segunda-feira, 14 de abril de 2014

Gênio em cueiros

RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - Em coluna recente, falei de um tio-avô que, como milhares antes dele, passara 80 anos tentando em vão inventar o moto-contínuo, e não seria surpresa se, de repente, um garoto de oito anos surgisse com a solução. Comentei também que os detentores das tecnologias que hoje dominam o mundo --web, internet, Google-- tinham entre 20 e 25 anos quando as inventaram. Mas isso foi naquele tempo. Em breve, só serão levados a sério os criadores com forte incidência de acne.
Ou em cueiros. Há duas semanas, em San Diego, Califórnia, um garoto americano de cinco anos, Kristoffer Hassel, digitou determinada senha para acessar a conta do pai na rede Xbox Live --seja lá o que for isto. (O fato de garotos de cinco anos poderem acessar a intimidade dos pais, na forma de uma conta eletrônica ou de um caderninho de telefones, é assustador.) Num engano nada típico para sua idade, o guri digitou um "código de acesso" incorreto. O Xbox acusou o erro e lhe enviou uma segunda tela de verificação.
Kris, sem querer, apertou a tecla de espaço e --surpresa-- o Xbox autorizou-o a se "logar" na rede. E, com isso, lá estava ele, com a conta do velho à disposição. Como sabia que tinha feito besteira, o menino acusou-se para seu pai, Robert, assim que este chegou em casa, e preparou-se para apanhar. Mas Robert não ficou zangado. Ao contrário. Como conhece as pessoas certas, comunicou à Microsoft a descoberta por seu filho de um lapso do equipamento.
Resultado: a Microsoft encantou-se com Kris por ele ter detectado um perigo em potencial nos seus serviços online e incluiu-o em sua exclusiva lista de pesquisadores de segurança. Assim, aos cinco anos e ainda com o nariz escorrendo, o fedelho é agora uma autoridade do mundo eletrônico.
Só lhe restará, aos 18, sair metralhando gente no pátio da escola.

    Atraso de usinas deixa País sem energia suficiente para abastecer 8 milhões


    Constantes revisões nos cronogramas revelam falhas no planejamento dos projetos; energia seria suficiente para abastecer o Ceará

    13 de abril de 2014 | 21h 59

    Renée Pereira - O Estado de S. Paulo
    Os relatórios do Ministério de Minas e Energia de julho de 2013 indicavam que a primeira turbina da termoelétrica Parnaíba II (antiga Maranhão III) entraria em operação em outubro daquele ano. De lá pra cá, o cronograma da térmica - de propriedade da Eneva, ex-MPX - mudou cinco vezes. Na última alteração, ocorrida às vésperas do início de funcionamento, a data foi adiada por nove meses. Casos como o de Parnaíba II recheiam os relatórios do Departamento de Monitoramento do Sistema Elétrico da Secretaria de Energia Elétrica (DMSE).

    Estado analisou todos os documentos divulgados mensalmente, após a reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), desde janeiro do ano passado até agora. Os dados foram cruzados com o último relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), referente a março. No período, quase 3 mil megawatts (MW), de cerca de 70 usinas, previstos para entrar em operação no primeiro trimestre deste ano - após inúmeras revisões - tiveram as datas adiadas para os próximos meses. Isso representa quase 90% do que era previsto.

    Num período de estresse no armazenamento de água nos reservatórios como agora, esse volume poderia fazer diferença para o País: seria suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 8 milhões de habitantes - ou todo o Estado do Ceará.

    Mas, além desse prejuízo, especialistas afirmam que as constantes revisões dos prazos podem prejudicar a operação do sistema. "Tudo que é projetado para o futuro afeta preço e operação. Com mais energia para entrar, o cenário fica mais otimista", diz o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araujo.

    O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirma que as informações são usadas na elaboração dos Programas Mensais de Operação, tanto no cálculo da disponibilidade de energia no curto prazo como no cálculo de custo futuro, que considera um horizonte de cinco anos à frente. "O ONS considera na programação mensal as informações oficiais mais atualizadas disponíveis."

    A tarefa, no entanto, não é fácil. Há casos de usinas que, entre janeiro do ano passado e fevereiro deste ano, tiveram 11 alterações consecutivas no cronograma de entrada em operação, como os parques eólicos Icaraí I e Cerro Chato V.

    A primeira previsão de Icaraí I era maio do ano passado, mas ela só começou a gerar energia em março deste ano. Já o cronograma de Cerro Chato V estabelecia o início de funcionamento em março de 2013. Pelo último relatório da Aneel, a nova data está marcada para 15 de maio deste ano.

