Durante as férias eu li um livro muito interessante, de uma categoria que agora está sendo chamada de "romance de idéias", é Quando Nietzsche Chorou (de Irvin D. Yalom, editado pela Ediouro no fim do ano passado). É de uma passagem do livro e do pensamento de Nietzsche que saíram o título e o assunto nuclear deste artigo, mas antes quero falar um pouco mais sobre o livro. O romance se baseia num encontro hipotético entre o filósofo alemão e o Dr. Josef Breuer, mentor e amigo de Freud.
Apesar de o encontro nunca ter acontecido, os personagens existiram e são
retratados com a fidelidade possível neste tipo de obra (além dos dois
principais, outros secundários são o próprio Sigmund Freud e Lou Salomé, que
está irresistível). No entanto, para além da descrição das personalidades dos
pensadores, está uma forma criativa e inteligente de mostrar um tanto do
pensamento da fase inicial de Nietzsche e um pouco do método psicanalítico. A
rica e, por vezes, divertida descrição das agruras matrimoniais de Breuer abre
o caminho para entendermos, também, a nós mesmos e o caminho psicológico para o
pensamento de Nietzsche que valem a leitura. Mas agora quero falar do tal
eterno retorno.
Devo confessar que este é um pedaço do mundo intelectual de Nietzsche que nunca
me atraiu muito, não via muito sentido na coisa. Mas aí é que estava a chave
que eu não via, buscar na idéia não um significado (parado), mas um sentido,
uma direção! Antes, uma introdução para os que não estão familiarizados com o
conceito. Para Nietzsche nossas vidas continuarão se repetindo infinitamente
para todo o sempre, exatamente da mesma maneira como as estamos conduzindo
agora.
Não se preocupem com as bases da proposição, mas pensem no seguinte: será que
eu quero passar a eternidade fazendo o que estou fazendo agora? Será que a
decisão que estou tomando hoje merece ser tomada sempre e infinitas vezes? A chave
não está na base (até certo ponto inconsistente) da afirmação, mas nas suas
conseqüências: desde que aceita a idéia de que cada decisão tomada por nós vai
continuar produzindo resultados, para sempre a responsabilidade por nossos atos
aumenta tremendamente! Fazer um trabalho que você não gosta, com pessoas burras
e num ambiente horrível, isto significa não só perder estes meses ou anos de
sua vida, mas fazer esta mesma besteira para sempre. Ver um filme ótimo e que
pode te ajudar a entender a si mesmo e se relacionar melhor com os outros
significa que sua vida inteira vai melhorar - para sempre!
Não se preocupem em questionar se suas vidas vão voltar, se você vai viver
efetivamente esta mesma vida para sempre, mas aceitem a idéia por uma causa
fundamental: minha vida é satisfatória o suficiente para eu querer viver de
novo? Cada decisão vale para sempre! Não vou ter inúmeras vidas futuras para
ser feliz, para fazer algo que me satisfaça e me sinta bem, para me realizar ou
me tornar um ser humano melhor, para tentar viver de forma diferente e mais
rica. O agora é de verdade e o futuro não vai mudar sem que eu faça algo já!
Notem que o juiz não está fora. Que, ao contrário de outras fantasias em que o
julgador é um terceiro, na de Nietzsche o juiz é você mesmo. É você quem deve
decidir se vale a pena a sua vida ou não. É mais uma tremenda responsabilidade,
mas sobre ela prefiro não falar agora. É como dizem na minha terra, assunto
para mais de metro.
Como eu disse antes, o importante não é tanto a possibilidade material de viver
novamente, num futuro remoto, a mesma vida, o importante é o peso quase
insuportável que isto dá às pequenas decisões do dia-a-dia. A fantasia de viver
para sempre a mesma vida é um exercício que torna presente a urgência do
cotidiano, pois, afinal de
contas, é nele que existimos.
contas, é nele que existimos.
© Copyright 2001 - Prof. Luis Marcello de A. Pereira - Advogado,
Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor de
Direito Constitucional da Universidade São Marcos.