terça-feira, 15 de outubro de 2013

O crime compensa?


13 de outubro de 2013 | 2h 07

O Estado de S.Paulo
A lentidão da Justiça brasileira causa prejuízos de toda ordem, mas o maior deles é certamente a sensação de impunidade. Que dizer de uma situação em que, graças ao arrastado processo de múltiplos recursos e embargos, criminosos já condenados podem movimentar as contas bancárias onde depositaram o fruto de seus malfeitos? Pois é isso o que pode acontecer em um caso de corrupção envolvendo auditores da Receita Federal e fiscais da Fazenda do Rio de Janeiro.
Em 2002, autoridades da Suíça denunciaram a existência de contas bancárias pertencentes a esses fiscais, chamando a atenção para o fato de que o volume de recursos era incompatível com o salário dos clientes. Em meio às investigações, efetuou-se o bloqueio das contas, no valor de US$ 28 milhões.
No ano seguinte, a Assembleia do Rio de Janeiro instalou uma CPI para investigar o que já estava sendo chamado de "propinoduto". Foram denunciadas 32 pessoas, sob acusação de lavagem de dinheiro, corrupção, formação de quadrilha e evasão de divisas. Dessas, 24 tornaram-se formalmente rés, entre elas o subsecretário de Administração Tributária do Rio no governo de Anthony Garotinho (PSB), Rodrigo Silveirinha, responsável pela fiscalização de 400 empresas. Ele teria enviado US$ 8,9 milhões à Suíça.
Bastaram seis meses para que 22 dos 24 acusados fossem condenados pela Justiça Federal do Rio - Silveirinha foi sentenciado a 15 anos de prisão. O que poderia constituir um grande exemplo de celeridade judicial, no entanto, foi apenas o início de uma excruciante sequência de protelações.
A defesa queixou-se da velocidade com que seus clientes foram condenados e recorreu. Em 2004, os réus ganharam o direito de responder ao processo em liberdade. Três anos depois, em novo julgamento, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região manteve a condenação e ainda aumentou algumas sentenças.
Em 2009, novo recurso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Desde então, como mostrou reportagem de Josette Goulart e Jamil Chade no Estado, o processo já passou por cinco relatores diferentes, sem que fosse apreciado. O último desses relatores, a ministra Assusete Magalhães, recebeu o caso há apenas dois meses.
Na semana passada, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de "prioridade de julgamento" do recurso, o que soa como uma piada de mau gosto ante a lentidão de todo o processo.
A pressa agora se explica pelo fato de que as autoridades suíças alertaram seus pares no Judiciário brasileiro de que era preciso acelerar o julgamento, já que, de acordo com as leis da Suíça, o bloqueio das contas dos réus não pode passar de dez anos. Esse alerta foi feito em 17 de maio.
É difícil de explicar aos suíços por que não se encerra um processo em que os réus tiveram todo o tempo do mundo para se defender e já estão condenados em duas instâncias. O caso ganha contornos ainda mais surreais quando se sabe que os suíços envolvidos no mesmo crime - cinco banqueiros - foram todos condenados e até já cumpriram suas sentenças.
Eis, portanto, um caso paradigmático da concepção de justiça no Brasil, comparada a um país desenvolvido, como a Suíça. Enquanto os suíços puseram seus condenados na cadeia, aqui, em nome da necessidade de conferir "ampla defesa" a acusados de crimes, abriu-se o caminho para uma infinidade de recursos para que o desfecho do processo fosse considerado inteiramente "justo". A lentidão é, assim, uma virtude, e a justiça é entendida apenas como a proteção dos direitos dos réus, e não como forma de proteger a sociedade, punindo os culpados.
Some-se a esse entendimento o fato de que a Justiça brasileira é confusa, com suas tantas instâncias, e precária, com falta crônica de juízes. Como resultado desse estado de coisas, cria-se insegurança econômica, com perdas evidentes para o conjunto do País, e não apenas para os diretamente lesados. Envia-se à sociedade o terrível sinal de que, talvez, o crime compense.