    A Eletrosul, responsável pelo empreendimento, explicou que havia a intenção de antecipar as datas previstas nos relatórios, mas por problemas na entrega de equipamentos não conseguiu manter o cronograma pretendido. Mesmo problema afetou o andamento da conclusão das unidades Anta 1 e 2, da hidrelétrica de Simplício, em construção pela estatal Furnas. Em janeiro do ano passado, as unidades estavam previstas para começar a operar em julho de 2013. Agora a expectativa é julho de 2014 e janeiro de 2015.

    A Hidrelétrica Batalha também teve remarcações mensais desde janeiro do ano passado. Foram nove revisões, que prorrogaram a entrada em operação de julho de 2013 para abril deste ano.
    Segundo Furnas, que também é responsável pela construção da usina, o projeto foi impactado pela demora de três anos na concessão da licença de instalação e pela necessidade de adequações do projeto às condições geológicas do local.

    As Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em construção no Rio Madeira, também seguem o mesmo ritmo de revisões no cronograma e atrasos. Na avaliação do presidente da CMU Comercializadora, Walter Froes, não há gestão em cima dos projetos. Ele destaca, por exemplo, as térmicas do Grupo Bertin que não foram construídas como o previsto. "Se essas usinas, com capacidade de cerca de 5 mil MW, tivessem entrado em operação, hoje o nível dos reservatórios estaria 25 pontos porcentuais acima do atual."

    Ficção. As constantes revisões nos cronogramas mês a mês revelam falhas no planejamento e fiscalização das usinas. Segundo o executivo de uma consultoria que prefere não se identificar, se uma unidade está prevista para entrar em operação no mês seguinte ou dois meses à frente é porque praticamente tudo está pronto. O adiamento de nove meses, por exemplo, indica que o planejamento não tem uma visão real da situação ou as datas são muito otimistas.

    Por outro lado, se o governo fosse retirar do cronograma todas as usinas com problema, o sistema elétrico já teria acendido o sinal alerta há muito mais tempo, destaca um outro executivo, que já fez parte da equipe do governo, na administração de Luiz Inácio Lula da Silva. "É preciso ver a realidade feia ou bonita. Não adianta ver a situação com lentes cor de rosa."

    Em nota, o Ministério de Minas e Energia afirma que as alterações sucessivas de datas de entrada em operação não ocorrem com todos os empreendimentos de geração. "Hoje são monitorados cerca de 520 empreendimentos de geração. Destes, mais da metade estão com o cronograma em dia." De qualquer forma, diz o Ministério, as constantes mudanças são ponto de atenção e de ações permanentes por parte do Ministério.

    "Esta dinâmica de atrasos levou o CMSE, na última reunião, a criar um grupo de trabalho com o objetivo de melhorar o diagnóstico dos atrasos e, consequentemente, das alterações sucessivas do cronograma."

