23 de março de 2014 | 2h 05
O Estado de S.Paulo
Não se pode esperar que décadas de atraso na área de saneamento básico no Brasil sejam superadas em apenas alguns anos. No entanto, a cada nova estatística sobre o assunto, fica claro que o governo não tem feito o suficiente. A presidente Dilma Rousseff já chegou a dizer, entre um e outro anúncio de seus bilionários pacotes de obras, que era "obrigação moral" ampliar o saneamento. Mas uma pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que o ritmo da resolução dos problemas nessa área está diminuindo na gestão petista, colocando o País entre os que menos expandiram sua rede de tratamento de água e esgoto nos últimos 12 anos.
O estudo, feito em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, indica que o saneamento no Brasil cresceu 4,1% ao ano nesta década, ante 4,6% na década de 2000. A redução se deu justamente no período em que o governo criou, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um plano específico para impulsionar a cobertura das redes de esgoto, o PAC do Saneamento, há sete anos.
Essa situação colocou o Brasil em 112.º lugar no ranking que classifica os países por índice de avanço na cobertura de saneamento básico nos últimos 12 anos. Ou seja, entre 200 países do mundo, o Brasil está entre aqueles que menos expandiram a rede de esgotos no período. Tuvalu e Samoa tiveram índices equivalentes ao brasileiro. Egito (13.º) e Síria (22.º), convulsionados por conflitos civis, estão à frente.
É evidente que, em nações desestruturadas ou muito pobres, como algumas das que aparecem bem colocadas na pesquisa, qualquer esforço para melhorar o saneamento representará, nas estatísticas, um porcentual de avanço muito maior do que em países grandes como o Brasil. No entanto, é gritante a lentidão do País para sair da situação de descalabro nesse setor.
Em 2006, o governo petista garantiu que até 2024 o saneamento chegaria a todos os brasileiros. No ano passado, a data foi revista: espera-se agora que a meta seja atingida até 2033. Mais realista, o Instituto Trata Brasil acredita que, na melhor das hipóteses, o País terá cobertura sanitária universal apenas em 2050.
A principal razão é o atraso das obras do PAC, situação que se repete em quase todas as demais áreas cobertas pelo programa. Entre outras razões, a demora se dá porque muitas prefeituras, responsáveis pela elaboração dos projetos, não têm capacidade técnica para realizar esse trabalho, sendo frequentemente necessário refazê-lo do início. O governo foi lento para reagir a essa situação - que era totalmente previsível, uma vez que a maioria das cidades contempladas era pobre demais para atender às exigências técnicas. Agora, o governo está oferecendo auxílio para a elaboração desses projetos, o que tende a acelerar o processo.
Mesmo se todos os municípios estivessem capacitados, porém, o volume de recursos destinados ao programa, embora seja grande, ainda não é suficiente. Ao jornal O Globo o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos, disse que, se quisesse de fato atingir sua meta no prazo previsto, o governo deveria destinar o dobro do investimento atual, que está entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões anuais.
Os desafios são imensos. Números levantados por uma comissão das Nações Unidas para água e saneamento indicam que há um imenso fosso a separar as regiões mais e menos desenvolvidas do Brasil: enquanto o tratamento de esgoto chega a 93,6% em Sorocaba (SP), ele é de apenas 5,5% em Macapá (AP). No total, mais da metade dos brasileiros (52%) não tem coleta regular de esgotos - na Região Norte, esse porcentual chega a 90% - e só 38% do esgoto recebe tratamento.
Ante esse quadro, não se pode falar em sucesso do combate à pobreza, como faz o governo, pois os programas de renda mínima, tidos como esteio dessa luta, são a parte mais fácil. Difícil é pôr mãos à obra para dar aos brasileiros mais necessitados condições sanitárias mínimas, primeiro e incontornável passo para que eles consigam superar definitivamente sua condição de miséria.
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