segunda-feira, 4 de março de 2013

Legendas repetem manobra e injetam R$ 100 mi em fundo



Pela 3º vez, siglas decidem aumentar a verba prevista para Fundo Partidário com o propósito de pagar dívidas de campanha eleitoral

03 de março de 2013 | 2h 07
O Estado de S.Paulo
Pelo terceiro ano consecutivo, o Congresso vai elevar em R$ 100 milhões a dotação do Fundo Partidário no Orçamento Geral da União. Com isso, os partidos vão embolsar R$ 294 milhões em recursos públicos no ano que vem, em vez dos R$ 194 milhões previstos na proposta inicial do governo.
Esses recursos devem ajudar partidos e candidatos a pagar pendências da campanha eleitoral de 2012. Isso já aconteceu há dois anos, quando o Estado revelou a existência de uma manobra para "estatizar" dívidas da corrida eleitoral de 2010. Na época, a destinação de recursos públicos para o fundo saltou de R$ 165 milhões para R$ 265 milhões durante a tramitação do Orçamento de 2011 no Congresso.
A proposta original do Orçamento seguinte, de 2012, previa R$ 201 milhões para o fundo, mas o valor foi elevado para R$ 301 milhões pelos parlamentares. A maior parte desses recursos foi usada para cobrir gastos de campanha de candidatos a prefeito e vereador.
Nas eleições municipais do ano passado, segundo levantamento do Estadão Dados, nada menos que R$ 180 milhões do Fundo Partidário foram destinados para o financiamento de campanhas.
Cheque especial. "Fica a impressão de que os partidos podem gastar o quanto quiserem nas campanhas, que depois o Congresso cobre", criticou o cientista político Humberto Dantas. Para ele, essa apropriação de recursos públicos, embora legal, "é questionável do ponto de vista da moralidade".
Todos os partidos têm acesso a recursos do fundo - 5% do dinheiro é distribuído igualmente entre as legendas e 95% segundo a proporção de votos na eleição anterior para a Câmara dos Deputados.
Segundo o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator-geral do Orçamento, há um acordo entre todos os partidos para alterar no plenário do Congresso o valor destinado ao Fundo Partidário. Para que isso se viabilize, será votado um adendo ao relatório aprovado pela Comissão Mista de Orçamento. A data da votação ainda não foi definida.
O deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), integrante da Comissão Mista de Orçamento, se manifestou contra o aumento dos recursos para o fundo no final de dezembro, quando a questão foi debatida. "Os outros parlamentares me olharam com cara de metralhadora", afirmou. "Muitos ali são dirigentes partidários e têm interesse direto no volume de dinheiro." / DANIEL BRAMATTI

Em uma década, País pagou R$ 6,8 bi para fundo e propaganda de partidos



03 de março de 2013 | 2h 06
DANIEL BRAMATTI - Estadão Dados
O custo dos partidos para os cofres públicos atingiu a marca de R$ 6,8 bilhões em dez anos, entre 2003 e 2012, com valores corrigidos pela inflação. A soma leva em conta o que deixa de entrar no caixa do governo, como subsídio para a propaganda partidária e eleitoral, e os desembolsos do Orçamento Geral da União para o Fundo Partidário. O custo das legendas em uma década equivale a sete vezes o valor da reforma do estádio do Maracanã para a Copa do Mundo.
O programa de dez minutos que o PMDB exibiu na quinta-feira em rede nacional de rádio e televisão, por exemplo, custou R$ 2,1 milhões para o conjunto dos contribuintes brasileiros. Só os 43 segundos que o peemedebista Renan Calheiros (AL) utilizou para destacar sua "vontade de acertar" na Presidência do Senado, cargo para o qual foi eleito neste ano, representaram um baque de R$ 152 mil nos cofres públicos.
Gratuito para as legendas, o tempo de propaganda partidária é pago pelo governo federal na forma de isenção de impostos para as emissoras de rádio e televisão. As 23 horas e 20 minutos que 15 partidos vão ocupar nas redes em 2013, sempre em horário nobre, significarão R$ 296 milhões em impostos que as emissoras deixarão de pagar, segundo relatório da Receita Federal.
No ano passado, por causa das eleições, a conta da isenção fiscal chegou a R$ 606 milhões.
 
