domingo, 30 de março de 2014

Analfabetos políticos


Os de Brecht apenas se orgulhavam da própria ignorância; os atuais entendem até de Marco Civil

29 de março de 2014 | 16h 00

Jean Wyllys
O dramaturgo Bertolt Brecht afirmou, num texto memorável, que "o pior analfabeto é o analfabeto político". Concordo com essa afirmação desde o momento em que a conheci, já consciente de que eu era um "animal político", para citar a expressão de Aristóteles. Porém, porque os tempos eram outros (e, naqueles tempos, o dramaturgo alemão nem sequer sonhava com as transformações sociais, culturais e tecnológicas de que somos testemunhas, promotores e produtos), Brecht definia o "analfabeto político" como aquele que "não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos"; aquele que "é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política". Dessa definição brechtiana de analfabeto político, a única característica que sobrevive nos dias atuais é o proclamado e contraditório ódio à política. De resto (e por causa das transformações sociais, culturais e tecnológicas que experimentamos), o analfabeto político dos dias atuais é bem diferente daquele dos tempos de Brecht.
O analfabeto político da atualidade fala e participa dos acontecimentos políticos; ou melhor, mesmo sem se aprofundar nos acontecimentos em questão; mesmo renunciando à tarefa de se informar melhor sobre eles; mesmo partindo de preconceitos, boatos ou mentiras descaradas sobre os tais acontecimentos, o analfabeto político da contemporaneidade - ao contrário daquele dos tempos de Brecht - participa dos acontecimentos políticos "opinando" sobre eles nas redes sociais digitais. Eu poderia recorrer a muitos exemplos do atual comportamento do analfabeto político, mas vou me restringir aos que se relacionam com a aprovação do Marco Civil da Internet, legislação que tem, por objetivo, assegurar a liberdade, a privacidade e a neutralidade nos acessos a - e compartilhamentos de - dados e informações digitais, uma vez que essas estão ameaçadas por conflitos de interesses que envolvem usuários/consumidores, governo e corporações de telecomunicações. Ora, é mais que óbvio que, sem parâmetros estabelecidos por lei, conflitos não podem ser arbitrados nem solucionados, logo, uma legislação para internet era mais que necessária.
A aprovação do Marco Civil levou a minha página no Facebook centenas de "analfabetos políticos" que fizeram comentários constrangedores sobre esse acontecimento, dos quais destaco alguns: "O marco servil vai acaba com o facebook e traze o comunismo vai manda mata todo mundo começando por você seu viado filhodaputa"; "Intervenção Militar já! O que vivemos no país hoje é a mesma situação de uma ditadura, se você é contra o governo na internet, derrubam seu site, seu blog, seu vlog, seu canal no youtube e por ai vai"; "Um dos últimos passos do Comunismo é retirar a liberdade de expressão. Com o Marco Civil, vão caçar qualquer opositor ao governo com extrema facilidade. Nos desarmaram, nos tiraram o direito de educar os filhos, e agora vão calar nossas vozes. Quem puder ir embora do Brasil, vá. Porque depois das eleições esse país vai ser um massacre, vão tingir a bandeira de vermelho. LITERALMENTE!"; "Internet livre e marco regulatório? Controlar a liberdade? A internet deve estar ofendendo alguém ou incomodando a liberdade exagerada"; "Governo tem o direito a partir de agora, e por decreto, de fechar um portal de notícias caso tenha críticas ao governo por exemplo"; "TNC no mano!! e o meu porno? como e que fica! -.- nunca brinque com a punheta mano, nunca faça isso!".
Esses comentários são exemplos do analfabetismo político contemporâneo, mas são também o sintoma de uma ameaça ao debate público pautado na honestidade intelectual e no respeito ao conhecimento: a maioria dos "analfabetos políticos" que vociferaram em minha página, principalmente a maioria daqueles que fizeram menção ao "comunismo" ou ao "socialismo", deixou claro quais as fontes de suas afirmações acerca do Marco Civil da Internet: revistas reacionárias; o senil que se diz "filósofo"; e a família de parlamentares (deputado federal, deputado estadual e vereador) que parasita o poder público para difamar adversários e estimular o fascismo. É preocupante que uma parcela cada vez mais expressiva da população seja transformada em analfabeta política por causa desses reacionários!
O Marco Civil da Internet é uma legislação ainda com algumas lacunas, como o artigo 16, que compromete a privacidade do internauta ao obrigar que empresas guardem dados de navegação por seis meses ou mais e dá o direito de qualquer agente do Estado de exigir esses dados mediante mera decisão judicial. Logo, é passível de críticas, mas críticas honestas (não pode haver dúvida quanto a sua necessidade, por exemplo). Essas lacunas podem ser preenchidas no Senado, onde o Marco Civil será agora votado. Nesse sentido e apesar da virulência e arrogância com que afirma sua ignorância, o analfabeto político é uma vítima daquele que Brecht considera "o pior de todos os bandidos": o político vigarista, desonesto intelectualmente, corrupto e lacaio das grandes corporações. Portanto, é preciso ter compaixão pelo analfabeto político: insistir na luta para que ele tenha acesso a educação de qualidade e às artes, em especial as artes vivas, com destaque para o teatro (terreno de Brecht). Só a educação de qualidade e as artes podem construir a vida com pensamento que erradicará o analfabetismo político (extensão dos analfabetismos funcional e digital).
JEAN WYLLYS É JORNALISTA E DEPUTADO FEDERAL (PSOL-RJ) 

