quarta-feira, 26 de março de 2014

Plano para abastecer SP já deflagra disputas por água com Rio, Minas e PR


Para atender à demanda da macrometrópole, governo projeta transposições em 'zonas de conflito'

22 de março de 2014 | 15h 47

Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A recém-deflagrada disputa com o Rio para transpor água da Represa Jaguari, no Vale do Paraíba, para o Sistema Cantareira é apenas uma das brigas políticas que São Paulo terá de comprar para suprir a crescente demanda por abastecimento nos próximos 20 anos. O plano paulista com novas alternativas de captações necessárias até 2035 lista outras quatro obras em "zonas de conflito", onde há represas e rios que também abastecem outros Estados ou são fontes para gerar energia elétrica.
Habitantes pescam na disputada Represa Jaguari - Carlos Villalba Racines/EFE
Carlos Villalba Racines/EFE
Habitantes pescam na disputada Represa Jaguari
Entre elas está um segundo projeto de transposição envolvendo o Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 11 milhões de fluminenses. A proposta é captar água na região de Guararema e levá-la até Biritiba-Mirim para aumentar em até 4,7 mil litros por segundo a oferta na Bacia do Alto Tietê, que abastece 17,2% da Grande São Paulo. A obra custaria cerca de R$ 760 milhões e precisaria do aval da Agência Nacional de Águas (ANA) porque envolve captação em rio federal.
Isso torna o projeto ainda mais polêmico que a transposição proposta na semana passada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Mesmo envolvendo a ligação de uma represa paulista (Jaguari), que é apenas afluente do Rio Paraíba, a obra foi contestada pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB).
Autoridades fluminenses temem que ela comprometa o abastecimento do Estado e cobram estudos de impacto. Nesse caso, porém, São Paulo não precisa de aval federal para fazer a ligação, orçada em R$ 500 milhões e prevista para 2015.
O presidente do Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul, Danilo Vieira Júnior, critica a obra. "O projeto de São Paulo traz diagnóstico e potencial de impacto diferentes do nosso. Eles alegam que o rio tem uma qualidade melhor do que apuramos e uma quantidade de vazão para atender à demanda paulista divergente da disponibilidade hídrica", afirmou Vieira Júnior.
Os dois projetos estão no Plano Diretor de Recursos Hídricos que projeta a demanda por água nos próximos 20 anos em 180 cidades das Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista, Vale do Paraíba e entorno. Será preciso aumentar a oferta em 60 mil litros por segundo, o equivalente a quase dois sistemas Cantareira, conforme o Estado antecipou em fevereiro. A região tem 74% da população paulista - 30 milhões de pessoas.
Ousadia. Para suprir a demanda, o plano prevê a transposição de água da Represa Jurumirim, em Avaré, até a Estação de Tratamento de Cotia, na Grande São Paulo. O ambicioso projeto aumentaria em até 15 mil litros por segundo a oferta de água.
Além do custo, estimado em R$ 9 bilhões, a obra pode impactar na produção de energia da usina hidroelétrica que leva o nome do reservatório, a principal da região. Para compensar a reversão, rios que abastecem cidades do Paraná poderiam ter suas vazões reduzidas.
"Nós temos uma disponibilidade hídrica muito grande, mas é um assunto delicado e precisará de estudos aprofundados. Ainda é cedo para avaliar o impacto", disse David Franco Ayub, secretário executivo da Bacia do Alto Paranapanema.
Na bacia vizinha, no Vale do Ribeira, a preocupação envolve os projetos de captação de água nas Represas Juquiá e Cachoeira de França para abastecer a Grande São Paulo. Na semana passada, as companhias de saneamento paulista (Sabesp) e paranaense (Sanepar) discutiram os impactos do Sistema São Lourenço, que levará 4,7 mil litros por segundo a mais até Cotia. "Nesse caso, não há mais conflito", garantiu a gerente da Bacia do Alto Ribeira, Olga Polatti, no Paraná.
Outra disputa envolve Minas, que quer uma cota maior da água que deixa o Estado para abastecer o Sistema Cantareira, em São Paulo - hoje perto do colapso. "Também precisamos de água para o desenvolvimento industrial. Uma alternativa é São Paulo pagar pelos serviços ambientais que prestamos, que conservam a mata e aumentam a disponibilidade hídrica", disse Marília Melo, diretora do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam). 

terça-feira, 25 de março de 2014

Para um mundo sem pobreza



Jim Yong Kim*

Na medicina, saber qual é o melhor tratamento não é suficiente para garantir a saúde do paciente. Podemos ter prova de sua eficácia e conhecer seu custo relativo e a melhor maneira de realizar o tratamento. Mas se não pudermos fazê-lo porque o serviço é ruim, isto significa que o sistema de saúde falhou.