Tendência. A despesa pública com os partidos é crescente. Entre as eleições presidenciais de 2002 e 2010, por exemplo, subiu 210% acima da inflação (tendo como parâmetro o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), passando de R$ 370 milhões para R$ 1,15 bilhão.
Um dos motivos desse fenômeno é a elevação dos custos da publicidade comercial - é com base neles que a Receita calcula o benefício fiscal concedido a cada emissora de rádio e TV.
Ao final de 2013, a propaganda dos partidos terá invadido o rádio e a televisão em 59 noites, sempre às quintas-feiras, na forma de programas de cinco ou dez minutos. Além disso, em anos não eleitorais, os maiores partidos têm direito a 20 minutos por semestre distribuídos em inserções de 30 segundos ou um minuto. Um espectador que assista à TV todas as noites terá sido bombardeado com cerca de 1.400 minutos de propaganda ao final de um ano.
O subsídio para que os partidos façam propaganda de si próprios é indireto - as legendas nem sequer tomam conhecimento das quantias envolvidas. Com o Fundo Partidário, é diferente: o dinheiro vai diretamente para os cofres dos beneficiados, todos os meses.
Verba direta. Também nesse caso, os custos estão em ascensão. Até 2010, a dotação orçamentária era reajustada ano a ano com base na inflação e na evolução do número de eleitores - um crescimento suave, portanto. Em 2011, porém, ocorreu um salto - um acréscimo brusco de R$ 100 milhões, aprovado por unanimidade pela Comissão Mista de Orçamento.
Com a manobra, os partidos conseguiram uma fonte extra de recursos para ajudar a quitar dívidas da corrida eleitoral de 2010. "Muita gente saiu devendo da campanha", disse, na época, o ex-deputado Saulo Queiroz, então tesoureiro do DEM.
A elevação excepcional de recursos para o fundo acabou virando regra - aconteceu também no ano passado e será incorporada ao Orçamento de 2013 quando ele for votado no plenário do Congresso (leia texto na página A6).
Desproporção. Com as dotações do Fundo Partidário e a divisão do tempo de propaganda partidária e eleitoral, o Estadão Dados calculou o custo aproximado de cada legenda para os cofres públicos em 2012 (veja quadro ao lado).
Os partidos maiores, como PT, PMDB e PSDB, ficaram com as fatias mais expressivas - do "bolo" de R$ 892 milhões, levaram R$ 134 milhões, R$ 112 milhões e R$ 88 milhões, respectivamente. Isso acontece porque tanto o Fundo Partidário quanto o tempo de propaganda são distribuídos com base no porte das legendas - são levados em conta a votação para a Câmara e o número de deputados eleitos.
Mas o critério proporcional não é o único aplicado. No caso do Fundo Partidário, 5% dos recursos são distribuídos igualmente entre todos os partidos. Na propaganda eleitoral, 1/3 do tempo é repartido da mesma forma entre todas as legendas que lançam candidatos.
Na propaganda partidária, um partido "nanico" como o PRB tem direito à metade do tempo do PMDB, por exemplo. Com isso, os pequenos partidos acabam recebendo benefícios desproporcionais a seu desempenho nas urnas.
O PCO, por exemplo, não elegeu nenhum prefeito e nenhum vereador em 2012, mas teve um custo de R$ 1,7 milhão para os cofres públicos.
O PSOL, que elegeu apenas dois prefeitos, custou R$ 30,6 milhões, enquanto o PSB, que conquistou 440 prefeituras, teve custo de R$ 57,2 milhões.

