sexta-feira, 18 de março de 2011

Mudança na matriz energética requer transformações nos padrões atuais de produção e consumo

7/03/2011 - 02h03


Por Redação IHU

O sistema energético com base em hidrelétricas é insustentável e prejudicial às populações ribeirinhas, afirma o professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), em entrevista por e-mail, à IHU On-Line. De acordo com o professor, as hidrelétricas previstas no rio Madeira e Xingu são desnecessárias para atender às necessidades elétricas do país. Em sua percepção, elas foram projetadas com o objetivo de “beneficiar as indústrias do setor eletrointensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia”.

Costa enfatiza que, para construir um modelo energético sustentável, é necessário mudar os modos de produção e consumo da sociedade. Para ele, mudanças na matriz energética, que conduzam ao bem- estar das pessoas, “devem levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida” da população. Nesse sentido, ele propõe mudanças no conceito de crescimento econômico, e ressalta que as fontes de energia renováveis, além de ajudarem a combater os impactos ambientais, ajudariam a diminuir a pobreza e os problemas socioeconômicos do País.

Costa é graduado em Física pelo Instituto de Física Gleb Wattaghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Energia Solar, pelo Instituto de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Energia, pela Commissariat à I’Energie Atomique-CEA, Centre d’Estudes de Cadarache et Laboratorie de Photoelectricité Faculte Saint- Jerôme/Aix-Marseille III, França. Atualmente, coordena os projetos da ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar e o Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis - NAPER da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

IHU On-Line - Como o senhor avalia a matriz energética nacional?

Heitor Scalambrini Costa - 
O Brasil tem 45% da sua matriz energética baseada em fontes renováveis, particularmente para a geração de energia elétrica e potencialmente nos combustíveis líquidos para transporte, a partir de agrocombustíveis. Por outro lado, há uma absurda e brutal emissão de carbono no uso da terra. Basicamente, em função das transformações no uso da terra na região amazônica, onde o desmatamento e queimadas são usados para abrir campos agriculturáveis e pastagens.

Sem dúvida, nos encaminhamos para o fim da era do petróleo, e nos defrontamos com o grande desafio, que é combater as causas das mudanças climáticas, principalmente substituindo os derivados do petróleo por combustíveis renováveis. Estamos em um período de transição e de incorporação de novas fontes energéticas na vida das pessoas e das nações. Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos no planeta precisa levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de desenvolvimento vigente e na própria organização de nossa sociedade. Entendo que, para concretizar uma estratégia em bases sustentáveis, seria necessário investir na diversidade e na complementaridade das fontes energéticas, portanto nas alternativas renováveis como a energia eólica, solar térmica, fotovoltaica, marés, ondas, biomassa, pequenas quedas de água (PCH´s ). Portanto, discutir a matriz energética implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz e levar em conta quem se beneficiará ou qual propósito servirá, ou seja: energia para quê  e para quem?

IHU On-Line - Investindo na construção de novas hidrelétricas, o Brasil estará produzindo energia para quem?

Heitor Scalambrini Costa - 
O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015, divulgado pelo Governo Federal, tem pouco apreço pela busca da eficiência energética e do uso racional de energia. Foi elaborado para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, pasta de celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, concentrando em três megaprojetos (as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio - no Rio Madeira, em Rondônia, a de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará e a usina nuclear de Angra III), que causarão grandes impactos sociais e ambientais e têm uma chance razoável de dar errado. Empreendimentos estes rechaçados pelos movimentos sociais e pela sociedade brasileira há anos, devido aos impactos ambientais que provocarão.

O governo não deu muita importância à adoção de novas matrizes de energia renovável no País. As energias renováveis são relegadas no PDEE, enquanto deveriam ser encaradas como a grande solução para a questão energética. O Brasil já é capaz de produzir em quantidade energia solar térmica, solar fotovoltaica, eólica ou biomassa, entre outras, e só não o faz por falta de vontade política do governo. O governo segue desconsiderando essa tendência internacional apesar do País possuir potencial para suprir totalmente a demanda nacional atual e também para fornecer eletricidade a locais remotos que não a possuem ou que utilizam outras fontes, como a geração a diesel ou a gás.

