É revelador. Em 2009, na calada da noite eletrônica, a Amazon apagou do Kindle de seus clientes o romance "1984", de George Orwell. Não sei se é praxe da Amazon remover de seu catálogo, sem aviso prévio, um livro que ela própria vendeu. No caso, houve uma grita: milhares de leitores protestaram, e o mais contundente foi um estudante de Detroit, que, junto com o arquivo, perdeu também suas anotações sobre o livro, talvez para um trabalho acadêmico.
Em "1984", o vilão, como se sabe, é o Grande Irmão, o supersensor e censor que a todos acompanha e controla através de mecanismos de espia e escuta, como telas onipresentes e impossíveis de desligar. Qualquer semelhança com os atuais mecanismos de controle de nossos corações e mentes, a partir do momento em que se clica qualquer coisa em um celular ou computador, não é mera coincidência. Foi do livro de Orwell que Jeff Bezos, no fundo de uma garagem em Washington, inventou o negócio que lhe rende hoje US$ 200 bilhões por ano.
Bezos começou vendendo livros online. Hoje vende até submarinos e manda entregar na porta. Apesar disso, continua vendendo livros, agora com 60% de desconto em relação às livrarias físicas. Pergunta-se: como pode vender livros abaixo do preço de custo? Porque, ao ignorar todas as normas decentes de competição, reduziu os livros a uma isca para conquistar e "fidelizar" clientes. As livrarias físicas estão quebrando porque têm normas a respeitar. A Amazon não.
Bezos fez bem em apagar "1984" de sua lista. Não é uma história que lhe faça bem aos negócios. Não por acaso, foi em um recente e magnífico livro que fiquei sabendo do apagamento de "1984": "O Infinito num Junco", da espanhola Irene Vallejo. É uma história do livro, do papiro à nuvem, e de todos que o usaram nos últimos 30 séculos para fazer a vida valer a pena.
Tente apagar um papiro.
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