Dinheiro público estimula criação de novas legendas

03 de março de 2013 | 2h 02
O Estado de S.Paulo
As benesses públicas para os partidos políticos alimentam a proliferação de legendas no País. Já há 30 em funcionamento e pelo menos 22 em processo de regularização, com parte da documentação necessária já apresentada à Justiça Eleitoral.
Não está nessa conta a Rede, partido que a ex-presidenciável Marina Silva e seus aliados estão formando, com o objetivo de disputar as eleições de 2014.
Na lista de candidatos a partido há os de inspiração religiosa (Partido Cristão, Partido Liberal Cristão, Partido Cristão Nacional), classista (Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil, Partido dos Estudantes, Partido Militar Brasileiro) e até de gênero (Partido da Mulher Brasileira). Um deles se apresenta apenas como Partido Novo.
Todos sonham em seguir os passos do Partido Pátria Livre (PPL), que obteve registro no Tribunal Superior Eleitoral em 2011 e disputou cargos pela primeira vez nas eleições de 2012. O PPL recebeu R$ 500 mil de recursos públicos do Fundo Partidário no ano passado. O Partido Ecológico Nacional (PEN), que ainda nem disputou eleições, embolsou R$ 281 mil no período.
Para o cientista político Humberto Dantas, professor do Insper, o Poder Judiciário é um dos principais responsáveis pela proliferação de partidos - em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a chamada cláusula de barreira, que limitava o acesso de legendas menores a recursos públicos e ao horário eleitoral.
"A Justiça matou a cláusula de barreira, claramente atendendo a pedidos de partidos médios, que eram prejudicados pela regra", afirmou Dantas.
Caso de sucesso. Maior fenômeno entre as legendas novatas, o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, conseguiu formalizar sua existência em tempo recorde - menos de um ano.
Kassab mobilizou aliados em todo o País para coletar cerca de 490 mil assinaturas, o equivalente a 0,5% dos eleitores do País e mínimo exigido para a obtenção de registro. A legenda acabou atraindo 55 deputados federais, interessados no caráter "nem de esquerda, nem de direita, nem de centro" da agremiação, segundo a definição do próprio Kassab. O fato enfraqueceu a oposição e ampliou a base da presidenet Dilma Rousseff.
O partido também se fortaleceu graças à Justiça Eleitoral, que deu a ele maior acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. Agora, Kassab quer mudar a legislação para evitar que futuras legendas se aproveitem das mesmas brechas para atrair parlamentares. / D.B.

As flores da Rua Joly



04 de março de 2013 | 2h 05
José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo
Num sábado à tarde, de novembro de 1884, a Condessa d'Eu, com os filhos, ainda crianças, foi de bonde puxado a burro conhecer a Chácara das Flores, no Brás. Ficava no Marco da Meia Légua, pouco adiante da Ponte Preta, na Rua do Brás, mais tarde Rua da Intendência e hoje Avenida Celso Garcia. A Princesa Isabel não ligou muito para as flores de Jules Joly. Queria era livrar-se do enxame de repórteres. Na volta, pediu um bonde só para ela e os filhos, deixando os jornalistas a pé. Lá era o confim da cidade, o extremo do chamado rocio.

Júlio Joly era francês de Grenoble. Chegara a São Paulo, com 27 anos de idade, em 1828, onde, com um patrício, montou uma livraria, animado pela abertura do Curso Jurídico, atual Faculdade de Direito. Em meados do século, tinha uma loja de miudezas de luxo trazidas da França: joias de verdade e de fantasia, cristais, porcelanas, eventualmente vinhos e até elixires. Todo ano viajava para lá e voltava carregado desses objetos de desejo de uma sociedade caipira que estava ficando rica com a agricultura de café e se afrancesava ao mesmo tempo. Era uma espécie de sacoleiro de luxo. Semanas antes de viajar, fazia leilões dos estoques de sua loja de sobrado na Rua do Rosário, atual Álvares Penteado, de modo a recuperar o capital para renovar estoques.

A Chácara das Flores foi criada no terreno do Brás, em 1856, depois que Joly, sem êxito, tentou vendê-lo. Com as mercadorias para sua loja, começou a trazer da França, na bagagem, sementes e mudas de flores. A chácara tinha cerca de um hectare, um sobrado, ao qual se chegava por uma alameda ladeada por palmeiras, vários animais, mais de mil árvores frutíferas, parreiras, senzala para os escravos. O terreno era atravessado por um córrego de boa água. Dizia ter 400 variedades de camélias e de rosas, além, de dálias, rododendros, azaleias.

Na Rua da Imperatriz, hoje 15 de Novembro, abriu uma floricultura, onde vendia buquês e arranjos florais. Joly colocou as flores na vida cotidiana dos paulistanos, libertando-os da rusticidade que havia até mesmo nos casarões senhoriais.

Em 1886, fez o arruamento da chácara para venda de lotes. A uma das ruas deu seu próprio nome, Rua Joly, que assim se chama até hoje. Em 1893, cego, foi submetido a temerária cirurgia de catarata pelo doutor Carlos Botelho, aqui mesmo, o que lhe permitiu voltar a ler e escrever. Faleceria no ano seguinte, com 93 anos de idade. Seus filhos se radicaram em Itatiba, como fazendeiros e lojistas. Tinham escravos. Lá foi celebrada sua missa de 7.º dia. 

Joly se gabava de ter sido o introdutor do gosto pela jardinagem amadora em São Paulo. Foi quem estimulou entre nós o passatempo masculino do cultivo de rosas, numa época em que o único passatempo dos homens era a caçada. Perfumou aqui o caminho da civilização.