Ao desprezar as fontes renováveis, o País acaba deixando de economizar energia. Essas fontes poderiam também resolver problemas atuais do setor, como o pico de consumo causado por chuveiros elétricos e que pode ser reduzido utilizando a energia solar térmica, beneficiando a todos, inclusive às concessionárias. Assim a demanda poderia ser mais balanceada e o fator de carga elevado.

IHU On-Line - Num momento em que tanto se discute a questão ambiental e o aquecimento global, por que viabilizar grandiosos projetos de usinas hidrelétricas no Rio Madeira e no Xingu, por exemplo, se já está comprovado que grandes hidrelétricas geram impactos ambientais?

Heitor Scalambrini Costa -
 Os planos e estratégias de expansão da oferta de energia elétrica feito pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE pressupõe a continuidade de construção de grandes barragens e a prevalência da opção hidrelétrica para assegurar 4/5 da oferta, deixando a termeletricidade (gás natural, carvão mineral, derivados de petróleo e nuclear) os 20% restantes.
Para a elaboração deste cenário, é considerada a construção de grandes hidrelétricas na região Norte do País, a conclusão de Angra III e a construção de outras novas nucleoelétricas, enquanto que a inserção da energia solar e eólica na matriz energética nacional se mantém de forma incipiente. A energia elétrica obtida a partir do potencial hidráulico de um rio, através da construção de uma barragem, com a conseqüente formação de um reservatório, tem se revelado no cenário nacional e internacional insustentável. São identificados problemas físico-químico-biológicos decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica e de sua interação com as características ambientais do local de construção (por exemplo, alteração do regime hidrológico, assoreamento, emissões de gases estufa a partir da decomposição orgânica no reservatório, entre outros), além dos aspectos sociais, particularmente com relação às populações ribeirinhas atingidas pelas obras (formação do reservatório), invariavelmente desconsideradas, diante dos deslocamentos destas populações.

Hidrelétricas desnecessárias

As hidrelétricas previstas no rio Madeira e Xingu são desnecessárias para atender as necessidades elétricas do País. Foram projetadas para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, além de obviamente as grandes empreiteiras (fonte de “eterna” corrupção).

Existem outras alternativas de oferta de energia elétrica sem a necessidade destas obras tão renegadas pela sociedade civil brasileira. Alternativas como a repotenciação (modernização) das hidrelétricas já existentes, melhorar a eficiência e conservação de energia, utilizar o aquecimento de água com energia solar para substituição dos chuveiros elétricos, dentre outras medidas, seriam suficientes para ofertar a energia elétrica necessária ao País, sem a necessidade de realizar estas grandes obras. Portanto, o Brasil não tem necessidade de construir as usinas hidrelétricas no Rio Madeira e no Xingu para atingir as metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Estas decisões, referentes à construção de usinas de geração de eletricidade, têm sido expostas diante de um suposto aumento dos riscos de déficit de energia, alimentadas pela síndrome do apagão. Parece-me mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a conservação de energia e de encontrar, na diversidade das fontes renováveis, as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.

IHU On-Line - O senhor afirma que o tratamento dado à questão energética no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi decepcionante. Por quê? De que maneira o PAC poderia contribuir para o efetivo desenvolvimento do País, no que se refere à energia elétrica?

Heitor Scalambrini Costa - 
Pode se afirmar que o tratamento dado à questão energética no PAC foi decepcionante e frustrante para aqueles que almejam um desenvolvimento em nosso país mais igualitário, menos excludente e sustentável ambientalmente. Estamos na contramão da história, pois os mais recentes estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática  da Organização das Nações Unidas têm apontado como o pior vilão das mudanças climáticas o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) causadores do efeito estufa. E, lamentavelmente, são estes combustíveis que receberam os maiores recursos destinados pelo PAC.

Com uma previsão de aporte de recursos da ordem de R$ 274,8 bilhões até 2010, a área de infra-estrutura energética teve a maior fatia do bolo de investimentos. O plano mostra o viés conservador do governo por investir em combustíveis fósseis (maiores causadores do aquecimento global). A rubrica petróleo e gás levou R$ 179 bilhões, enquanto para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia serão destinadas “migalhas” da ordem de R$ 17,4 bilhões. O setor elétrico, por sua vez, receberá R$ 65,9 bilhões para investimento em geração de energia e R$ 12,5 bilhões para investimentos em transmissão e distribuição.