Graça Foster anuncia investigação interna sobre refinaria de Pasadena: "Não fica pedra sobre pedra"


Em entrevista ao jornal O Globo, presidente da Petrobras mostrou indignação ao descobrir sobre Comitê de proprietários de Pasadena

Graça Foster anuncia investigação interna sobre refinaria de Pasadena: "Não fica pedra sobre pedra" Antonio Cruz,ABR/Agência Brasil
Graça Foster, atual presidente da Petrobras, garantiu que "não fica pedra sobre pedra" após investigação interna sobre PasadenaFoto: Antonio Cruz,ABR / Agência Brasil
Uma semana após a presidente Dilma Rousseff ter revelado que aprovou a compra polêmica da refinaria em Pasadena, em um negócio que acabou envolvendo mais de US$ 1 bilhão, a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, deu entrevista ao jornal O Globo, anunciou uma investigação interna sobre o caso, mostrou-se indignada por não saber de todos os detalhes da transação e afirmou que "não fica pedra sobre pedra".
A investigação interna pode tratar-se de uma estratégia da estatal para esvaziar os ímpetos da oposição, que já se manifesta favorável a uma CPI sobre o caso. Apesar disso, na entrevista, Graça se abstém de comentar sobre possíveis "fundos políticos" das denúncias: "Não tenho elementos para dialogar sobre esse assunto. Leio sobre isso, mas eu não posso entrar num mundo que não é meu".
Graça diz que decidiu criar uma comissão interna para apurar o negócio na segunda-feira, após descobrir a existência de uma Comissão de proprietários de Pasadena, na qual Paulo Roberto Costa – ex-diretor da estatal, preso na última quinta-feira por tentar destruir provas que o envolviam na Operação Lava-Jato – era o representante da Petrobras. "Esse comitê era acima do board (conselho de administração). Depois que entramos em processo arbitral esse comitê deixou de existir", disse a executiva, que afirmou ainda não saber qual era a função desse comitê. "Fui surpreendida com essa informação", disse.
Segundo Graça, a existência desse comitê e a presença de Paulo Roberto Costa "não significa que esse comitê não tenha executado as melhores práticas". A atual presidente, porém, mostrou-se descontente por "saber disso dois anos depois de estar na presidência da Petrobras". "Eu não posso ser surpreendida com informações que me dão o desconforto necessário para que eu busque uma comissão para apuração", disse.
Sobre as cláusulas Marlim e put option, Graça disse que não se pode tratar "de forma genérica", mas que não sabe "quanta falta fez" no relatório de Nestor Cerveró, já demitido da BR Distribuidora, braço da companhia que opera no mercado de combustíveis. Mas Graça admitiu que "quando você volta e procura a documentação do resumo e não esta ali, isso causa o desconforto".
Quando perguntada como se sentia ao descobrir que desconhece muitos pontos do negócio envolvendo a refinaria, a presidente foi contundente: "Eu sou a presidente da companha em cima de um caso que é delicado. Não aceito descobrir que estou falando um número e o número correto é outro (valor pago nos 50% iniciais), e nem aceito tratar um assunto em que me venha um comitê, um board de representantes das partes (Petrobras e Astra) que eu não saiba. E eu não aceito isso de jeito nenhum. E não fica pedra sobre pedra, não fica. Mas não fica, não fica. Pode ficar incomodado."

Massacre de motoqueiros


30 de março de 2014 | 2h 10

Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Entre 1996 e 2011, as mortes de motociclistas no trânsito em todo o País aumentaram 932% (veja o gráfico). É o equivalente a uma guerra. Seria algo atribuível apenas a fatalidades?
A pesquisa Mapa da Violência de 2013, elaborada pelo sociólogo Julio Waiselfisz, com base em dados do Ministério da Saúde, aponta 14,6 mil mortes somente nessa categoria, em 2011. São 40 por dia. (O Ministério, por sua vez, com base em outros critérios, registra 11,5 mil motoqueiros mortos no trânsito em 2011, ou 31 por dia).
Só para comparar, em 2013, houve 573 mortes por dengue, o que foi motivo de mobilização nacional para evitar a epidemia. Mas ninguém parece se importar com os motoqueiros.
Excluída a escalada das mortes de motociclistas, o Brasil teria reduzido em 18,7% as mortes no trânsito entre 1996 e 2010, em vez do avanço de 22,6% observado: "As motocicletas constituem o fator impulsor de nossa violência cotidiana nas ruas, o que deve ser enfrentado com estratégias adequadas à magnitude do problema", alerta Waiselfisz.
Em São Paulo, a redução do número de mortes em todas as categorias juntas (pedestres, ciclistas, motociclistas e passageiros), anunciada no último dia 20 pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), já teria sido atingida desde 2006, não fossem esses fatos.
São dados alarmantes que têm a ver com a massificação do uso das motocicletas a partir 1990. Em estudo publicado em 2013, Eduardo Vasconcellos, assessor da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), argumenta que a popularização da utilização de motos foi impulsionada pela liberação da importação em 1991 e por programas de financiamento com juros baixos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. "Com muita demagogia, o aumento do uso da motocicleta foi associado à emancipação dos pobres", diz.
A frota de motocicletas no Brasil passou de 2,8 milhões em 1998, para 18,4 milhões em 2011, o equivalente a 26,1% dos veículos sob registro do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Vasconcellos dá também importância ao que chama de "periculosidade inerente" das motos. Em caso de colisão com outros veículos, a motocicleta leva quase sempre a pior, dada sua massa mais baixa. Uma moto pesa, em média, 120 quilos; um carro, mil quilos; e um caminhão médio, com carga, 15 toneladas.
O presidente da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram), Lucas Pimentel, culpa os vícios do sistema de habilitação. "O processo não prepara adequadamente o condutor de motocicleta, principalmente quanto ao tempo adequado de frenagem", diz. "Todo condutor sem preparo é um acidentado em potencial."
Não dá para descartar como causas de tantas mortes a falta de cumprimento das leis que exigem o uso de equipamentos de segurança como jaqueta, calça, botas e luvas, além do capacete. Vasconcellos destaca que o nível de desrespeito às regras de trânsito por parte dos condutores de motos é muito alto, especialmente no tocante à velocidade máxima permitida e à condução temerária.
O próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB) legitima o perigoso hábito dos motoqueiros de costurar os veículos no trânsito. Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o artigo 56 do CTB, que proibia o tráfego de motos no espaço entre duas fileiras de carros, pois a medida "restringiria sobremaneira" a agilidade das motos.
Os custos das internações hospitalares de motociclistas pelo SUS atingiram R$ 102 milhões em 2012. Mas também há os custos do resgate das vítimas, da remoção dos veículos, dos danos ao mobiliário urbano e à sinalização de trânsito, do atendimento policial e dos agentes de trânsito. E há os processos judiciais, pensões e benefícios que têm de ser pagos em consequência dos acidentes, sem falar nas perdas de receitas sofridas por tanta gente, com a interrupção temporária ou permanente de suas atividades.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou que, em 2011, o custo dos acidentes de trânsito com motos nas cidades brasileiras chegou a R$ 10,6 bilhões. Não é pouco. / Colaborou Danielle Villela