quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Keynes, oh, por Delfim Netto, na FSP


Um amável leitor honrou-me com uma observação sobre o último "suelto" desta coluna ("Acumulação", "Opinião", 1º/8). Ele não entende a minha "adoração" por Keynes e a minha insistência em "tentar desmoralizar" os enormes progressos feitos na macroeconomia nos últimos 80 anos.
Keynes publicou a sua "Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda" em 1936. O leitor concorda que, na época, ela foi "revolucionária". Hoje, na sua opinião, Keynes não passa de mais um brilhante economista, como muitos outros desde o século 18, como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Leon Walras, cujas contribuições foram "metabolizadas" no corpo da teoria econômica moderna.
"Keynes foi um grande economista da segunda metade do século 20. E isso é tudo"!
Trata-se, obviamente, de um provocador. Sabemos que, desde os anos 70 do século passado, a grande ambição de economistas menores (alguns até Prêmio Nobel), apoiados numa formalização matemática enganosa, sem ligação com o mundo econômico vivo, era "desconstruir" Keynes.
A maior prova disso é que, até 2009, os macroeconomistas do "mainstream" não incluíam em seus modelos o "crédito" e as "Bolsas de Valores". Por quê? A resposta é simples: porque estavam míopes de Keynes e de seus seguidores, como Minsky.
Já em 1936, Keynes introduzira o crédito e a Bolsa no seu modelo. O capítulo 12 do seu livro é um prodígio de antecipação do importante papel dessas duas instituições no processo capitalista e destaca a inerente instabilidade das Bolsas.
O investimento é mais influenciado pelas expectativas de longo prazo nas Bolsas do que pelas dos próprios investidores. Seus pensamentos revelam a sua intuição e o domínio da realidade.
Na Bolsa diz ele, tentamos descobrir "o que a opinião média espera que seja a opinião média", o que pode levar a um imprevisível colapso. E completa: "Quando o desenvolvimento do capital num país transforma-se num subproduto das atividades do cassino, ele não será bem-feito".
Afirma que o investimento é mais produto do "espírito animal" do empresário do que do seu cuidadoso estudo do risco. Aliás, propôs uma tributação sobre as operações bursáteis.
Como pôde Keynes fazer isso? A resposta é que ele mesmo era um grande, discreto e, no final, bem-sucedido especulador em ações e commodities.
Entre 1933 e 1936, ele estava operando furiosamente para si e para o fundo do King's College, da Universidade Cambridge. Keynes não foi um
teórico, mas um prático!
Ele conhecia a economia em primeira mão. Não fez "ciência econômica", viveu o sistema econômico! Daí a sua importância que estamos recuperando 80 anos depois.
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@terra.com.br

O desafio de reconstruir a defesa econômica


Coluna Econômica - 08/08/2012
Um dos grandes desafios institucionais do país, nos próximos anos, será o de revitalizar o sistema de defesa da concorrência.
A primeira etapa foi o revigoramento do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), em meados dos anos 90. Era peça fundamental para uma economia que se liberalizava e se internacionalizava. O órgão acabou se desmoralizando em dois episódios, o da compra da Antárctica pela Brahma e da Garoto pela Nestlé.
Principalmente no caso Ambev, foi vergonhosa a participação do presidente Gesner de Oliveira, desmoralizando o papel institucional do órgão.
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Mas não apenas presidentes fracos contribuíram para a desmoralização da função. O próprio sistema de defesa da concorrência era disfuncional.
A Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, analisava as condutas competitivas. A Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, as condutas econômicas. O CADE era o tribunal, que julgava os episódios de concentração, mas apenas após os dois órgãos terem formulado seus diagnósticos.
O julgamento ocorria depois de consumada a fusão. E ainda havia a possibilidade da decisão ser questionada na justiça.
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Agora o CADE entra em nova fase, presidido por Vinicius Marques de Carvalho, um jovem e brilhante advogado que conseguiu defender sua tese de doutorado simultaneamente no Largo São Francisco e na Sorbonne.
As funções da SDE e da SEAE foram incorporadas ao CADE. E o órgão de viu revestido de um poder inédito: a necessidade de análise prévia para operações que impliquem em concentração de mais de 20% do mercado, ou a compra de 5% de participação de concorrentes.
Ao contrário das informações vagas fornecidas 15 dias após a concretização da operação, agora o comprador terá que preencher questionários detalhados sobre o mercado relevante.
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Haverá mais desafios para o novo CADE.
Ele surgiu em um período sob o primado da internacionalização, da desregulamentação ampla dos mercados, de liberalização comercial e da elegia das grandes empresas globais.
Agora, assume a responsabilidade da análise prévia em um contexto no qual os Estados passam novamente a intervir na economia, como efeito da crise internacional exigindo políticas industriais revigoradas e ferramentas nas disputas comerciais.
Além disso, a cartelização da muitos setores se dá em âmbito global.
O novo CADE terá que dialogar com os órgãos de promoção comercial, com a questão do antidumping e participar da discussão sobre os organismos internacionais capazes de discutir a cartelização globalizada de muitos setores.
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O grande desafio de Vinicius será compatibilizar os princípios de defesa da concorrência com as linhas políticas do governo.
Gesner cedeu vergonhosamente no episódio CADE sepultando a ideia de autonomia do órgão. Vinicius terá que enfrentar a linha desenvolvimentista do governo - presente principalmente no BNDES - de criação dos tais "campeões nacionais", especialmente em áreas tradicionais como pecuária e agronegócios.
E, principalmente, responder a contento aos diversos ângulos da questão: como construir grandes empresas para fora sem esmagar os fornecedores para dentro.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

As eclusas na ampliação do modal hidroviário


CARLO LOVATELLI E CARLOS FÁVARO são, respectivamente, presidentes da Abiove e da Aprosoja - O Estado de S.Paulo
O Brasil se encontra em posição privilegiada para atender à crescente demanda mundial por alimentos, notadamente da Ásia: tem terras aráveis, recursos hídricos, tecnologia e empreendedorismo. Porém o alto custo do frete e a ineficiência do sistema de transporte têm sido um importante óbice ao aproveitamento dessa oportunidade de mercado. Para ganhar em competitividade, o escoamento de grandes volumes de produção de grãos do Centro-Oeste do País até os portos de exportação precisaria utilizar a hidrovia de forma intensiva.
No Brasil, as hidrovias transportam apenas 4% das cargas nacionais. No caso da cadeia produtiva da soja, a principal cultura agrícola do País, cerca de 70% do transporte é feito por rodovias, o que reduz a renda do produtor rural, porque o frete rodoviário é o mais oneroso em relação aos modais ferroviário e hidroviário. Nos EUA ocorre quase o inverso, já que 61% da soja exportada utiliza as hidrovias, vantagem que confere competitividade internacional à produção daquele país. Na Europa, as hidrovias são utilizadas intensivamente na distribuição de produtos.
O Brasil tem 63 mil km de rios. Desses, 43 mil km são navegáveis, mas 27,5 mil ainda não têm sido efetivamente utilizados. A hidrovia é o caminho mais barato para o escoamento da produção agrícola do País. Por isso a cadeia produtiva da soja defende que a construção de novas hidrelétricas venha sempre acompanhada de eclusas, comportas que funcionam como elevadores de água e que fazem as barcaças e os navios subirem e descerem para transpor as barragens erguidas pelo homem nos rios, permitindo a navegação fluvial.
A construção da eclusa de Tucuruí é considerada um exemplo de como a falta de um marco regulatório específico, que obrigue a construção concomitante de eclusas para conciliar o uso múltiplo das águas, prejudica o desenvolvimento social e econômico de uma região. Foram necessários 15 anos para pôr a eclusa em funcionamento, período em que a produção da região dependeu apenas do transporte rodoviário, mais caro e sujeito às condições precárias de manutenção das rodovias brasileiras.
Não podemos desperdiçar o grande potencial de escoamento de granéis e outros produtos por rios como o Tocantins, o Araguaia, o Teles Pires e o Tapajós. Causam preocupação os projetos de usinas hidrelétricas no Rio Tocantins e no Teles Pires, que, se construídas sem eclusas, inviabilizarão o escoamento da produção de uma extensa área agrícola sob influência da hidrovia. Essa região, assim como outras, ficará dependente do dispendioso transporte rodoviário.
Existem projetos no Ministério de Minas e Energia para implantar, até 2018, três hidrelétricas no Rio Tapajós - uma em São Luiz do Tapajós; uma em Jatobá; e outra em Chacorão -, porém sem prever a construção de eclusas. Informações do Movimento Pró-Logística (integrado por entidades mato-grossenses, entre elas a Famato, a Aprosoja, a Acrimat e a Ampa) indicam que será possível gerar energia e permitir a navegação na Hidrovia Teles Pires-Tapajós a um custo de R$ 2 bilhões, economizando para os produtores outros R$ 2 bilhões por ano em fretes.
Atualmente, 27 eclusas são consideradas prioritárias em projetos de barragens e em barragens já construídas que exigem recursos de aproximadamente R$ 11,6 bilhões. A construção de eclusas depois de feita a barragem é muito mais cara e complexa. O valor de uma eclusa construída junto com a obra de uma hidrelétrica representa 7% do valor total da usina. Uma eclusa feita isoladamente passa a custar 30% do valor da hidrelétrica. Portanto, o ideal é que eclusas sejam incluídas no planejamento de hidrelétricas e construídas ao mesmo tempo.
Felizmente, o assunto tem sido objeto de recentes debates entre as partes interessadas no Congresso Nacional. No dia 21 de maio foi apresentado, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, um novo substitutivo ao Projeto de Lei n.º 3.009/97, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de eclusas e de equipamentos e procedimentos de proteção à fauna aquática dos cursos d'água na construção de barragens.
O relator do projeto, deputado Homero Pereira (PSD-MT), apresentou parecer na forma de substitutivo em que promove, entre outras, as seguintes alterações: explicita que a norma estabelece a obrigatoriedade de implantação integral ou parcial de eclusas ou outros dispositivos de transposição de desnível de forma concomitante ou posterior à implantação de barragens em cursos d'água; permite que a empresa responsável pela construção e operação da barragem seja ressarcida pela União pelos custos relativos ao projeto executivo e à construção da eclusa; veda a transferência desses custos à tarifa de energia elétrica, no caso de barramento para aproveitamento hidrelétrico; e exige que, no caso de licitação para aproveitamento hidrelétrico do curso d'água, o edital explicite que o projeto e a implantação da barragem deverão ser compatíveis com a construção de eclusas.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) destacam a necessidade de um planejamento integrado entre os vários órgãos governamentais, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, a Agências Nacional de Águas (ANA), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com isso, ao ser aprovada a legislação que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de eclusas na construção de barragens, todos os atores estarão preparados para implementar o que deverá ser um dos principais saltos em matéria de logística no Brasil.
Com a viabilização das hidrovias, ganham o setor produtivo e, especialmente, a sociedade, com a geração de empregos, renda, desobstrução das rodovias e redução das emissões associadas ao transporte por caminhões.