Apesar do setor elétrico receber menos recursos que o setor petróleo e gás, o PAC atendeu às reivindicações dos empresários do setor elétrico (leia-se as grandes empresas transnacionais), beneficiando-as com mudanças nas regras de empréstimos concedidos pelo BNDES, que aumentaram as facilidades para os empresários do setor. Os prazos de pagamento foram estendidos de 14 para 20 anos e os prazos de carência aumentados de seis meses para um ano. Além disso, o financiamento pode chegar a até 80% do valor total do empreendimento. Também há outras facilidades, como a redução do valor das garantias dos projetos de construção de usinas hidrelétricas e a diminuição das exigências de previsão de fluxo de caixa para financiamentos no setor de energia. O governo, com essas “facilidades”, espera viabilizar projetos de usinas hidrelétricas de Jirau (3.300 MW) e Santo Antonio (3.150 MW), no Rio Madeira (barragem de 217 km), em Rondônia e de Belo Monte (5.500 MW), e no Rio Xingu, no Pará (barragem de 440 km).

Antes que o Brasil se renda ao apelo da energia nuclear (ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e da produção de resíduos radioativos), ou continue lutando contra a sociedade civil para aprovar a construção de novas hidrelétricas e termelétricas, parece mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a conservação de energia, e de encontrar, na diversidade das fontes renováveis, as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.

IHU On-Line - Discutir as mudanças na matriz energética brasileira implica em discutir também mudanças no sistema de produção e consumo? Como o senhor relaciona esses aspectos?

Heitor Scalambrini Costa 
- Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade. É a razão capitalista com base no consumismo, no militarismo, e na da lógica de acumulação do capital que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral.

O paradigma do crescimento econômico deve e precisa ser profundamente alterado. Precisamos nos adequar à velocidade dos acontecimentos, pois o caos climático e suas conseqüências se transformarão, em poucos anos, num fator de contestação global do capitalismo como jamais houve na história. Para estar à altura dos acontecimentos, uma boa idéia é começar a deixar de lado um conceito de crescimento econômico que nos foi imposto pelo próprio capitalismo.

A questão central é como vamos mudar o sistema de produção. Na medida em que se muda a produção, se mudará o consumo. A produção comanda e obriga o consumo. Se há preocupação em mudar a questão ambiental, é preciso se pensar em mudar o sistema de produção, o modelo atual da civilização ocidental industrializada. Temos que combater aqueles que parecem obedecer a uma mentalidade desenvolvimentista ainda calcada na visão do “mais e maior” e que ignora as dimensões socioambientais do “crescimento infinito”.

O fato é que jamais haverá, sob o signo do capitalismo, a “salvação ambiental”. Por isso, a luta socioambiental é hoje o instrumento mais importante para a superação do capitalismo antes que o capitalismo acabe com as condições para que a humanidade exista nesse Planeta.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a criação das Pequenas Centrais Hidrelétricas enquanto alternativa para o funcionamento efetivo da energia elétrica no País?

Heitor Scalambrini Costa -
 O Brasil tem características geográficas e hidrológicas que favorecem o emprego da energia hidroelétrica. No País, existe um importante potencial, identificado através das PCH´s, estimado em 9.800 MW, considerando usinas com até 30 MW de potência instalada e com o reservatório de até 3 km2.

Uma PCH não é uma central em tamanho reduzido, e sim uma concepção diferente e mais simples de uma central hidrelétrica. A agressão à natureza deste tipo de empreendimento é muito menor que o causado pelas grandes hidroelétricas. Sem dúvida, as PCH´s se constituem em uma fonte de energia elétrica que devemos apoiar, para a construção de uma matriz energética mais renovável e diversificada.

IHU On-Line - Como o senhor relaciona a questão energética e o desenvolvimento sustentável?

Heitor Scalambrini Costa 
- Muitos acreditam e manifestam a crença de que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do desenvolvimento sustentável. Acreditam que com o decorrer do tempo, e com o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, resultando uma melhoria no bem-estar social ou mesmo a diminuição das desigualdades sociais.

O fato é que o desenvolvimento sustentável não pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticas ambientais e tecnológicas. Os problemas da desigualdade social e do modo de produção atual são os obstáculos para se alcançar uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e, ainda assim, proporcionar melhores condições de vida as pessoas excluídas do sistema de trabalho. Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade.