O mesmo pode ser dito das políticas públicas. Há uma quantidade enorme de pesquisas e dados para fundamentar diversos programas e políticas. Mas até mesmo alguns dos programas mais bem concebidos nunca serão concretizados devido a contratempos durante a implementação.

Este desafio de implementação é bem conhecido pelos países com os quais o Grupo do Banco Mundial trabalha, bem como pela nossa equipe. Já nos deparamos com inúmeras ideias para combater a pobreza e a desigualdade que não cumpriram suas promessas por falta de capacidade de execução.

Nós estamos tentando remediar esta situação. Estamos realizando um grande esforço para coletar e compartilhar, sistematicamente, tudo o que há de conhecimento sobre a implementação de projetos. Para tal, estamos trabalhando com países selecionados para criar "Centros de Ciência da Entrega".

O Brasil está à frente de uma parte fundamental desse esforço por meio da Iniciativa Brasileira de Aprendizagem para um Mundo sem Pobreza (WWP, World Without Poverty), uma parceria entre o Banco Mundial, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Neste mês, representantes de alto nível de mais de 70 países tiveram a oportunidade de aprender com a experiência do Brasil e interagir com os formuladores de políticas brasileiros durante o Fórum Sul-Sul de Seguridade Social e Trabalho, onde ocorreu o lançamento da WWP, no Rio de Janeiro.

O BF foi um dos primeiros programas de transferência condicionada de renda (CCTs). Ele teve como ponto de partida os CCTs estaduais, buscou também inspiração na abordagem integrada do Programa Progresa do México e se tornou referência para políticas sociais do mundo inteiro. Tendo alcançado um quarto da população - mais de 50 milhões de pessoas - em dez anos, o programa teve impactos positivos na saúde e na educação, tudo em um contexto complexo, descentralizado e com baixos custos administrativos.

O sucesso do Bolsa Família é resultado de um investimento sistemático em capacidade de implementação, ferramentas de gestão eficazes e um processo constante de aprendizagem e inovação. Há muito a se aprender com isso e com a experiência subsequente, o Brasil sem Miséria, que se concentra na capacitação, crédito, acesso a serviços públicos e conta com a Busca Ativa por cidadãos pobres que ainda não foram cobertos pelo BF. Muitos Estados e municípios estão suplementando os esforços do governo federal por meio da criação de programas complementares e sob medida para suas necessidades específicas, desenvolvendo soluções para problemas de implementação que já perduravam há tempos.

É justificável, portanto, que tudo isso gere um enorme interesse na esfera internacional. O Bolsa Família já ajudou a inspirar o desenvolvimento de programas e ferramentas similares em muitos países, incluindo o Quênia, a Tanzânia e as Filipinas. Ao mesmo tempo, o Brasil pode se beneficiar da aprendizagem sistemática de inovações locais e internacionais. Já existe um volume expressivo de conhecimentos sendo gerados e compartilhados. No entanto, a WWP parte do princípio de que podemos fazer ainda melhor.

Valendo-se das perspectivas e pontos fortes de seus parceiros, a WWP irá apoiar e estimular uma abordagem rigorosa para angariar conhecimentos sobre a aplicação e os resultados de programas sociais e promover o intercâmbio de conhecimento, nacional e internacionalmente. A iniciativa já reuniu experiências da América Latina e da África e vem compartilhando conhecimentos sobre políticas sociais no Brasil, que serão usadas ativamente para ajudar outros países a se adaptarem e se beneficiarem das experiências brasileiras.

