segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Sharenting: pense antes de postar seus filhos, Ronaldo Lemos, FSP

 Um dos hábitos mais característicos da era da superexposição que estamos vivendo é a prática do "sharenting". A palavra refere-se ao hábito de pais e mães que ficam postando fotos dos seus filhos, inclusive bebês, nas mídias sociais.

Essa prática é quase irresistível. É humano querer compartilhar as alegrias e agruras da maternidade e o lugar para isso hoje não é mais o álbum de fotos que ficava na gaveta, mas sim a internet.

Logotipos dos principais aplicativos de redes sociais; o Twitter, comprado pelo bilionário Elon Musk, foi rebatizado como X - Denis Charlet - 21.out.20/AFP

A questão é que a maior parte dos pais não faz uma reflexão mais profunda do que significa postar fotos dos seus filhos. Como lembrou a pesquisadora em privacidade Luiza Jarovsky em artigo recente, o motivo de os pais postarem fotos dos filhos é seu próprio interesse, não o das crianças (que nem sabem o que está acontecendo).

Os pais querem o que todo mundo quer: uma descarga rápida de dopamina quando a foto das crianças ganha comentários, likes, shares e elogios. Em outras palavras, usam os filhos para ganhar "biscoito" na internet. Inclusive de estranhos que os pais nem sabem quem são.

Se você é pai/mãe e se identificou com essa situação saiba que você não está sozinho. Um estudo feito pela SecurityORG nos EUA determinou que 77% dos pais compartilham stories, vídeos ou imagens dos filhos nas mídias sociais.

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Outro estudo feito pela Nominet na Inglaterra em 2017 revelou que esses pais-compartilhadores postam em média 300 fotos por ano dos filhos. Quando a criança chega aos 5 anos há cerca de 1.500 fotos dela online.

Postar fotos dos filhos levanta questões importantes. A criança é de uma outra geração que os pais. Ao crescer pode não achar positivo que tenha sido exposta. Além disso, boa parte do que é postado online vira combustível para treinar inteligências artificiais. As crianças podem desde cedo se tornarem identificáveis digitalmente, pelo formato da íris e outras características. Sem falar nos riscos relacionados à privacidade, exposição em face de estranhos e até usos maliciosos e imprevisíveis das imagens.

Em 2016, um jornal austríaco relatou o caso de uma adolescente de 18 anos que processou os pais por terem exposto suas fotos de criança online. No fim foi provado que o artigo era falso. No entanto, uma discussão importante surgiu: poderiam os filhos processar os pais por essa conduta?

Vários advogados europeus acreditam que sim, seja por uso indevido de informações privadas, seja com base nas leis de proteção de dados pessoais. Em um caso judicial na Inglaterra, um juiz da área de família da Alta Corte indicou a possibilidade de que o direito à privacidade das crianças se aplica inclusive com relação aos pais.

Com isso vale a pena perguntar: o que as crianças ganham com a exposição feita pelos pais? A resposta em geral é: nada. Uma das poucas exceções são crianças filhas de celebridades, quando os pais intencionam transferir parte da fama e do seu capital social para os filhos por meio das mídias sociais.

Fora dessa hipótese, que se aplica a poucas pessoas, o ganho para a criança é praticamente nulo. É melhor pensar com carinho antes de expor os filhos em troca de dopamina.

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