Como podemos observar em nosso país, a temática da oferta da energia traz questões de ordem política decorrente da forma como as diferentes opções energéticas são impostas à sociedade. O tratamento da questão energética continua a revelar a prevalência da visão liberal-mercantilista, que concebe o setor energético como um campo de relações de troca de mercadorias, com vistas à ampliação da acumulação de capital.

IHU On-Line – Qual é o papel das fontes renováveis de energia na matriz energética brasileira?

Heitor Scalambrini Costa -
 As fontes renováveis de energia, como biomassa, PCHs, eólica e energia solar, incluindo a fotovoltaica, têm e terão um papel fundamental a cumprir, pois aumentam a diversidade da oferta de energia; asseguram a sustentabilidade da geração de energia a longo prazo; reduzem as emissões atmosféricas de poluentes; criam novas oportunidades de empregos nas regiões rurais, oferecendo oportunidades para fabricação local de tecnologia de energia; e fortalecem a garantia de fornecimento porque, diferentemente do setor dependente de combustíveis fósseis, não requerem importação.

Além de solucionar grandes problemas ambientais, como o efeito estufa, as novas renováveis ajudam a combater a pobreza, e também podem aumentar o acesso à água potável proveniente de poços. Água limpa e alimentação cozida reduzem a fome (95% dos alimentos precisam ser cozidos antes de serem ingeridos). Pode haver a redução de tempo que mulheres e crianças gastam nas atividades básicas de sobrevivência (buscando toras, coletando água, cozinhando). Além disso, energia em casa facilita o acesso à educação, aumenta a segurança e permite o uso de mídia e comunicação na escola; diminuir o desmatamento.

Os estudos realizados pela WWF mostram que, num cenário elétrico sustentável, as fontes como solar, eólica, biomassa e PCHs podem fornecer até 20% da geração total de eletricidade, empregando oito milhões de pessoas e reduzindo as emissões dos gases de efeito estufa. Basta para isso que se retome a fase 2 do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que foi abandonado pelo governo.

IHU On-Line - Como o senhor se posiciona em relação ao debate sobre energia no País? E a questão dos agrocombustíveis?

Heitor Scalambrini Costa -
 Em toda a discussão atual sobre energia no Brasil, se fala sempre na ameaça dos apagões frente ao crescimento econômico anunciado. Nem o governo, nem as autoridades do setor energético, nem os responsáveis pela administração do setor elétrico brasileiro, nem os distribuidores falam uma só palavra sobre economia de energia, racionalização do gasto de energia, eficiência, manutenção, modernização.

Só a obra nova parece interessar e ser capaz de gerar energia no Brasil. Cada vez é mais constante ouvir declarações governamentais e de “técnicos” de empresas estatais e privadas, demonstrando desprezo pelas energias renováveis e grande dose de ignorância sobre o debate energético contemporâneo. Diferentemente destas declarações preconceituosas sobre as energias alternativas como solução para o problema energético do Brasil, elas podem, sim, atender às necessidades e demandas futuras, diversificando e complementando a matriz elétrica. Ao estabilizar em torno de 70% de energia hídrica, os outros 30% podem ser perfeitamente adicionados por fontes renováveis, especialmente biomassa, PCH´s, eólica e solar – que nem foi incluída no PROINFA.

O PROINFA foi criado para estimular as fontes alternativas de energia, e que em cinco anos não realizou nem 40% das suas metas originais, relativamente banais, diga-se de passagem, de conseguir gerar 3.300 MW de eletricidade a partir de  biomassa, eólica e hídrica com base em PCH´s.

Biocombustíveis


Vejamos o que está ocorrendo com relação à produção do etanol e do biodiesel. Com base no modelo do agronegócio, que destina grandes extensões de terra para a monocultura, procura-se transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis líquidos com o apoio e ganância de grandes grupos econômicos e fundos de investimentos. Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados pela expansão do capital.

O que se verifica hoje é a compra de terras por estrangeiros (japoneses, chineses, americanos, franceses, holandeses e ingleses), que estão aportando no país, comprando usinas e formando um estoque de terras que rende uma valorização acelerada, na linha da especulação típica das zonas urbanas. O Brasil entra com a terra, a água e o sol, e mão-de-obra barata. Já eles colhem, exportam e vendem o produto, aplicando os lucros lá fora. Ficam com o verde da cana e dos dólares e, nós, com o amarelo da fome. Sem abandonar estas fontes de riqueza para o País, o modelo agrícola a ser adotado deveria estar baseado na agroecologia, no zoneamento agrícola e na diversificação da produção. Ele deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis. Tem se afirmado com insistência, ao longo dos anos, que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil, sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não deve ser plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para quê e para quem”? Essas questões, por sua vez, devem estar subordinadas a uma pergunta mais geral: qual padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja? A produção de agro-combustíveis como etanol e biodiesel só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo.

IHU On-Line – Qual é o interesse do Brasil em utilizar energia nuclear como fonte energética? Essa opção pode ser considerada um regresso?

Heitor Scalambrini Costa -
 O Brasil não tem necessidade de construir mais usinas nucleares para atingir a meta do PAC de aumentar a oferta de energia elétrica. Fonte de energia elétrica ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e pela produção de resíduos radioativos, o uso da nucleoeletricidade pelo Brasil é estrategicamente incorreto, e
deveria ser definitivamente descartada.

Os defensores da tecnologia nuclear insistem que a energia nuclear não emite dióxido de carbono (CO2) e, por isso, é uma boa opção para enfrentar o aquecimento global. Os lobistas desta tecnologia não incorporam em seus cálculos o processo completo da energia nuclear, porque  consideramos a mineração do urânio (combustível nuclear), o transporte, o enriquecimento do urânio, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos resíduos radioativos. Esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por quilowatt-hora gerado. Estes dados são da Agência Internacional de Energia Atômica, e é importante não omiti-los no debate sobre as soluções ao desafio energético do País. Ainda mais, porque o cálculo que faz hoje o Oxford Research Group chega até 113 gramas de CO2 por quilowatt-hora. Isso é aproximadamente a emissão de uma termoelétrica a gás. Portanto, aqui também há um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta fonte de energia. Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto e implica dejetos sólidos.

(Envolverde/IHU On-Line)


O apogeu da cana no Sudeste do Brasil


Por Mario Osava, da IPS

Ribeirão Preto, Brasil, 18/3/2011 – As estradas são excepcionalmente boas e numerosas, em contraste com outras partes do Brasil, mas a monotonia da paisagem não convida ao turismo. Os canaviais dominam o horizonte, as cores e os odores, em um longo eixo de 400 quilômetros para o Norte de São Paulo. No centro dessa área com singular desenvolvimento econômico e social, como maior produtora de açúcar e etanol do país, está Ribeirão Preto, uma das cidades mais ricas do Brasil, com 605 mil habitantes e renda por pessoa que é o dobro da média nacional.

A cana promove o progresso local porque seu cultivo leva à industrialização. Começa a perder potencial produtivo 48 horas após ser colhida e isso obriga que seu processamento seja local e impede sua exportação para ser transformada longe. Ao contrário de outros grandes cultivos, como café e soja, sua curta cadeia produtiva mantém seu processamento no mesmo lugar, sem intermediações, e isso permite baixos preços, para beneficio do consumidor, disse o engenheiro Cícero Junqueira Franco, um dos líderes históricos do setor que, aos 79 anos, ainda é um influente sócio de várias empresas.

Contudo, foi o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), criado em 1975 para substituir parcialmente o consumo de gasolina e reduzir a importação de petróleo, que incentivou a prosperidade atual da região de Ribeirão Preto, convertida em um imenso canavial. Trata-se do etanol, mais conhecido como álcool. Sua produção em grande escala “mudou a estrutura do setor e mudou o Brasil”, disse à IPS Cícero, um dos “pais” do Pró-Álcool, que com outros empresários propôs ao governo criar essa política em 1974, quando o petróleo quadruplicou seu valor por causa da primeira grande crise de preços no setor.

Na época, o Brasil importava 85% do petróleo que consumia e sua repentina alta freou o crescimento econômico do país. O etanol surgiu para superar a crise, em uma conjuntura que coincidiu com um excesso de cana no mercado nacional, devido a estímulos governamentais para a produção. Assim, o Pró-Álcool nasceu para solucionar dois problemas, disse Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e agora professor universitário e presidente do Conselho de Agronegócios da Federação das Indústrias de São Paulo.

Nos 35 anos do programa, a produção brasileira de etanol saltou de 611 milhões de litros para 27,7 bilhões em 2010, enquanto a de açúcar mais do que quintuplicou, ao atingir 38,7 milhões de toneladas. Para atender essas duas demandas, a área cultivada aumentou quatro vezes, o que permitiu multiplicar por sete a cana colhida. Em 2010, a extensão cultivada foi de 8,1 milhões de hectares e a produção de 625 milhões de toneladas.

Isso só foi possível porque a produtividade aumentou cerca de 3% ao ano, um crescimento “brutal” em termos agronômicos, explicou Cícero em sua residência rural, um oásis com árvores e água de um riacho, perto de canaviais por todos os lados, no município de Orlândia, 55 quilômetros ao norte de Ribeirão Preto. Essa acelerada expansão rompeu o controle que o governo exercia sobre o setor da cana, mediante cotas de produção e o monopólio das exportações, e transformou o interior do Estado de São Paulo, especialmente o Nordeste, onde se concentrou o cultivo.

Antes, poucas instalações processadoras contavam com um engenheiro e hoje em dia “dificilmente têm menos do que três”, disse Cícero. Se for somada a produção de açúcar e álcool, nos engenhos trabalham 31 diferentes profissionais universitários, acrescentou. O Pró-Álcool “oxigenou um sistema esclerosado”, o modernizou e atraiu novos empresários, “abrindo mentes”, disse Maurilio Biagi Filho, outro líder do setor, com experiência na indústria de equipamentos e bebidas. Também dirigiu várias unidades transformadoras, após viver sua infância em uma delas, fundada por seu pai.

Eletricidade, plásticos e outros produtos químicos, fertilizantes e enzimas entraram nos planos do setor açucareiro. As pesquisas científicas e tecnológicas ganharam um forte impulso na região, o que promoveu a instalação de universidades e centros criados pela própria indústria do açúcar e do álcool.

A expansão favoreceu o desenvolvimento de uma diversificada indústria de máquinas para cultivo da cana e sua transformação em açúcar, álcool e energia. Sertãozinho, a 20 quilômetros de Ribeirão Preto, concentra 550 empresas, que em sua maioria fornecem também equipamentos para outros setores, como petroleiro e hidrelétrico, dentro e fora do Brasil.

A colheita está 70% mecanizada e deverá chegar aos 100% em 2014, o que ampliou o mercado industrial, ao aumentar a demanda por colheitadeiras e veículos de coleta. A exigência é ambiental e busca eliminar incêndios produzidos para facilitar a colheita manual da cana. Os hotéis lotados em todas as cidades da região refletem esse dinamismo econômico impulsionado pela cadeia produtiva açucareira.

No entanto, falta uma “política mais clara”, disse Maurilio à IPS. O etanol segue o ciclo da cana. Sem colheita no primeiro trimestre e sem estoques reguladores, acumulados e controlados pelo governo para estabilizar o mercado, o etanol escasseia porque se destinou mais cultivo à produção de açúcar, por seus preços maiores desde 2010. Os veículos com motores flex são produzidos no Brasil desde 2003, o que permite abastecê-los com o combustível mais barato. Desta vez a demanda por etanol não caiu na proporção esperada.

O aparente progresso gerado pela economia da cana tem seus críticos. A mecanização começou no final dos anos 1980 para conter o movimento dos cortadores de cana em defesa de seus direitos, “não por razões ambientais”, disse à IPS Helio Neves, presidente da Federação dos Empregados Rurais do Estado de São Paulo. Além disso, deixará sem emprego milhares de trabalhadores e sua capacitação para novas ocupações é menor do que a demanda, acrescentou.

A cana é “uma planta maravilhosa”, mas sua monocultura concentra o poder nas empresas “em detrimento da democracia, impondo uma ditadura do econômico sobre o social”, lamentou Helio, respeitado sindicalista, protagonista da violenta greve de 1984 dos cortadores em Guariba, a 65 quilômetros de Ribeirão Preto.

Além disso, a prosperidade da cana é distribuída desigualmente. Ribeirão Preto, por concentrar os serviços melhor remunerados, e Sertãozinho são cidades privilegiadas. Entretanto, a pobreza relativa e a falta de emprego forçam milhares de mulheres de Guariba, Barrinha e outros municípios com muita cana, mas sem indústrias, a trabalharem como domésticas em Ribeirão Preto.