Estou convencido de que podemos acelerar o progresso na luta contra a pobreza e em prol da equidade social, aproveitando a vasta experiência e conhecimentos que já existem no mundo inteiro. Fazer isso acontecer não vai ser fácil, mas o Brasil está mostrando o caminho.

(*) Jim Yong Kim é presidente do Banco Mundial.

segunda-feira, 24 de março de 2014

A lentidão no saneamento (artigos Estadão)

23 de março de 2014 | 2h 05

O Estado de S.Paulo
Não se pode esperar que décadas de atraso na área de saneamento básico no Brasil sejam superadas em apenas alguns anos. No entanto, a cada nova estatística sobre o assunto, fica claro que o governo não tem feito o suficiente. A presidente Dilma Rousseff já chegou a dizer, entre um e outro anúncio de seus bilionários pacotes de obras, que era "obrigação moral" ampliar o saneamento. Mas uma pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que o ritmo da resolução dos problemas nessa área está diminuindo na gestão petista, colocando o País entre os que menos expandiram sua rede de tratamento de água e esgoto nos últimos 12 anos.
O estudo, feito em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, indica que o saneamento no Brasil cresceu 4,1% ao ano nesta década, ante 4,6% na década de 2000. A redução se deu justamente no período em que o governo criou, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um plano específico para impulsionar a cobertura das redes de esgoto, o PAC do Saneamento, há sete anos.
Essa situação colocou o Brasil em 112.º lugar no ranking que classifica os países por índice de avanço na cobertura de saneamento básico nos últimos 12 anos. Ou seja, entre 200 países do mundo, o Brasil está entre aqueles que menos expandiram a rede de esgotos no período. Tuvalu e Samoa tiveram índices equivalentes ao brasileiro. Egito (13.º) e Síria (22.º), convulsionados por conflitos civis, estão à frente.
É evidente que, em nações desestruturadas ou muito pobres, como algumas das que aparecem bem colocadas na pesquisa, qualquer esforço para melhorar o saneamento representará, nas estatísticas, um porcentual de avanço muito maior do que em países grandes como o Brasil. No entanto, é gritante a lentidão do País para sair da situação de descalabro nesse setor.
Em 2006, o governo petista garantiu que até 2024 o saneamento chegaria a todos os brasileiros. No ano passado, a data foi revista: espera-se agora que a meta seja atingida até 2033. Mais realista, o Instituto Trata Brasil acredita que, na melhor das hipóteses, o País terá cobertura sanitária universal apenas em 2050.
A principal razão é o atraso das obras do PAC, situação que se repete em quase todas as demais áreas cobertas pelo programa. Entre outras razões, a demora se dá porque muitas prefeituras, responsáveis pela elaboração dos projetos, não têm capacidade técnica para realizar esse trabalho, sendo frequentemente necessário refazê-lo do início. O governo foi lento para reagir a essa situação - que era totalmente previsível, uma vez que a maioria das cidades contempladas era pobre demais para atender às exigências técnicas. Agora, o governo está oferecendo auxílio para a elaboração desses projetos, o que tende a acelerar o processo.
Mesmo se todos os municípios estivessem capacitados, porém, o volume de recursos destinados ao programa, embora seja grande, ainda não é suficiente. Ao jornal O Globo o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos, disse que, se quisesse de fato atingir sua meta no prazo previsto, o governo deveria destinar o dobro do investimento atual, que está entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões anuais.
Os desafios são imensos. Números levantados por uma comissão das Nações Unidas para água e saneamento indicam que há um imenso fosso a separar as regiões mais e menos desenvolvidas do Brasil: enquanto o tratamento de esgoto chega a 93,6% em Sorocaba (SP), ele é de apenas 5,5% em Macapá (AP). No total, mais da metade dos brasileiros (52%) não tem coleta regular de esgotos - na Região Norte, esse porcentual chega a 90% - e só 38% do esgoto recebe tratamento.
Ante esse quadro, não se pode falar em sucesso do combate à pobreza, como faz o governo, pois os programas de renda mínima, tidos como esteio dessa luta, são a parte mais fácil. Difícil é pôr mãos à obra para dar aos brasileiros mais necessitados condições sanitárias mínimas, primeiro e incontornável passo para que eles consigam superar definitivamente sua condição de miséria.