este chegou em casa, e preparou-se para apanhar. Mas Robert não ficou zangado. Ao contrário. Como conhece as pessoas certas, comunicou à Microsoft a descoberta por seu filho de um lapso do equipamento.
Resultado: a Microsoft encantou-se com Kris por ele ter detectado um perigo em potencial nos seus serviços online e incluiu-o em sua exclusiva lista de pesquisadores de segurança. Assim, aos cinco anos e ainda com o nariz escorrendo, o fedelho é agora uma autoridade do mundo eletrônico.
Só lhe restará, aos 18, sair metralhando gente no pátio da escola.

    Atraso de usinas deixa País sem energia suficiente para abastecer 8 milhões


    Constantes revisões nos cronogramas revelam falhas no planejamento dos projetos; energia seria suficiente para abastecer o Ceará

    13 de abril de 2014 | 21h 59

    Renée Pereira - O Estado de S. Paulo
    Os relatórios do Ministério de Minas e Energia de julho de 2013 indicavam que a primeira turbina da termoelétrica Parnaíba II (antiga Maranhão III) entraria em operação em outubro daquele ano. De lá pra cá, o cronograma da térmica - de propriedade da Eneva, ex-MPX - mudou cinco vezes. Na última alteração, ocorrida às vésperas do início de funcionamento, a data foi adiada por nove meses. Casos como o de Parnaíba II recheiam os relatórios do Departamento de Monitoramento do Sistema Elétrico da Secretaria de Energia Elétrica (DMSE).

    Estado analisou todos os documentos divulgados mensalmente, após a reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), desde janeiro do ano passado até agora. Os dados foram cruzados com o último relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), referente a março. No período, quase 3 mil megawatts (MW), de cerca de 70 usinas, previstos para entrar em operação no primeiro trimestre deste ano - após inúmeras revisões - tiveram as datas adiadas para os próximos meses. Isso representa quase 90% do que era previsto.

    Num período de estresse no armazenamento de água nos reservatórios como agora, esse volume poderia fazer diferença para o País: seria suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 8 milhões de habitantes - ou todo o Estado do Ceará.

    Mas, além desse prejuízo, especialistas afirmam que as constantes revisões dos prazos podem prejudicar a operação do sistema. "Tudo que é projetado para o futuro afeta preço e operação. Com mais energia para entrar, o cenário fica mais otimista", diz o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araujo.

    O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirma que as informações são usadas na elaboração dos Programas Mensais de Operação, tanto no cálculo da disponibilidade de energia no curto prazo como no cálculo de custo futuro, que considera um horizonte de cinco anos à frente. "O ONS considera na programação mensal as informações oficiais mais atualizadas disponíveis."

    A tarefa, no entanto, não é fácil. Há casos de usinas que, entre janeiro do ano passado e fevereiro deste ano, tiveram 11 alterações consecutivas no cronograma de entrada em operação, como os parques eólicos Icaraí I e Cerro Chato V.

    A primeira previsão de Icaraí I era maio do ano passado, mas ela só começou a gerar energia em março deste ano. Já o cronograma de Cerro Chato V estabelecia o início de funcionamento em março de 2013. Pelo último relatório da Aneel, a nova data está marcada para 15 de maio deste ano.

    A Eletrosul, responsável pelo empreendimento, explicou que havia a intenção de antecipar as datas previstas nos relatórios, mas por problemas na entrega de equipamentos não conseguiu manter o cronograma pretendido. Mesmo problema afetou o andamento da conclusão das unidades Anta 1 e 2, da hidrelétrica de Simplício, em construção pela estatal Furnas. Em janeiro do ano passado, as unidades estavam previstas para começar a operar em julho de 2013. Agora a expectativa é julho de 2014 e janeiro de 2015.

    A Hidrelétrica Batalha também teve remarcações mensais desde janeiro do ano passado. Foram nove revisões, que prorrogaram a entrada em operação de julho de 2013 para abril deste ano.
    Segundo Furnas, que também é responsável pela construção da usina, o projeto foi impactado pela demora de três anos na concessão da licença de instalação e pela necessidade de adequações do projeto às condições geológicas do local.

    As Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em construção no Rio Madeira, também seguem o mesmo ritmo de revisões no cronograma e atrasos. Na avaliação do presidente da CMU Comercializadora, Walter Froes, não há gestão em cima dos projetos. Ele destaca, por exemplo, as térmicas do Grupo Bertin que não foram construídas como o previsto. "Se essas usinas, com capacidade de cerca de 5 mil MW, tivessem entrado em operação, hoje o nível dos reservatórios estaria 25 pontos porcentuais acima do atual."

    Ficção. As constantes revisões nos cronogramas mês a mês revelam falhas no planejamento e fiscalização das usinas. Segundo o executivo de uma consultoria que prefere não se identificar, se uma unidade está prevista para entrar em operação no mês seguinte ou dois meses à frente é porque praticamente tudo está pronto. O adiamento de nove meses, por exemplo, indica que o planejamento não tem uma visão real da situação ou as datas são muito otimistas.

    Por outro lado, se o governo fosse retirar do cronograma todas as usinas com problema, o sistema elétrico já teria acendido o sinal alerta há muito mais tempo, destaca um outro executivo, que já fez parte da equipe do governo, na administração de Luiz Inácio Lula da Silva. "É preciso ver a realidade feia ou bonita. Não adianta ver a situação com lentes cor de rosa."

    Em nota, o Ministério de Minas e Energia afirma que as alterações sucessivas de datas de entrada em operação não ocorrem com todos os empreendimentos de geração. "Hoje são monitorados cerca de 520 empreendimentos de geração. Destes, mais da metade estão com o cronograma em dia." De qualquer forma, diz o Ministério, as constantes mudanças são ponto de atenção e de ações permanentes por parte do Ministério.

    "Esta dinâmica de atrasos levou o CMSE, na última reunião, a criar um grupo de trabalho com o objetivo de melhorar o diagnóstico dos atrasos e, consequentemente, das alterações sucessivas do cronograma."