É o caso de Maria Alcântara Silva, de “mais de 30 anos”. Há seis percorre duas vezes ao dia os 35 quilômetros que separam sua cidade, Pradópolis, de Ribeirão Preto, onde a melhor remuneração compensa o gasto com ônibus. Pelo menos permite que mantenha o filho estudando química na universidade, afirmou. Em Guariba há 620 mulheres registradas como domésticas em Ribeirão Preto e a prefeitura lhes paga 40% do transporte, informou José Roberto de Abreu, secretário municipal do Emprego e das Relações do Trabalho. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
 Mario Osava /IPS
Legenda: A paisagem infinita de canaviais na região de Ribeirão Preto.



(IPS/Envolverde)


segunda-feira, 14 de março de 2011

transamazônica pode ser pavimentada


Transamazônica pode ser pavimentada Aberta no meio da floresta, na década de 70, a rodovia é o caso de licenciamento mais complexo da carteira de projetos do Dnit

12 de março de 2011 | 16h 33
Lu Aiko Otta
BRASÍLIA - O decreto simplificando obras em rodovias poderá tirar do papel um antigo projeto do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit): a pavimentação da BR-230, a Transamazônica. Aberta no meio da floresta, na década de 70, a rodovia é o caso mais complexo de licenciamento da carteira do órgão, segundo o diretor-geral Luiz Antonio Pagot.
"O mais incrível é que essa rodovia já teve licenciamento ambiental para ser pavimentada", diz ele. Um decreto assinado em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso autorizava a obra. Ela não foi realizada porque na época o País atravessou uma série de crises econômicas que obrigaram o governo a promover um aperto fiscal.
Logo no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, convenceu a área de transportes a pedir um novo licenciamento, prometendo que a tramitação seria rápida. "Nós caímos no conto do vigário", diz Pagot.
O resultado é que o governo Lula começou e terminou sem que a pavimentação saísse do papel. "Até levei uma bronca dele, que perguntou por que pedimos outro licenciamento", revela o diretor.
O licenciamento rápido para obras na Amazônia, porém, ainda é um ponto de discussão entre os Ministérios dos Transportes e do Meio Ambiente. A tendência é que as rodovias dessa região sejam tratadas como exceção.
Nesse processo de excepcionalidades deverá entrar também a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. A luta pela licença para o asfaltamento da rodovia foi um dos motivos de crise entre o setor de transportes e meio ambiente no governo anterior. Carlos Minc, então ministro do Meio Ambiente, e Alfredo Nascimento, dos Transportes, chegaram a ficar sem se cumprimentar por causa da rodovia.
No auge da briga, Minc sugeriu a construção de uma ferrovia na parte do meio da estrada. Mas a ideia não vingou.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que o Exército passaria a ser o guardião da BR-319, que tem 870 quilômetros de extensão. Para tanto, a rodovia será transformada em estrada-parque a partir de 2013, quando for terminado o processo de pavimentação.
Caberá ao Exército comandar todas as ações de proteção ao meio ambiente, além da manutenção e da conservação da rodovia, o que normalmente é entregue à iniciativa privada.
Por exigência dos órgãos ambientais, o Dnit retomou os estudos de impacto ambiental (Eia-Rima), já feitos pela Universidade Federal do Amazonas, mas rejeitados pelo Ibama, que exigiu mais amostras da fauna típica da estiagem e do período chuvoso.
A ideia é recomeçar as obras a partir de junho, num trecho de 370 quilômetros que fica na parte do meio da estrada.
Levando-se em conta o cronograma traçado pelo Ministério dos Transportes com base no cumprimento das formalidades ambientais, o governo espera asfaltar toda a rodovia até o fim de 2013, quando o Exército passaria a fazer a vigilância ambiental. De acordo com os Transportes, a estrada mostrará ao Brasil e ao mundo um novo modelo de ocupação na Região Amazônica.
Atualmente o Ministério dos Transportes tem quatro projetos em execução na Amazônia: a BR-319 (Transamazônica), a BR-163 (Cuiabá/Santarém) e a BR-364 (que liga Rondônia ao Estado do Acre). Pelos planos iniciais, até o fim de 2013 todas deverão ser concluídas.