O SUS e os planos de saúde


12 de outubro de 2013 | 2h 08

O Estado de S.Paulo
A decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix Fischer, de autorizar a suspensão da comercialização de 246 planos de saúde de 26 operadoras é de fato boa para o consumidor, como diz o diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), André Longo, porque reforça o poder desse órgão, que tem entre suas funções fiscalizar aquelas empresas. Mas esse caso deve servir para chamar a atenção para outros aspectos - muito mais importantes - da situação dos planos dentro do sistema de saúde.
A ANS tomou aquela medida em agosto, mas sua ação foi tolhida por duas liminares, concedidas pelos Tribunais Regionais Federais da 3.ª Região (São Paulo) e 2.ª Região (Rio de Janeiro). Segundo o ministro Fischer, a ação da ANS atende ao interesse público e não cabe ao Judiciário estabelecer a forma como devem ser aplicadas as normas que regulamentam a atividade da ANS. "Tenho que as decisões impugnadas (as liminares) alteraram aspectos de procedimentos internos da agência que, certamente, nasceram para proteger com maior eficácia o consumidor em importante aspecto da vida, qual seja, a saúde", afirmou ele.
Dessa maneira, como diz Longo, fica restabelecida a competência da ANS para fazer "o monitoramento da garantia de atendimento, como forma de defesa do consumidor". Embora ainda caiba recurso da decisão de Fischer, a tendência parece ser a de seguir a orientação por ele apontada. Com isso ganha o consumidor, porque o que levou a ANS a suspender a comercialização daqueles planos foram reclamações sobre o descumprimento de prazos para consultas, exames e cirurgias, assim como negativas indevidas de coberturas por parte das operadoras.
De março a junho deste ano, foram recebidas 17.417 reclamações, um número seis vezes superior ao registrado no primeiro trimestre do ano passado, de acordo com dados da ANS, o que mostra o descontentamento crescente com os planos. Segundo a agência, as várias medidas de suspensão de comercialização de planos por ela tomadas têm o objetivo de proteger 4,7 milhões de pessoas, ou 9,7% do total de beneficiários dos planos de saúde.
Nada se pode alegar contra as medidas que a ANS tem adotado para proteger os consumidores, até porque isso é sua obrigação. O que há de errado nessa história é a tentativa que o governo parece estar fazendo de utilizar essas medidas como uma forma de escamotear os verdadeiros problemas da saúde no País.
É preciso considerar, por exemplo, a própria limitação dessas providências. O melhor exemplo disso é a resolução baixada pela ANS, em 2011, estabelecendo prazos máximos para a marcação de consultas, cirurgias e exames de laboratório, na qual ela tem se baseado para punir operadoras relapsas. Ora, é notório que isso acontece principalmente porque as redes de médicos, hospitais e laboratórios de que dispõem as operadoras não suportam a demanda. Seu crescimento não acompanhou a rápida expansão dos planos nos últimos anos. Esse descompasso não se resolve apenas com resoluções e punições.
O governo assistiu a tudo isso passivamente. Ou melhor, com satisfação, certamente vendo na procura das classes C e D pelos planos de saúde mais uma prova da mobilidade social que diz promover. Só que isso, na verdade, é antes uma prova das graves dificuldades enfrentadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É o malogro do SUS como sistema universal de atendimento, cujas deficiências espantam pessoas dos mais variados níveis de renda que a ele deveriam recorrer, que explica a expansão dos planos, que hoje atendem cerca de 50 milhões de pessoas.
Deixar um quarto da população por conta dos planos não funciona, como se está vendo. Pior, isso só serviu de desculpa para não investir no SUS o que era necessário. Não foi à toa que nos últimos três anos e meio a rede pública perdeu quase 13 mil leitos. Maior prova de desleixo do que essa não poderia existir. A solução para o problema da saúde no Brasil passa pela recuperação do SUS. O resto é secundário.

Pecuária passa por transformação


Com mais tecnologia, nova geração de criadores aumenta os índices de produtividade e de rentabilidade no Centro-Oeste

10 de outubro de 2013 | 15h 58

Chico Siqueira, especial para O Estado
A introdução de um pacote tecnológico por uma nova geração de criadores é responsável pela transformação da pecuária na Região Centro-Oeste. A atividade que até há pouco tempo era praticada de forma extensiva, necessitando de grandes áreas de terras, agora é baseada no aumento de produtividade, na sustentabilidade ambiental e em novas práticas de manejo e de sanidade do rebanho.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul), Eduardo Riedel, disse que, apesar da redução do rebanho bovino, Mato Grosso do Sul melhorou a eficiência e aumentou os índices de produtividade e de rentabilidade de sua pecuária.

Segundo Riedel, a atividade passou a ser mais rentável depois que os criadores fizeram a integração da pecuária com a agricultura e introduziram novas práticas de nutrição e de sanidade genética.

Riedel lembrou que o rebanho de gado de corte caiu de 24 milhões para 21 milhões de cabeças. A queda é explicada pelo crescimento da industrialização, puxada pelos setores de papel e celulose, mineração, metalomecânico e sucroenergético.


"Houve redução dos pastos e aumento das florestas para indústria e do cultivo de outras culturas, como cana-de-açúcar, soja e milho", disse.

No entanto, segundo ele, as práticas de integração lavoura-pecuária-floresta, adotadas nos últimos anos, permitem que o Estado tenha potencialidade para aumentar seu rebanho de forma significativa sem a necessidade de ocupar novas áreas com pastagens.

Ele lembrou que hoje os criadores podem plantar e colher a soja e o milho no mesmo solo em que plantam o pasto e colocam o gado de corte para se alimentar.
"A integração da pecuária com a agricultura propiciou aos produtores rurais uma otimização do solo", afirmou. "Isso veio acompanhada de melhorias na nutrição e sanidade genética."

Segundo ele, foram introduzidas tecnologias de reprodução, como a inseminação artificial, que originaram um animal de melhor qualidade. "Além da reforma de pasto, há uma estratégia de suplementação mais eficiente com a introdução de confinamentos e semiconfinamentos que ao longo do tempo encobrem as diferenças causadas por ausências proteicas e energéticas durante o período de engorda, propiciando um animal que ganha maior peso em menos tempo", explicou Riedel.

Profissionalização. Segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goias (Faeg), José Mário Schreiner, as novas gerações de pecuaristas estão mais preocupadas em buscar informações e em profissionalizar a atividade.

"Enquanto no passado se criava um animal por hectare, hoje os novos pecuaristas criam de três a quatro animais no mesmo espaço", disse. "Até há pouco tempo, a idade média para abate de um animal era de três anos a três anos e meio. Hoje já está abaixo de dois anos. Os produtores investiram em tecnologia e obtiveram maior rentabilidade."

Mas tanto Riedel quanto Schreiner chamam atenção para os problemas de relacionamento entre produtores e frigoríficos. "Os produtores ainda cobram mais transparência para questões de comercialização do seu rebanho. A relação está movida hoje pela desconfiança e essa divergência precisa ser sanada para que toda a cadeia possa lucrar com o desenvolvimento da pecuária", disse Schreiner.

Os pecuaristas reclamam da sistemática de precificação da carne vendida aos frigoríficos. A região conta mais de 60 abatedouros, metade destinada para exportação. De janeiro a setembro, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que possuem um rebanho de 70,2 milhões de cabeças, exportaram 252 mil toneladas de carne, com um faturamento de US$ 1,6 bilhão.