08 de janeiro de 2014 | 2h 06
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Um dos maiores acontecimentos da economia global em 2013, com graves consequências para o Brasil e enorme impacto estratégico, foi praticamente ignorado pelo governo Dilma. Trata-se da revolução energética que, em apenas seis anos, deverá tornar os Estados Unidos não apenas autossuficientes em petróleo e gás, mas fortes exportadores em potencial.
O assunto não chega a ser novidade, mas é preocupante que não esteja sendo levado em conta pelo governo Dilma em suas formulações de política econômica. Quando se referiram à economia mundial, os dirigentes brasileiros têm olhos voltados para a crise europeia, para a persistência de altos riscos no mercado financeiro global e para os problemas que poderiam ser produzidos pelo desmonte da política monetária altamente expansionista dos Estados Unidos. Mas tendem a ver a revolução energética nos Estados Unidos somente como aposta de alguns, ainda sujeita a confirmações. Quando acordarem, pode ser tarde.
E, no entanto, como consta no relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos divulgado no dia 23 de dezembro, a produção de petróleo e gás subirá nada menos que 800 mil barris diários a cada ano até 2016, quando atingirá 9,6 milhões de barris diários. Será, então, batido o recorde de 1970.
Há poucos anos, os Estados Unidos importavam 50% do petróleo que consumiam. Esse número já caiu para 37% e, em 2016, o país deverá trazer de fora apenas 25%. Em 2020, aponta a Agência Internacional de Energia (EIA, na sigla em inglês), os Estados Unidos serão autossuficientes.
A revolução energética está sendo obtida graças ao emprego de nova tecnologia de exploração das reservas de xisto, que são rochas fortemente impregnadas de petróleo e gás. Essa tecnologia consiste em um bombardeio a alta pressão das camadas de xisto por uma mistura de água, areia e produtos químicos, que liberta o óleo e o gás aprisionados na rocha.
Os impactos econômicos serão impressionantes. O relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos prevê que o preço médio do barril (159 litros) de petróleo, que esteve em US$ 112 em 2012, baixará para US$ 92 em 2017, queda de 17,9%.
Os baixos preços do gás, que começam a ser negociados a US$ 4 por milhão de BTU (ante os US$ 14 a US$ 16 por milhão de BTU vigentes aqui e na Europa), deverão atrair novos projetos de indústria, não apenas na petroquímica, mas também nos setores eletrointensivos, como química básica, cimento, vidro, cerâmica e metalurgia eletrolítica.
Do ponto de vista da indústria brasileira, que já está alijada dos grandes centros de suprimento global, se for confirmada, essa revolução não implica apenas perda de competitividade em relação à indústria americana. Implica, também, risco de migração da indústria brasileira para lá ou desistência de projetos no Brasil.
Do ponto de vista estratégico, a independência energética dos Estados Unidos forçará mudanças importantes na política voltada para o Oriente Médio, grande centro exportador de petróleo. O atual equilíbrio de forças na região parece ameaçado. O impacto sobre a Venezuela, maior exportador da América Latina, também poderá ser dramático. Hoje, a economia está altamente dependente do faturamento com petróleo, cujos preços cairão em três anos.
O governo do México, outro grande exportador, entendeu o que está em jogo e tratou de criar as bases de sua própria revolução do petróleo. Acabou com o monopólio estatal exercido pela Pemex e também vai tratando de explorar suas reservas de xisto.
Enquanto isso, o governo brasileiro segue excessivamente confiante com as descobertas de petróleo no pré-sal e seus dirigentes preferem desconversar a respeito das consequências sobre a economia brasileira. Alegam que os problemas ambientais causados pela tecnologia do craqueamento hidráulico do xisto acabarão por desencorajá-la. Provavelmente não serão, porque a tecnologia do craqueamento hidráulico está sendo aperfeiçoada. Pode ser mais uma grave omissão do governo Dilma.