    domingo, 13 de abril de 2014

    Conta do sebastianismo


    Mais uma vez retorna o coro do 'volta, Lula', mas a mudança teria alto custo

    12 de abril de 2014 | 16h 49

    Marco Aurélio Nogueira
    Política é cálculo e oportunidade, paixão e frieza. Iniciativa, capacidade de preparar o futuro, domar ventos e crises, interagir com a vida. Passa por reconhecer erros e assumir responsabilidades. É ação coletiva: carreiras solo dificilmente progridem e o companheirismo, as lealdades, as amizades pesam de forma determinante. O coro "volta, Lula", repetido à boca pequena e sempre mais recorrente, é um convite à reflexão sobre a natureza da política e especialmente sobre as chances de sucesso de suas operações, custos e resultados devidamente considerados.
    Ele deve estar se indagando se valeria a pena entrar na disputa a esta altura - Ricardo Stuckert/Instituto Lula
    Ricardo Stuckert/Instituto Lula
    Ele deve estar se indagando se valeria a pena entrar na disputa a esta altura
    Para começar do começo: por que cresce o coro? Sondagens de opinião não indicam declínio categórico do prestígio da presidente. Tem havido certas inflexões preocupantes, é verdade, mas seu nome permanece forte. Por que então pedem a volta do ex-presidente? Por que tamanha insistência de Lula em dizer que Dilma é a "sua" candidata, pois é a "melhor pessoa para vencer as eleições" e ele, Lula, se pudesse registraria em cartório a decisão de não sair candidato? Em sua visão, tudo não passaria de enorme boataria, não de uma intenção.
    Se o que atiça o coro não é o ex-presidente, então temos um problema: há gente demais insatisfeita com o desempenho presidencial e insegura com a real capacidade eleitoral de Dilma. Petistas, empresários, banqueiros e peemedebistas pedem o retorno do ex-presidente. Há, também, os que usam a situação para negociar novos espaços, promover acertos de contas ou simplesmente tumultuar o ambiente. Mas é um fato que o mal-estar está instalado em Brasília. Motivos certamente não faltam. Problemas desgastantes sucedem-se sem parar. Petrobrás, crise energética iminente, André Vargas, inflação emergente, CPIs, riscos e tropeços da Copa: tudo desaba sobre a presidente e se converte imediatamente em fato político. E Dilma, pouco afeita aos humores e exigências da política, tende a submergir, a silenciar ou a tartamudear. Não passa confiança, nem firmeza.
    Lula foi direto ao ponto: seria preciso "ir pra cima", enfrentar a oposição, defender o governo "com unhas e dentes", reagir antes que seja tarde demais. Salvar a presidente é garantir o futuro. Como há um componente congelado no cenário – o estilo, a personalidade e a biografia de Dilma, que não mudarão –, o contraste se agiganta. Dilma é enfezada, não tem carisma nem empatia. Lula é puro charme, transpira humildade e autenticidade, é franco, simples e didático. A astúcia em pessoa. Levanta multidões, agrada e sabe cortejar quem dele se aproxima. Alimenta uma legião de fãs e muitas expectativas. Perto dele, Dilma é opaca, não agrega nem entusiasma.
    Os "sebastianistas" acreditam que Lula descongestionaria o ambiente, abriria novos espaços e daria novo fôlego a tudo. Animal político por excelência, Lula gerenciaria com mais competência as relações Estado/sociedade, acalmando tanto a movimentação social quanto o desarranjo e a pressão político-institucional, o que Dilma não tem conseguido fazer. Estão preocupados com o déficit de articulação e coordenação política que se evidenciou no País e ameaça a estabilidade econômica, a intermediação política, a continuidade das reformas, os arranjos político-sociais estruturados desde 2002 e, evidentemente, os negócios. Sem a resolução desse déficit, ficaria abalado o pacto informal entre as grandes empresas nacionais e multinacionais, os bancos, o agronegócio e a grande agricultura, a política tradicional e parte dos interesses organizados do mundo do trabalho.
    Como esse pacto foi articulado por Lula, por que então não pedir a ele que embale a criança e injete oxigênio no que está ofegando? Com ele, seria possível voltar a sonhar; com Dilma, o sono continuaria agitado, instável. A aposta é que Lula tem personalidade, estilo e biografia para resgatar aquilo que fez a fortuna de seus dois governos, atualizando-os à nova fase do País.
    Trata-se de uma construção mental que excita os ambientes, criando a sensação de que existe interna corporis, ao alcance da mão, uma alternativa para que o projeto de poder se reponha em melhores condições.
    Há, porém, um custo alto na hipotética operação. Primeiro, porque a mera cogitação dela ajuda a enfraquecer o governo e a piorar a situação. Quanto mais Lula diz não querer o cargo, mais passa a impressão de que nem mesmo ele acredita em Dilma. Segundo, porque ela escancararia uma grosseira falha de estratégia: teria sido um erro entronar Dilma como sucessora de Lula. Com ela, o País não seguiu na mesma toada. Ao ser "deslulizado", entristeceu. E o pacto que sustenta o governo ficou com maiores dificuldades operacionais. Terceiro, porque nunca é fácil trocar o piloto com o avião em pleno voo. Turbulências e trepidações serão certamente inevitáveis, figurinos e discursos precisarão ser refeitos às pressas, aliados perdidos terão de ser novamente agregados. Quarto, porque Lula, precisamente por ter muita sagacidade e talento (além de muito capital político), deve estar pensando se vale a pena entrar na disputa agora. Ele precisaria sacrificar Dilma, o que não é fácil nem propriamente dignificante. E precisaria concorrer num quadro que não se mostra tão tranquilo assim, ou seja, no qual teria tanto possibilidades de vitória glorificadora quanto de derrota.
    Há, por fim, uma questão que complica o cálculo. Bastaria um bom timoneiro para que o navio volte a singrar os mares sem sobressaltos? A qualidade da nave e da marujada também pesa, e quase sempre de modo categórico. O mesmo vale para a cartografia que orienta o capitão: um mapa malfeito, desatualizado ou imperfeito pode levá-lo na direção de rochedos implacáveis ou deixá-lo à deriva. Como se trata de política, o mapa é o que costumamos chamar de projeto. E ele não existe de modo claro e suficiente.
    MARCO AURÉLIO NOGUEIRA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E DIRETOR DO INSTITUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNESP