quarta-feira, 13 de julho de 2011

Emprego para a "geração Starbucks"


ANDREI CHERNY
FOLHA DE SP - 10/07/11
A grande lacuna no debate é uma agenda para tornar os americanos, no plano pessoal, mais competitivos



HÁ UMA questão que deveria ser uma das prioridades na agenda política nos Estados Unidos: a recuperação lenta no nível de emprego.
O mercado de trabalho voltou a travar nos últimos meses, enquanto o debate sobre o que fazer para aumentar a disponibilidade de empregos está há muito tempo relegado a um beco sem saída político.
As ferramentas econômicas tradicionais da esquerda e da direita -gastos públicos e cortes de impostos- não ajudaram muito em uma era de economia globalizada, mobilidade de capital e na qual qualquer dinheirinho que sobra pode ser usado na compra de TVs fabricadas na China, no Walmart mais perto.
Injetar mais dinheiro na economia poderia ter funcionado quando vivíamos em uma economia nacional, e não globalizada, na qual as grandes empresas criavam a maioria dos empregos; e quando o local de trabalho paradigmático era a disciplinada linha de montagem.
Mas os EUA e as demais economias entraram no que se pode descrever como uma nova ordem do emprego -uma economia na qual a maioria dos trabalhadores não está vinculada a grandes instituições e salta de trabalho a trabalho. Nesse tipo de economia, cada trabalhador é, na prática, uma pequena empresa -responsável por orientar sua carreira e seu futuro econômico.
Ainda que os defensores de abordagens tradicionais, envolvendo ajudar grandes empresas ou expandir mais o governo, possam não perceber, vivemos numa economia que funciona de baixo para cima. Os criadores de emprego atuais dificilmente serão industriais que constroem fábricas, e sim funcionários demitidos que conectam laptops para trabalhar como free-lancers enquanto tomam café no Starbucks.
Pesquisas demonstraram que, ao longo dos últimos 25 anos, empresas criadas há no máximo cinco anos responderam por todo o crescimento líquido no nível de emprego dos EUA. O desafio atual é que a desaceleração econômica recente está diretamente vinculada a uma desaceleração nas atividades empreendedoras. O número de novas companhias com funcionários caiu em mais de 17% entre 2007 e 2009.
Os indicadores de trabalho autônomo também vêm caindo nos dois últimos anos, e estudo da Administração de Pequenas Empresas mostrou que 65% dos empregos criados por empresas iniciantes entre 1997 e 2008 eram vagas que os proprietários criaram para eles mesmos. Como aponta um dos autores, "criar empresas é criar empregos".
Assim, é nos novos empresários, que muitas vezes são tratados com descaso nas discussões convencionais sobre criação de emprego, que o país deveria concentrar atenções. Revitalizar o espírito empreendedor poderia começar pela dispensa tributária para novas empresas, ligada ao número de empregos criados.
Benefícios de saúde e aposentadoria deveriam ser mais universais, personalizados, acessíveis e portáteis, de modo a que as pessoas com espírito empreendedor se disponham mais a deixar grandes empresas e abrir negócios próprios.
Mais Estados deveriam seguir o exemplo de Nova Jersey e Oregon, que começaram a modernizar seus sistemas de benefícios aos desempregados, para que não apenas atenuem o golpe para os trabalhadores demitidos, mas também os ajudem a encontrar novos empregos, ou criá-los, para eles e outros.
É importante debater redução nas exigências regulatórias para as grandes empresas, ou a criação de linhas ferroviárias de alta velocidade e redes elétricas inteligentes, para tornar os EUA mais competitivos.
Mas na "nova ordem do emprego", a grande lacuna no debate econômico é uma agenda que torne os americanos mais competitivos no plano pessoal. Uma sensação de energia e urgência para adotar essa meta já tarda, caso desejemos reverter a situação econômica.
Compreender e aprender a lidar com essa economia transformada é o primeiro passo para a recuperação. A causa imediata da Grande Recessão pode ter sido a cultura do excesso e da irresponsabilidade, tanto da parte dos cidadãos comuns quanto dos mercados, mas a solução só surgirá quando fizermos pela nossa era aquilo que o New Deal fez nos anos 30: atualizar as políticas econômicas para que respondam a um novo mundo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
ANDREI CHERNY é presidente de "Democracy: A Journal of Ideas" e pesquisador sênior do Center for American Progress.

Grátis? Pense de novo


Tudo, literalmente, tem seu preço. Mesmo pelo 'de graça' você está pagando, embora não perceba

10 de julho de 2011 | 0h 07

Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo
Como pode um jornalista de economia prever o modelo de negócios pelo ar confiante de um grupo de executivos que vê passar no corredor? Eduardo Porter, membro do comitê editorial do New York Times, confessa que ele também tem seu momento de leitura da sorte nas folhas de chá.
Estamos conversando sobre o fim do acesso grátis ao mais importante jornal de língua inglesa. O assunto não só afeta nosso entrevistado como é um tema importante de seu novo livro, O Preço de Todas as Coisas - Por que Pagamos o que Pagamos (Objetiva), lançado nessa semana no Brasil. O passo firme dos executivos faz o autor desconfiar que a experiência da cobrança da assinatura digital, iniciada em março, pode tirar o Times da crise provocada pelo colapso da receita dos jornais impressos.
Eduardo Porter nasceu no Arizona e foi criado no México. Trabalhou no Wall Street Journal e, antes de ir para o Times, editou em São Paulo, na década de 90, a revista América Economia. Seu português é fluente, tingido com algum espanhol, e seu interesse pelo Brasil não diminuiu desde que se instalou no bairro nova-iorquino do Brooklyn. O Preço de Todas as Coisas não foi escrito em economês e, para os que gostam da segregação disciplinar, pode ser maliciosamente agrupado como um exercício no gênero economia pop, o que é uma perda de tempo ou, como diria o autor, dinheiro jogado fora.
O livro é uma crônica sobre a onipresença do preço nas escolhas que fazemos. Da decisão de tomar um café gourmet que custa oito vezes o preço do café coado em casa à decisão de pagar US$ 100 por uma garrafa de vinho tão bom quando a que custa só US$ 15. Porter não é um apóstolo - seja da sabedoria suprema do mercado para atribuir valor, seja da irracionalidade das nossas decisões de compra. Ele acha que a atribuição de preços é muito mais complexa e fascinante do que sugerem as máquinas calculadoras. E defende seu argumento nesta entrevista exclusiva ao Estado.
(foto: Martirene Alcântara)
O PREÇO DO GRÁTIS
O grátis, como princípio, não existe. O grátis pode embutir vários preços. Se você acha que está assistindo à TV de graça, não está: paga com o seu tempo, para assistir aos comerciais. O senso de dívida que se tem quando conseguimos algo de graça pode ser facilmente explorado para o lucro, como demonstra, há muito tempo, a promoção da amostra grátis. Um desafio do capitalismo é atribuir valor a ideias porque é importante estimular a inovação e a distribuição delas. Agora, imagine se Isaac Newton tivesse tentado patentear o cálculo. Onde estaria a matemática? Você teria que pagar cada vez que fizesse uma operação derivada? O grátis pode ser uma miragem, e isso nunca foi tão demonstrado como na era da internet, com o colapso do preço do conteúdo.
O PREÇO DO QUE NÃO É MAIS GRÁTIS
No caso do New York Times, que passou a cobrar pelo acesso ao conteúdo integral desde março, ainda é um pouco cedo para avaliar a experiência a longo prazo. Lembro que em poucas semanas a CEO Janet Robinson considerou as 100 mil assinaturas digitais daquele período um bom começo. Observo os executivos nos corredores do jornal e estou gostando da expressão deles. Parecem menos assustados e mais confiantes. Admito que esse meu método de avaliação é como ler as folhas de chá, mas, se a paywall estiver dando certo como modelo de negócio, isso significa que o New York Times terá vencido o grátis. Fiz um cálculo a grosso modo e estimo que, se dos 30, 35 milhões de pessoas que acessam o site no mundo inteiro 1 milhão comprar a assinatura, estamos em boa forma. O que mudou, a meu ver, foi que descobriram como convidar as pessoas a pagar por algo que valorizam. O que o Times fez foi muito diferente do comportamento da indústria musical, que queria cobrar de todos e processava adolescentes por pirataria. O jornal não quer obrigar todo mundo a pagar. Libera uma boa quantidade do conteúdo de graça. E, sejamos francos, quem quiser burlar a paywall pode conseguir isso por meio de links e outros sites. Mas isso implica investir tempo e esforço - o preço do grátis. Se você gosta do jornal ou precisa ler o Times, US$ 20 por mês não é tanto assim. E, repito, o jornal fez um convite, não deu uma intimação.
O PREÇO DAS BOLHAS
Ao contrário do que dizem certos economistas, o mercado não sabe tudo. Pode haver um fracasso na avaliação dos preços. Essa distorção pode nos levar, como pessoas ou como sociedade, a tomar decisões destrutivas. Foi o que aconteceu nessa última recessão americana, provocada pela bolha imobiliária. Acredito que o que esteja acontecendo no setor imobiliário em cidades brasileiras seja uma bolha, e isso é um fenômeno comum em economias emergentes. É um dinheiro especulativo. Os preços vão sendo distorcidos quando entra uma quantidade estapafúrdia de dinheiro num país. No caso da disparada dos preços de imóveis, grande quantidade de recursos e da poupança se deslocam para o setor, ocorre um desvio de força de trabalho. É um sobreinvestimento e, quando os preços passam a cair, começa a pressão recessiva. Nós vimos isso na bolha da Ásia nos anos 90, na bolha da internet no ano 2000 e, num nível gigantesco, no crash de 2008.
O PREÇO DO FUTURO
O dilema do preço "proteção ambiental" não foi resolvido, em parte, porque ninguém sabe o custo do futuro. Vamos supor que houvesse um consenso sobre ações futuras para salvar o planeta. O primeiro obstáculo seria a cotação da vida nos países ricos e nos países pobres. Quanto custa salvar o futuro de quem mora nos Estados Unidos e de quem mora em Bangladesh? É um dilema moral. Mas a falta de consenso me parece resultado de não sabermos quanto custa salvar a vida de quem ainda não nasceu, agravada pelo fato de que, daqui a 30 anos, a maioria das pessoas vai nascer nos países que hoje estão em desenvolvimento, longe de muitos que hoje tomam as decisões. Tenho a impressão de que, no Brasil, o Lula e, agora a Dilma, colocam ênfase no desenvolvimentismo. A hidrelétrica de Belo Monte e as políticas agrícolas são um sinal claro disso. Quando converso com "verdes", percebo que alguns estão horrorizados com o Brasil. E o Brasil está mesmo sob pressão para avaliar suas prioridades. Veja bem: o velho argumento "os ricos já sujaram, agora é a nossa vez" só tem uma consequência previsível: destruir o planeta para todos, ricos e pobres. Se países como a China começarem a pecar, consumindo energia per capita no nível dos americanos, a Terra acaba.
O PREÇO DO FUTURO DA AMAZÔNIA
Vou tocar num ponto controvertido, sei que o governo brasileiro odeia até considerar a hipótese. Os ambientalistas perguntam: a Amazônia é um ativo do mundo, o último grande pulmão do planeta, ou só do Brasil? Eu não descartaria de cara o argumento deles, acho que é um debate salutar. Do ponto de vista do direito internacional, a Amazônia é brasileira e o governo faz o que bem entender. Mas, e se os brasileiros parassem para considerar o eventual benefício de um investimento global na preservação da Amazônia, sem prejuízo das leis internacionais e da soberania? Seria um contexto em que o sacrifício, o custo da preservação, seria compartilhado pelo bem geral.
O PREÇO DA CULTURA
A cultura, além de ajudar a estabelecer os custos numa sociedade, dá uma narrativa aos preços. Há muitos estudos sobre o impacto da cultura na economia. Um medidor importante é a confiança. Nos países em que a população confia nas instituições, em que a transparência é um valor cultural precioso, há maior identificação com o próximo e as transações econômicas tendem a fluir melhor. O custo é reduzido para todos. Quanto mais confiança existe numa cultura, maior a eficiência econômica. No México, onde cresci, a desigualdade gera desconfiança, e a população paga por ela. Mas também morei no Brasil quando havia muita desigualdade, e notei uma coisa: mesmo levando em conta a desconfiança nas instituições, o tal jeitinho brasileiro pode quebrar barreiras. Há uma informalidade, uma confiança espontânea no outro que, suspeito, tende a facilitar certas transações econômicas.
O PREÇO E A RAZÃO
Por que você paga US$ 100 por uma garrafa de vinho se desconfia que a de US$ 15 pode ser tão boa quanto? Em várias degustações às cegas, as pessoas não conseguem distinguir a diferença entre uma e outra. Lojas de bebidas dizem que, quando querem que um vinho tenha mais saída, sobem o preço da garrafa. Muitos acham que o preço alto garante a qualidade. Há repercussões importantes a partir daí. Fizeram uma experiência sobre o controle da dor fornecendo apenas placebos, e não o comprimido analgésico, a dois grupos. Um deles foi informado de que o placebo custava R$ 2,50 por comprimido. Ao outro disseram que cada um custava R$ 0,10. O grupo que tomou o placebo "mais caro" disse que o analgésico fazia mais efeito! Era o preço tendo um impacto na sensação física das pessoas por meio de um truque psicológico. Ou seja, a nossa relação com os preços está longe de ser óbvia. Achamos que fazemos avaliações de preços, mas a razão, muitas vezes, perde para o instinto.
O PREÇO DA MULHER
O preço da mulher varia conforme a geografia. Quando os indianos adquiriram a tecnologia da ultrassonografia, por exemplo, o número de abortos de fetos de meninas disparou. Entre as crianças de até 6 anos na Índia, há 1.100 meninos para 1.000 meninas, por causa dos abortos. Mas, se você é mulher e mora nos Estados Unidos ou na Alemanha, sua cotação é alta. No mundo industrializado, a mulher inserida no mercado passou a valer muito porque ela não oferece mais apenas seu útero reprodutor.
O VALOR DO CASAMENTO
A cotação mais alta da mulher afetou, e muito, o casamento. Falo mais dos Estados Unidos e das classes mais privilegiadas. Entre elas, a instituição do casamento está se tornando um clube. É quase uma escolha de lazer. Nas classe mais privilegiadas, decidimos ficar com alguém porque temos algo em comum com esse alguém. Já a dinâmica do matrimônio entre pessoas que não concluíram o segundo grau é um universo completamente à parte das famílias com educação universitária. O casamento entre americanos com menos educação é hoje mais instável, ainda há elementos econômicos que definiram o matrimônio por milênios: o homem mais encarregado do sustento, a mulher mais restrita às responsabilidades da casa e dos filhos e mais vulnerável no mercado de trabalho.
O PREÇO DA FELICIDADE
É como uma esteira de ginástica: as coisas que nos fazem felizes vão mudando ao longo da vida, não paramos de andar. Se não tenho nada e ganho R$ 100, fico muito contente. Mas, depois de um tempo, eu me acostumo a ter os R$ 100 e passo a desejar o que custa R$ 200. As aspirações vão se alterando. E não falo só de dinheiro. Há estudos na Alemanha que mostram que a sensação de felicidade entre noivos aumenta até às vésperas do casamento. Pouco depois, começa a cair. Os casais se acostumam com o que conseguiram. A ideia de que o dinheiro gera felicidade é muito controvertida. Argumento no livro que o dinheiro, sim, ajuda a dar felicidade, porque nos permite cuidar da saúde e ter estabilidade material, mas ter tempo livre é um fator importante para ser feliz. No caso específico dos Estados Unidos, a renda das pessoas começou a subir depois da 2ª Guerra. O índice de felicidade, porém, não sobe. O americano sacrificou tanto para aumentar sua renda que hoje tem pouquíssimo tempo livre para aproveitar o que acumulou. 

Varejo no atacado


Operação pretendida pelo Pão de Açúcar não nacionaliza o grupo, apenas aumenta o poder de arbítrio do dr. Abilio, avalia articulista

10 de julho de 2011 | 0h 07
Carlos Lessa - O Estado de S.Paulo
Nas últimas semanas, a fusão do grupo Pão de Açúcar com o grupo Carrefour para a criação do Novo Pão de Açúcar abriu um debate que percorreu a dimensão ética, jurídica, de interesse privado e dos interesses nacionais. Praticamente todos os articulistas da mídia impressa, televisiva e radiofônica colocaram em pauta a questão (corretamente, pois o BNDES, banco histórico do desenvolvimento industrial brasileiro, estava se propondo a aplicar mais de US$ 2 bilhões em uma operação global de quase US$ 3 bilhões!).
Pelo lado ético, foram feitos reparos a diversos protagonistas públicos e privados envolvidos na operação. Pelo ângulo jurídico, a redução do peso do grupo francês Casino em um Novo Pão de Açúcar tem as características de um divórcio parcial do empresário brasileiro e sua nova parceria com outro grupo francês, o Carrefour. Tem ou não um valor impeditivo para a operação pretendida (a existência de um acordo de acionistas entre o Pão de Açúcar e o Casino)? Neste momento, tudo leva a crer que a operação é juridicamente contestável e, levada aos tribunais, seria extremamente nociva para os parceiros atuais e os novos (Carrefour e BNDES). Isso, aparentemente, não foi levado em conta pelo BNDES, que não apenas avançou num comprometimento prévio com Abilio Diniz como lhe pôs nas mãos o poderoso argumento de R$ 3,7 bilhões.
Hoje, 7 de junho, li em jornal de grande circulação que o dr. Abilio declarou: "Fiz um trabalho extenuante". Costurar esse trabalho que foi feito não é fácil e entendo por quê; afinal, não é todos os dias que um empresário pode dizer a outros: tenho a chave para um suprimento financeiro superior a US$ 2 bilhões.
Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, declarou antes da controvérsia que o BNDES somente faria a operação se houvesse acordo do grupo Casino. O negócio não foi desmanchado, por isso o dr. Abilio, com a chave do BNDES, desafia o grupo Casino a demonstrar que a fusão não é uma boa ideia. Obviamente, a fusão é magnífica para o interesse privado do dr. Abilio, que, em entrevista, declara que quer "continuar levando a companhia que tem o DNA dele". Porém, isso não o impediu de, há alguns anos, assinar com o grupo Casino o direito de, em 2012, trocar, por R$ 1, a possibilidade de o grupo Casino consolidar os resultados do grupo Pão de Açúcar, diluindo o seu DNA. Quando assinou o acordo, era pré-datada a diluição do DNA brasileiro. É transparente a vantagem da operação pretendida para dr. Abilio. É inteiramente obscuro o interesse da sociedade brasileira nessa fusão que daria origem a um trio (dois franceses e um brasileiro).
É importante advertir a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que o BNDESPar é o braço do BNDES em operações no mercado de capitais e que é uma subsidiária 100% de propriedade do banco oficial. Este, como a ministra deve saber, é 100% do Tesouro. Assim sendo, são recursos públicos que, pela missão do BNDES, devem ser aplicados em projetos que gerem emprego e renda para os brasileiros.
Fusões podem ser meritórias, porém essa operação do Pão de Açúcar não nacionaliza o grupo de varejo, apenas aumenta o poder de arbítrio do dr. Abilio, restaurando seu DNA. Não é uma operação geradora de crescimento da economia. E, ao contrário do que declarou o ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, Fernando Pimentel, não gerará saldo comercial positivo. O ministro declarou que o grupo Carrefour iria, associado ao Pão de Açúcar, "ampliar exportações brasileiras" (?!). O atual Pão de Açúcar é uma rede varejista que importa muito mais do que exporta, gerando um saldo comercial negativo. O grupo Carrefour já participa da rede brasileira de varejo e não é exportador líquido para o varejo mundial; a entrada do Carrefour não ampliará a rede de varejo. O que amplia o varejo é a multiplicação de emprego e renda no interior da economia brasileira.
Alguém afirmou que a aplicação do BNDESPar em papéis do Pão de Açúcar é um ótimo negócio para o BNDES. A elevação de valor patrimonial passa por um aumento futuro de lucratividade do cogitado NPA - Novo Pão de Açúcar. Isso pode ser obtido por redução dos custos operacionais (inclusive massa de salários) ou pelo aumento da margem comercial na compra e venda das mercadorias que distribui como rede varejista. Cabe ao Cade julgar se essa concentração do varejo vai baratear o custo de vida ou a lucratividade maior será um jogo perverso em relação às famílias brasileiras. De qualquer forma, o BNDES não é vocacionado a maximizar seu lucro (não é um banco de investimento); é um banco de desenvolvimento cuja primeira função é ampliar o emprego e a renda dos brasileiros. Tenho a preocupação de que se produza um desgaste na imagem do BNDES, o que seria um subproduto perverso da cogitada operação.
O dr. Abilio diz que foram encomendados "estudos" a três consultorias para avaliar a operação. É óbvia a vantagem patrimonial privada de dispor de mais de US$ 2 bilhões de recursos públicos. As três consultorias devem estar construindo "argumentos" para seduzir o grupo Casino; outras deveriam mostrar "vantagens" para a sociedade brasileira.
CARLOS LESSA É ECONOMISTA. FOI PRESIDENTE DO BNDES E É PROFESSOR EMÉRITO DA UFRJ